Esperança por um Gorbachev na China contemporânea

10/02/2013 13:31 Atualizado: 02/11/2013 11:18
Apesar das afirmações do novo líder chinês Xi Jinping, ele não parece ter a reforma em mente (Ed Jones-Pool/Getty images)

Observadores concluíram há muito tempo a partir da “turnê no Sul” do novo líder do Partido Comunista Chinês (PCC) no final do ano passado que “Xi Jinping está seguindo a herança de Deng Xiaoping”. No entanto, a cobertura da mídia oficial sobre o discurso de Xi Jinping durante a “turnê no Sul” foi abreviada.

O discurso completo de Xi Jinping apareceu online apenas recentemente e decepcionou muitos reformistas. Um comentário digno de nota foi que o líder chinês se referiu ao colapso da União Soviética. Xi Jinping disse, “No fim, Gorbachev sussurrou algumas palavras e o Partido Comunista da União Soviética entrou em colapso. Um grande Partido se foi, exatamente assim. A União Soviética tinha mais membros do Partido do que nós [o Partido Comunista Chinês]. No entanto, não houve um homem de verdade para se levantar e lutar.”

A frase “não houve um homem de verdade” foi cunhada por Huarui, uma poeta e concubina de um imperador que perdeu seu império após a queda da Dinastia Tang (907-960 d.C.). Quando Xi Jinping usou esta frase para descrever a queda do Partido Comunista Soviético (PCS) e a União Soviética como uma “nação aniquilada”, ele claramente sentiu o peso sobre seus ombros.

Eu, no entanto, não estou nada desapontada com o discurso completo da turnê sulina de Xi Jinping. Em meu artigo intitulado “Xi Jinping: O guardião de um regime vermelho”, eu já havia concluído que Xi Jinping não é uma pessoa com atitude ambígua. O que ele fala é exatamente o que ele quer fazer. Se isso pode ser feito é outra questão. Xi Jinping sempre tem uma compreensão clara de seu papel. De outra forma, os veteranos do PCC não teriam escolhido-o como a pessoa para salvaguardar o “regime vermelho”.

O problema é que o regime chinês já está em estado tão degenerado que o único resultado possível é o colapso total. Mesmo que todos os sete membros do Comitê Permanente do Politburo fossem “homens de verdade”, ninguém poderia impedir o inevitável colapso do regime. O destino do PCS ou do PCC não é determinado por qualquer líder comunista individual, mas pelo público em geral. Agora, o regime chinês simplesmente se recusa a reconhecer o fato de que jogou fora seu bom nome, substituindo a confiança do povo com suspeita e abdicando de toda sua credibilidade. Isso é também conhecido como “os cinco fins”.

Em 25 de dezembro de 2011, a mídia porta-voz do regime chinês, a Xinhua, publicou um artigo intitulado “Razões e revelações do colapso da União Soviética”, que mostra a visão do PCC sobre o colapso da União Soviética. O autor do artigo, Wan Chengcai, levantou oito questões. Além de uma questão neutra sobre a “razão importante para o colapso”, todas as outras questões foram abordadas da perspectiva do regime de partido-único do PCC. Por exemplo: Quem se beneficiou e quem perdeu com o colapso? Quais são os principais impactos do colapso sobre o mundo? O que a China deveria aprender com o colapso? Como avaliar Mikhail Gorbachev, que iniciou a reforma política?

Vladimir Putin já deu uma resposta dupla a estas perguntas. Ele disse, “qualquer um que não lamente o fim da União Soviética não tem coração; qualquer um que queira restaurá-la não tem cérebro”. Por um lado, Putin lamentava que a União Soviética tivesse passado de uma superpotência para um país de segundo nível. Por outro lado, Putin considerava a ação correta em acabar com a ditadura na União Soviética. No entanto, a mídia chinesa parafraseou isso seletivamente sugerindo que tudo que Putin disse foi que ele se sentiu triste com o colapso do Partido Comunista.

Na verdade, as causas por trás o colapso da União Soviética têm sido atribuídas a três fatores. Primeiro, a corrupção da elite política contribuiu para a crescente divisão social, revolta e alienação das pessoas comuns e intelectuais, que perderam a fé no PCS. Pouco antes do colapso, os trabalhadores organizaram uma greve nacional para protestar contra o desfalque burocrático. Em segundo lugar, para manter seu status de superpotência, o PCS envolveu-se numa corrida armamentista com os Estados Unidos, o que causou uma crise financeira. Terceiro, o secretário-geral soviético Gorbachev iniciou uma série de “novos pensamentos” de reforma que resultaram no fim da ditadura nos países socialistas da Europa Oriental.

Vamos comparar então a situação atual do PCC com o da União Soviética há 20 anos.

