“A guerra não é nunca de ideias, é sempre da falta delas”, escreveu Alberto Pimenta, poeta português, num livro (“Marthiya de Abdel Hamid segundo Alberto Pimenta”), em que mede a grosseria estratégica cometida pelos americanos ao invadirem pela segunda vez o Iraque, em 2003. São versos que ressoam hoje mais alto, quando o Ocidente se vê confrontado e aturdido por uma campanha de terror enormemente eficaz, concebida por um grupo escorraçado da Al-Qaeda por ser qualificado pelo seu líder como demasiado radical, e que está apostando em demarcar de forma brutal e sanguinária novas fronteiras no mundo sob a máxima “quem não está do nosso lado que morra”.
O grupo autoproclama-se Estado Islâmico (EI), mas segundo o presidente da direção da comunidade islâmica portuguesa, Abdool Vakil, representa “tudo o que o Islã não é”, uma vez que o “Islã significa a busca da paz”.
Em declarações ao iOnline, o líder muçulmano explicou que esta campanha prega a “perversão completa” da sociedade pacífica em que aquela religião tem as suas raízes: “O Estado Islâmico foi constituído no tempo do Profeta, em Medina, no qual conviviam lado a lado judeus, cristãos, muçulmanos e até pagãos.” Neste, “não havia nada disso de matar o outro”, sublinha Vakil.
A última mensagem dos extremistas instiga os seus seguidores a tomarem a iniciativa, levando a cabo atentados contra “alvos militares ou civis” norte-americanos, franceses ou de qualquer dos países alinhados na coligação internacional promovida por Washington para “degradar e destruir” as forças do grupo, que cresceu para além dos limites da Síria e chegou às portas de Bagdá.
“Se puderdes matar um infiel americano ou europeu – em particular os ímpios e porcos franceses -, ou um australiano, canadense ou qualquer cidadão de um país que tenha entrado na coligação contra o Estado Islâmico, confiai em Alá e matai seja de que maneira for”, afirma Abu Muhammad al-Adnani, porta-voz dos extremistas, de acordo com uma transcrição da mensagem divulgada pelo SITE, grupo especializado no monitoramento de fóruns radicais.
Quanto ao aparente apelo do EI mesmo no seio dos países europeus, recrutando militantes para as suas fileiras na Síria e no Iraque, deixando a ressalva de que pode estar “falando de cor”, Vakil aponta um esforço para aliciar “jovens que não se sentem aproveitados”. O responsável confessa “um desgosto muito grande” ao acompanhar as notícias que chegam do Oriente Médio, mas garante que em Portugal, se “há pessoas que podem ser mais fundamentalistas no respeito pela sua fé, não vão nunca ao ponto que retratam essas notícias”.
Depois de, entre quarta-feira da semana passada e domingo, o site da Comunidade Islâmica de Portugal ter sido alvo de um ataque informático que colocou na página de entrada um texto apelando à violência, Vakil afirmou: “Não conheço ninguém da nossa comunidade ou qualquer muçulmano residente em Portugal que possa ter esse tipo de atitude. Parece mais uma ação de um agente provocador.” E mais, para o responsável este ataque “não passa de uma tentativa de provocar reações contra muçulmanos e de denegrir a imagem da sua religião”.
“Hoje há mecanismos psicológicos de propaganda eficazes para levar as pessoas a aderir a determinadas causas, mas trata-se de causas políticas, não têm nada a ver com a religião”, adianta Mohamed Hamid ao iOnline. Um dos muçulmanos que aceitaram dispensar algum tempo das orações da sexta-feira, Hamid deixou Moçambique pouco depois da independência e permanece desde então em Portugal, onde, durante anos, esteve ligado à direção da Comunidade Islâmica.
Hamid garante que a cisão que permite recrutar europeus para militarem a favor do EI não passa de uma “revolta contra a cultura ocidental”, mas por esta campanha se dirigir a “pessoas que por dificuldades de alcançar sucesso, quer profissional quer social, se tornam facilmente alienáveis, deixando-se seduzir por promessas que envolvem até dinheiro, muito dinheiro”. Para Hamid, são as condições de indignidade social como a pobreza que estão na base desta alienação.