Informações chocantes continuam a emergir, acrescentando-se aos fatos já conhecidos publicados desde que o escândalo da Taxa de Oferta Interbancária de Londres (LIBOR) veio à tona no final de junho.
As mais recentes publicações do Banco Federal Reserve dos EUA em Nova York, que um artigo no website do Financial Post chamou de “despejo de documento”, sugerem que o Federal Reserve, o Banco da Inglaterra e o British Bankers Association estavam a par da manipulação da Libor por pelo menos cinco anos, mas, provavelmente, sabiam a mais tempo.
Os especialistas do mercado sugerem que o escândalo da Libor não foi apenas um passo em falso por parte dos bancos; isso também envolveu os bancos centrais, reguladores e oficiais do governo, com alguns parecendo acreditar que não tinham poder para intervir, mas podiam desempenhar um papel consultivo.
“É claro que o então presidente do Fed NY, Timothy Geithner, estava preocupado com a manipulação de uma taxa de referência de mercado. No entanto, não deveria ser nenhuma surpresa que ele não pudesse fazer muita coisa”, disse o artigo do Financial Post.
O Federal Reserve não disse sequer uma vez em sua publicação que tinha o poder de intervir, mas só fala de instruir um número de indivíduos de altas posições, expressar sua preocupação, monitorar a situação e recomendar o controle de danos.
“Depois de formular recomendações sobre a reforma da Libor às autoridades britânicas, o Fed NY continuou a monitorar os problemas relacionados à Libor”, disse a publicação do Fed.
De acordo com discussões entre os especialistas de mercado, as últimas atividades do Fed, como liberar documentação do rastreamento da Libor, têm uma única intenção: dar ao Fed uma filha limpa. A maioria das discussões indica que o Fed não divulgou qualquer informação de acompanhamento, o que implica que não tomou parte ativa na abordagem das questões da manipulação da Libor.
“Como está claro no trabalho que culminou no relatório ao Sr. King do Banco da Inglaterra, o Fed NY ajudou a identificar problemas relacionados à Libor”, segundo o comunicado publicado no website do Fed.
A Libor, a taxa pela qual os bancos estão dispostos a emprestar entre si, é usada como referência pelas instituições financeiras em todo o mundo para calcular as taxas de juros de empréstimos aos clientes.
Numa base diária, Thompson Reuters, um provedor de dados do mercado financeiro sediado no Reino Unido, fornece a Libor segundo um painel de 8 a 16 dos maiores bancos do mundo, incluindo Barclays Bank Plc, Bank of America Corp, Citigroup Inc., Standard Chartered Bank e Deutsche Bank AG.
De acordo com comunicados de imprensa, todos os 16 bancos no painel da Libor estão sendo investigados.
“Os documentos, que datam de 2007, mostram que o Fed estava plenamente ciente de que os bancos estavam mentindo sobre seus custos de empréstimo quando definiam a Libor e optou por não tomar nenhuma ação contra eles”, disse um artigo recente de Huffington Post.
Provas incriminatórias
“Nós emprestávamos dinheiro lá, mas […] não colocamos elas [as taxas de juro interbancárias] menores porque sabíamos que se entrássemos no mercado monetário e tentássemos emprestar dinheiro seria a uma taxa superior”, disse um empregado anônimo do Barclays em 11 de abril de 2008 num ligação telefônica com Fabiola Ravazzolo, um empregado Fed NY, segundo uma transcrição oficial da chamada.
Durante o telefonema, o empregado do Barclays admitiu que os empréstimos entre os bancos eram, na realidade, entre 8 (0,08%) a 10 (0,10%) pontos base acima da Libor publicada naquele dia em particular. Um ponto base representa um centésimo de um por cento.
O empregado do Barclays sugeriu que o Barclays não tinha outra escolha senão manipular a taxa Libor, pois o preço das ações do banco foi impactado negativamente quando ele relatou a taxa exata. Como exemplo disso, quando o Financial Times identificou e informou sobre as diferenças no relato das taxas de juro interbancárias, a capacidade do Barclays de emprestar no mercado interbancário foi imediatamente afetada.