Comecemos observando o ambiente internacional. Comparado com o PCS, o PCC é sem dúvida mais afortunado. Na década de 1980, os regimes totalitários na Europa Oriental Soviética tinham “irritado tanto os homens como os deuses”. O Papa João Paulo II e o presidente Ronald Reagan lideraram a guerra para acabar com o comunismo, defender a justiça e salvaguardar as crenças. O famoso discurso “derrubem este muro” do presidente Reagan foi transmitido mundialmente e me moveu às lágrimas. O então secretário-geral soviético Gorbachev simplesmente seguiu os desejos do povo e aceitou a democracia. A Revolução de Veludo, que ocorreu na Europa Oriental, abriu as portas para a democracia e pôs fim à Guerra Fria. Mikhail Gorbachev se tornou o herói sábio do século 20 e será para sempre admirado pelos amantes da liberdade.

O mundo mudou muito desde então. Enquanto a China ascendia à primeira década do século 21, a Europa estava em declínio. A formação da União Europeia era apenas uma fraca tentativa de restaurar a glória da Alemanha e França como superpotências mundiais. Outra superpotência, os Estados Unidos, estava financeiramente algemada pela guerra contra o terrorismo, a guerra no Iraque e a crise financeira em 2008, com dívidas atingindo a estratosfera e descontentamento generalizado dos cidadãos com a participação dos EUA em qualquer tipo de guerra. Quando a Revolução Jasmim atingiu o Norte-Leste da África, a Europa e os Estados Unidos mal podiam oferecer qualquer assistência, muito menos resolver o caos na Síria. Sob tais circunstâncias, acompanhar a situação dos direitos humanos na China era apenas uma obrigação internacional das nações norte-americanas e europeias. Eles não tinham a vontade nem os recursos para serem a força motriz da democracia como fizeram na terceira onda de democratização.

No entanto, o ambiente internacional favorável não diminuirá a pressão interna que Xi Jinping enfrenta. Independente de prometer “não se tornar Gorbachev”, Xi Jinping está numa situação muito difícil.

Primeiro, a corrupção no círculo da elite do PCC é muito pior do que na União Soviética, Mobutu e Gaddafi. Isto pode ser facilmente visto nos artigos da própria mídia do regime, no New York Times e na Bloomberg. O desvio de centenas de milhões de dólares por oficiais menores não é raro. O portal chinês QQ publicou um artigo intitulado “A história de corrupção na União Soviética na década de 1970”, que expunha a situação na União Soviética. No entanto, isso não é nada comparado com a corrupção dos oficiais do PCC. A chamada “oferta especial” de oficiais soviéticos importava apenas bens como vinho, roupas, câmeras e perfumes das nações norte-americanas e europeias. Enquanto isso, os oficiais do PCC alcançaram a condição de “bens de luxo provenientes de subornos e sem necessidade de gastar seus salários” tão cedo quanto 1990. O que as autoridades soviéticas não podem sequer imaginar é a propagação internacional de oficiais do PCC. Milhões de membros do PCC se tornaram “oficiais nus”, movendo seus familiares e patrimônio para o exterior. A única “oferta especial” que precisam é água limpa, ar puro e alimento seguro.

Segundo, o sistema econômico soviético tinha abundantes recursos internos e uma taxa de desemprego baixa. Mas a China atual está atormentada pela falta de recursos naturais e por uma elevada taxa de desemprego. Mais de 100 milhões de agricultores não têm terra. Dezenas de milhões de moradores das cidades estão desempregados e os lucros da reforma econômica foram esgotados durante o governo precedente de 10 anos de Hu Jintao e Wen Jiabao.

Assim como escrevi em meu artigo de 2004, “O estado atual e futuro do regime autoritário da China”, há quatro requisitos básicos para uma sociedade se sustentar: o sistema ecológico como base; o sistema moral como meio entre diferentes entidades sociais; os direitos básicos de vida medidos pela taxa de desemprego; um sistema político que mantenha as operações normais de uma sociedade. Atualmente, os sistemas ecológico e moral e os direitos básicos já desabaram ou estão próximo do colapso. A única coisa que resta é a ditadura política.

Sob tais circunstâncias, apenas os gangsteres políticos do PCC rejeitam a reforma política. Mesmo os intelectuais, que mais temem a violência, desejam a reforma para abandonar o sistema de partido-único e evitar uma revolução violenta.

Uma pessoa que aja como o Gorbachev da China será um “homem de bem”, respeitado e admirado por todos.

He Qinglian é uma proeminente autora chinesa e economista que atualmente vive nos Estados Unidos. Ela é autora de “China’s Pitfalls”, que trata da corrupção na reforma econômica da China da década de 1990, e “The Fog of Censorship: Media Control in China”, que aborda a manipulação e restrição da imprensa. Ela escreve regularmente sobre questões sociais e econômicas da China contemporânea