Espírito universitário demitido na China

06/11/2013 10:49 Atualizado: 06/11/2013 10:49

Após a recente demissão do professor Xia Yeliang da Universidade de Pequim, um repórter da Xinhua, uma mídia estatal porta-voz do regime chinês, entrevistou um porta-voz da universidade sobre o porquê de o contrato de Xia não ter sido renovado.

A Universidade de Pequim afirmou que, desde 2008, os contratos de 25 professores não foram renovados, o que, segundo eles, provava que Xia Yeliang não foi demitido por razões políticas. No entanto, entre essas 25 pessoas, Xia foi o único que a Xinhua deu foco especial, o que prova que o incidente foi de fato altamente motivado politicamente.

A Universidade de Pequim disse que a razão para a demissão foi as pobres avaliações de ensino de Xia. “Há mais de 340 comentários críticos de estudantes e mais de 20 estudantes assinaram um apelo exigindo que seu professor fosse mudado.”

Além disso, Xia não passou na avaliação acadêmica da universidade, porque “durante o período de agosto de 2008 a janeiro de 2013, Xia Yeliang só publicou um artigo (em conjunto com seus alunos) no Índice de Citações Chinesas de Ciência Social”, disse a Universidade.

Avaliações políticas

De todos os 20 alunos que pediram para o professor ser removido, quantos deles são membros do Partido Comunista Chinês (PCC) ou pessoas que coletam informações para o PCC? Quais eram suas razões para removê-lo? Os alunos questionaram a capacidade do professor para ensinar? Se este problema simples não pode ser esclarecido, isso facilmente enganará o público.

A Universidade de Pequim exige que cada classe contrate 1-2 pessoas para coletar informações e o processo de contratação nunca é tornado público. De acordo com uma fonte confiável, alguns alunos estavam realmente infelizes com o ensino do professor Xia.

Uma vez, durante uma palestra em que Xia Yeliang falou sobre como o socialismo foi um fracasso total no século 20, um estudante refutou a opinião de Xia. Depois da aula, o professor Xia convidou o aluno para continuar a discussão depois da aula, mas o aluno recusou a oferta, pois estava satisfeito com a oportunidade de mostrar o quanto amava o socialismo.

Em outra palestra, o professor Xia disse que mais de 30 milhões de pessoas morreram nos três anos da Grande Fome na China. Mais uma vez, um estudante rejeitou a explicação de Xia sobre o assunto, alegando calúnia.

Alguns estudantes acusaram Xia Yeliang de “compartilhar opiniões políticas dissidentes”. Infelizmente, esses estudantes não percebem que a universidade é um espaço destinado a promover o pensamento crítico e racional.

Esses alunos são tão ignorantes a ponto de acreditar completamente na ideologia do governo, recusando-se a reconhecer os verdadeiros relatos históricos. Se as verdadeiras razões pelas quais esses alunos são “infelizes” fossem tornadas públicas, a Universidade de Pequim ficaria seriamente embaraçada.

Propaganda política

Desde que a “reforma e abertura política” começou na China há 30 anos, as limitações impostas por “padrões curriculares” fizeram com que a diversidade e a vitalidade não viessem do currículo.

Pelo contrário, ideias independentes vêm somente dos professores mesmos ou, mais particularmente, de um grupo de professores corajosos que ainda pensam de forma independente. Embora limitados em número, ainda há alguns desses professores.

Quando eu era uma estudante de graduação na Universidade de Fudan, alguns jovens professores, que foram ameaçados pela universidade por desafiarem o marxismo, eram muito populares entre os estudantes. Sempre que um cartaz de um seminário apresentado por esses professores aparecia, a sala ficava completamente lotada.

Alguns desses professores, já na meia-idade, deixaram a China após o massacre da Praça da Paz Celestial, enquanto outros foram forçados a assumir uma postura diferente sob tremenda pressão. Na verdade, esta é uma perda enorme para o espírito universitário e também para os alunos.

Há uma diretriz no sistema universitário da China, que a capacidade de pesquisa de um professor é avaliada de acordo com o número de publicações nas revistas centrais. No entanto, as revistas centrais seguem completamente as exigências ideológicas do PCC para decidir o que publicar.

Por esta razão, artigos profundos de ciências sociais sobre a sociedade contemporânea são raramente vistos nas revistas centrais. Na década de 1980 e meados de 1990, os bons artigos que inspiravam as pessoas eram publicados em veículos marginais, como o World Economic Herald, ou em publicações fora do sistema partidário – como Scholars, The East, Southern Weekly, Strategy & Management e o 21st Century, que é afiliado com a Universidade Chinesa de Hong Kong.