“Por isso, nunca deveria ser prerrogativa de um negociante do mercado financeiro afetar o valor das ações de sua empresa. […] Então, sabemos que não estamos postando uma Libor honesta”, disse o funcionário do Barclays, segundo a transcrição oficial da conversa por telefone.
Controle de dano
“No final de abril e em maio de 2008, funcionários do Fed NY se reuniram para determinar que medidas poderiam ser tomadas para resolver os problemas com a Libor. O Fed NY também agiu para informar outras agências norte-americanas”, segundo a publicação mais recente do Federal Reserve.
De acordo com publicações do Fed, uma enxurrada de atividades começou com um telefonema de dezembro de 2007 entre o Barclays e o Fed, mas parece ter chegado ao fim até o final de 2008.
Entre outros, o Fed informou o ‘Grupo de Trabalho sobre Mercados Financeiros’ (PWG), criado em 1988 pelo ex-presidente Ronald Reagan e encarregado de responder rapidamente aos problemas nos mercados financeiros.
Em 1º de junho de 2008, Timothy Geithner, o então secretário do Tesouro dos EUA, contatou Mervyn King, o presidente do Banco Central da Inglaterra, com sugestões para melhorar a integridade da Libor. Nenhuma continuação da conversa foi fornecida pelo Fed.
Uma sugestão foi a de “eliminar o incentivo a relatórios falsos”, que deve ser usado como um controle e equilíbrio para garantir a publicação verdadeira. King reconheceu o recebimento das recomendações do Fed e estava aberto a uma discussão mais aprofundada.
Os especialistas do mercado parecem tolerar transgressões dos bancos sobre a Libor e sugerem que as mãos do Fed estavam amarradas quando ele ia castigar os bancos, devido à crise financeira.
O perdão dos bancos decorre do pensamento de que eles não podiam admitir um risco de crédito maior, revelando que o mercado estava lhes cobrando uma taxa de risco maior. Tal admissão diria a comunidade financeira e de investimentos que o banco estava em dificuldades financeiras.
O que é desconcertante é que o mercado acredita que devido a um cenário de mercado semelhante, os bancos recorrem ao mesmo comportamento manipulativo, e ninguém poderia fazer nada sobre isso.
“Os bancos distorceram suas apresentações da LIBOR porque não tinham outra escolha. […] Não há nada que impeça que a mesma coisa aconteça se o crédito apertar mais uma vez”, sugeriu o artigo do Financial Post.
Declarações falsas da Libor é coisa antiga
A manipulação ou falsa declaração da Libor não é um assunto recente. Em 1998, um estudo realizado por Jeremy Berkowitz, na época um funcionário do Fed, sugeriu que declarar erroneamente a taxa Libor era uma possibilidade.
Berkowitz examinou os valores da Libor entre 1995 e 1997 e sugeriu que em 1996 houve “picos incomuns”, que ele acreditava serem resultado de “três taxas [que] foram intencionalmente deturpadas”.
O Departamento de Justiça dos EUA recorda em sua documentação que certos empregados do Barclays já estavam envolvidos na manipulação da Libor em 2006, citando um e-mail entre um comerciante de dólar do Barclays e um apresentador do dólar-Libor do Barclays.
“Olá companheiro[.] Nós temos um pacote incrivelmente grande na segunda-feira (IMM). Precisamos de uma correção de 3m [3 meses] realmente baixa, isso pode, potencialmente, custar uma fortuna”, disse o comerciante em seu e-mail.
O resultado final foi que “os dados trimestrais do dólar-Libor do Barclays em 13 de março de 2006 foram de 4,90%, que era uma taxa inalterada desde o dia anterior de negociação e foi mantida a menor taxa apresentada”, segundo o documento do Departamento de Justiça dos EUA.