Muito interessante reportagem da Gazeta do Povo sobre o ICMS e a questão da substituição tributária no Paraná. Para apresentarmos o problema, precisamos antes falar um pouco sobre o sistema tributário nacional.
O Brasil tem um sistema tributário muito confuso, por conta da própria característica federativa do país, sendo alguns impostos de competência federal, outros estaduais e alguns municipais. O ICMS é um imposto estadual que incide sobre produtos vendidos, ou seja, cada vez que se vende um produto, incide ICMS nele.
Agora imaginem a seguinte cadeia de eventos: uma fábrica de TVs vende uma TV para uma loja. Na venda da TV para essa loja, será cobrada uma porcentagem de ICMS que será embutido no preço. A loja venderá essa TV para um consumidor final. Na hora dessa venda será cobrada novamente uma porcentagem de ICMS na diferença entre o preço pago pela loja e o preço de venda final, e o valor também será embutido no preço. No preço final, o ICMS incide tanto no preço de venda da indústria para o comércio quanto do comércio para o consumidor final. Toda a cadeia de venda do produto é tributada.
Para o governo estadual, contudo, a operação de sair tributando em todas as etapas da venda é muito cara. Seria preciso um fiscal para a venda na indústria e outro para venda no comércio, sendo que, enquanto existem poucas indústrias, existem muitos comércios. Fiscalizar o tributo de cada loja é praticamente impossível, ao passo que fiscalizar em poucas indústrias é muito mais fácil.
O governo então passou a adotar a seguinte fórmula: começou a cobrar o imposto tanto da venda pro comércio quanto da venda pro consumidor diretamente da indústria. Ou seja, cobrou logo o imposto de toda a cadeia comercial de uma só vez, na raiz da produção, que é a indústria. Daí o nome da substituição tributária, pois a indústria substitui como pagador de imposto toda a cadeia comercial, embutindo logo todo o ICMS de uma vez no preço.
Claro que isso tem um problema imediato: como o governo sabe qual o preço que o comércio vai cobrar para poder fazer o cálculo do ICMS?
Bem, obviamente que isso é impossível! Então o governo lança mão de um expediente chamado “lucro presumido”: ele presume, da cabeça do burocrata, quanto ele acha que o comércio vai cobrar, e já cobra o ICMS de uma vez do substituto tributário, a indústria, que paga duas vezes: como contribuinte (pela venda indústria-comércio) e como substituto (pela venda comércio-consumidor).
Também é evidente que essa presunção de lucro é sempre feita bem no alto, para o ICMS arrecadado ser o maior possível, e quem paga essa conta presumida, em regra, é o consumidor, já que o valor do imposto acaba dentro do preço.
Só que nem sempre isso é verdade por um motivo, que é a primeira causa da grita dos comerciantes paranaenses: nem sempre o imposto é efetivamente transferível para dentro do preço, dependendo de como o mercado reage à variação do preço. É a tal da elasticidade. Dependendo de vários fatores, como substitutividade, essencialidade, entre outros, a variação do preço do produto pode afetar ou não a oferta e demanda. Se o produto for imprescindível, por exemplo, o vendedor pode vender por um preço mais alto por conta dos impostos e as pessoas comprarão do mesmo jeito. Caso o produto não seja imprescindível, o aumento do preço causado pelo imposto pode inviabilizar a venda, então o vendedor reduz sua margem de lucro, ou seja, quem paga o imposto é ele, não havendo repasse para o consumidor. Na prática, nunca é o vendedor ou o consumidor que paga o imposto na totalidade, todo mundo acaba arcando com um pouco da tunga governamental, pendendo para um ou para outro de acordo com a elasticidade do preço do produto.
E o que é mais grave, no que tange aos pequenos comerciantes, é que o governo estadual está antecipando imposto que já foi pago! Pequenas empresas pagam ICMS dentro de um sistema chamado “Simples Nacional”, que é uma quantia uniformemente variada de acordo com a lucratividade presumida do estabelecimento. Nesse simples já está incluso todo o ICMS que o comerciante deveria pagar naquele mês. No entanto, lá atrás, na produção industrial , o governo cobrou dois ICMS: o da indústria e o do comércio. Mas isso não faz sentido se o comerciante estiver no Simples, afinal, o ICMS nesse caso já foi pago! Então, como diz a reportagem, parte do benefício do Simples, justamente a parte do ICMS, acaba anulado.
Eu vou ainda mais longe: nesse caso, o pequeno comerciante está pagando mais ICMS do que o grande, afinal, ele paga o ICMS retido pela indústria como substituto tributário e paga a parte do Simples referente ao ICMS. Coisas do Brasil.
Especificamente no Paraná, a reportagem fala que o governo resolveu estender essa substituição tributária para mais produtos, ou seja, mais pequenos comerciantes sendo vítimas de imposto.
Uma verdadeira solução liberal para o problema passa pela desoneração tributária, correção do simples, reforma do pacto federativo e muitas outras medidas que não há como escrever aqui nesse espaço, mas fica a denúncia do abuso sobre nossos irmãos paranaenses.
Bernardo Santoro é Diretor do Instituto Liberal. Mestrando em Direito (UERJ) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política da Faculdade de Direito da UERJ. Advogado e Diretor Administrativo do Instituto Liberal
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