A maioria dos autores desses artigos se tornou mais tarde a espinha dorsal da educação em suas escolas ou dissidentes como eu.

A missão das revistas centrais é atuar como uma frente de propaganda ideológica. Por exemplo, o Jornal da Universidade de Pequim (uma edição de filosofia e ciências sociais) afirma que “usar como diretrizes o marxismo-leninismo, o pensamento de Mao Tsé-tung, a teoria de Deng Xiaoping e a teoria dos Três Representantes de Jiang Zemin mantem a direção correta das ciências humanas e sociais, concretizando o pensamento cultural de Mao de deixar centenas de flores florescerem e percorrer o caminho de combinar realidade e pesquisa”.

Eu revisei artigos de jornal nos últimos três anos. A maioria deles é sobre temas da história e cultura antigas e alguns são de muito boa qualidade do ponto de vista acadêmico. Mas os artigos que abordam o contexto atual, como na coluna “Fórum de Pequim”, artigos que discutem ciência política, questões de Taiwan e assim por diante, todos têm um tom ideológico pesado.

“O caminho de combinar realidade e investigação” nas publicações fez a ideologia comunista chinesa a única flor no jardim. O espírito de investigação da Universidade de Pequim se desintegrou. Não é um lugar para estimular o pensamento independente, mas uma fortaleza para a doutrinação na ideologia comunista chinesa.

Recusando-se a admitir a razão

O filósofo alemão Immanuel Kant disse que a universidade é uma comunidade de estudiosos que fazem pesquisa livremente e perseguem a verdade de forma independente. Kant acreditava que o significado da universidade encontra-se em explorar o desconhecido livremente e em desenvolver o hábito das pessoas de explorar o desconhecido. Esta é a origem do moderno espírito universitário.

Depois de centenas de anos de desenvolvimento, o autogoverno e a liberdade de investigação se tornaram as bases gêmeas da universidade moderna na Europa e nos Estados Unidos, ajudando a definir o sucesso da relação entre a universidade e o poder público, entre a universidade e os estudiosos.

Em palavras simples, o espírito universitário se opõe à interferência do poder público e incentiva acadêmicos e estudantes a realizarem pesquisa de forma livre e independente no âmbito da lei. Esse espírito considera a realização do livre desenvolvimento do indivíduo como princípio superior e inspira uma combinação de crítica e inovação.

Nos últimos anos, a Universidade de Pequim alertou Xia repetidamente sobre abordar temas sociais e políticos sensíveis. No entanto, a universidade insiste que a demissão é apenas o resultado de seu ensino e desempenho acadêmico.

Obviamente, a Universidade de Pequim destruirá sua reputação se admitir que a demissão foi por razões políticas. Não importa quão pouca liberdade de investigação ainda exista na Universidade de Pequim, não se pode descartar a bandeira da liberdade de investigação. Caso contrário, isso se transformaria no controle da liberdade de investigação e de expressão, como tiranias como a Coreia do Norte. E universidades livres a abandonariam.

Regozijando-se

Comparado com a Universidade de Pequim, o jornal estatal Global Times foi direto. Num editorial de 22 de outubro, Xia foi acusado de “fazer fama atraindo a atenção pública” nos últimos anos, muitas vezes “fazendo discursos libertários ou criticando agressivamente as autoridades”.

O Global Times também se regozijou sobre a demissão de Xia com um aviso: “Ser dissidente é um estilo de vida muito especial na China hoje. Algumas pessoas liberais são obviamente otimistas sobre o futuro de tal estilo. Se é assim, eles não devem se preocupar com perdas e ganhos.”

Na opinião do Global Times, a Universidade de Pequim (e todas as outras instituições de ensino) deve demitir professores que não têm medo de se manifestar. Essas demissões são razoáveis e legais na China comunista e quem for demitido não deve reclamar.

He Qinglian é uma proeminente autora chinesa e economista que atualmente vive nos Estados Unidos. Ela é autora de “China’s Pitfalls”, que trata da corrupção na reforma econômica da China da década de 1990, e “The Fog of Censorship: Media Control in China”, que aborda a manipulação e restrição da imprensa. Ela escreve regularmente sobre questões sociais e econômicas da China contemporânea