Pela primeira vez em décadas, a economia chinesa está abrandando. Quer se trate de dados oficiais, pesquisas de bancos ou preços de commodities, tudo aponta para uma desaceleração.
Muitos economistas previram essa desaceleração, mas havia um pesquisador que soube primeiramente. Leland R. Miller do Livro Bege da China opera o sistema mais abrangente de pesquisa de negócios em tempo real na China e afirma ter os dados mais confiáveis e atualizados. A cada trimestre, seus pesquisadores locais contatam milhares de empresas em todo o país e entrevistam altos executivos para descobrir a situação real na economia do país.
Modelado segundo o Livro Bege do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, Miller e sua equipe replicaram esta abordagem na China com resultados impressionantes.
Epoch Times: Porque os dados chineses não são confiáveis?
Sr. Miller: Mesmo que você acredite em todos os dados em circulação, isso ainda não lhe diria o que você precisa saber sobre a economia chinesa. Esses dados não ajudarão você a ter os números nacionais do PIB ou da inflação, se você está tentando descobrir o que está ocorrendo na China.
O litoral da China opera muito diferentemente do centro do país e de algumas regiões periféricas. A China é, na verdade, um aglomerado de pequenas Chinas e observando diferentes regiões e setores separadamente podemos dizer mais sobre a China do que todos os dados oficiais disponíveis.
As estatísticas oficiais têm problemas metodológicos profundos; os departamentos têm poucos recursos para a tarefa. Mas o que é realmente fundamental aqui é que o número do PIB não diz realmente muito sobre o crescimento da economia como um todo. Então, o que você precisa olhar são as métricas de desempenho das empresas no terreno. Você precisa olhar o ambiente de crédito para as empresas, quanto custa ter acesso ao capital e coisas do tipo.
Os números chineses estão muito frequentemente relacionados à política. Mas, eventualmente, você tem uma situação em que a política tem de atender a economia. Você não pode contar a história errada indefinidamente.
Epoch Times: Quais são algumas das coisas que você julgaria importante saber?
Sr. Miller: Vemos alguns setores que funcionam melhor ao longo do tempo, mas no geral há uma derrocada muito óbvia e clara. Acompanhamos o crescimento da receita; rastreamos os volumes, produção, vendas. Nós rastreamos os créditos e obrigações das empresas, mas ao mesmo tempo as coisas importantes nos dias de hoje são, na verdade, observar os dados de crédito.
Nós rastreamos as taxas de juros pagas tanto por meio de bancos, como de não-bancos, por isso somos os únicos no mundo no momento a ter as taxas de juros do sistema bancário paralelo da China.
Epoch Times: O que estes dados do sistema bancário paralelo lhe dizem?
Sr. Miller: O que observamos em 2013 ao rastrear o desempenho real das empresas foi que de fato você podia empurrar tanto crédito quanto quisesse, mas se tudo vai para uma elite empresarial privilegiada a preços subsidiados e o restante está disponível apenas por meio do sistema bancário paralelo para pequenas e médias empresas, então, o mecanismo de transmissão de crédito está danificado.
Não importa quanto crédito você empurra no mercado, não há verdadeira expansão, pelo menos não há crescimento.
Essa foi a história de 2013, quando a procura por empréstimos ainda era forte. O que vimos em 2014, especialmente nos últimos dois trimestres, é que a procura por empréstimos de fato despencou. Capex (despesas de capital ou investimento em bens de capital) e as expectativas de capex foram despencando, diferentemente de 2013 quando as empresas realmente buscavam crédito mas não podiam obtê-lo. Em 2014, eles estavam empurrando mais e mais crédito na economia, mas as empresas não queriam.
Eles estavam emprestando menos e gastando menos, portanto a desaceleração de 2013 foi realmente muito diferente da dinâmica de desaceleração de 2014. É muito importante entender que isso não é uma longa trajetória, a economia chinesa está realmente mudando em termos do que ela espera e do que as empresas precisam para seguir adiante.
Epoch Times: Se o crescimento está abrandando, e quanto ao estímulo?
Sr. Miller: O PIB é para consumo público. É uma narrativa política; é mais uma narrativa da mídia do que qualquer outra coisa. Os chineses não estimularão para chegar a um determinado alvo, mas o Banco Central estimulará para manter o mercado de trabalho em boa forma. Eles querem evitar colapsos sociais, então estamos falando de crescimento do emprego; estamos falando de inflação.
A economia é lenta, os mercados de crédito estão uma bagunça, mas, surpreendentemente, de acordo com nossos dados, o mercado de trabalho é muito resistente e, desde que o mercado de trabalho seja flexível, podemos falar em crescimento do emprego, estamos falando de expectativas de trabalho, e não haverá qualquer estímulo.
Estamos falando inclusive de crescimento salarial mais baixo, por isso as empresas podem empregar trabalhadores mais facilmente. As margens de lucro são as mais altas em um ano. O tipo de estatísticas resilientes do mercado de trabalho que estamos vendo, e que temos visto durante todo o ano, indica que o [regime] chinês não está realmente preocupado com o estado do mercado de trabalho.
Epoch Times: Que outros riscos existem?
Sr. Miller: Acho que o maior problema é que ninguém tem qualquer visibilidade sobre a dívida. Não há indicador de créditos por trás do sistema e não sabemos os verdadeiros níveis, eles nunca admitirão os níveis, isso é um segredo de Estado número um. Nós tivemos empresas de gestão de ativos no passado devorando estes produtos dos bancos e de outros por 100 centavos por dólar, e em seguida elas desaparecem. Eles estão continuamente recapitalizando, a dívida sai do jogo e você nunca sabe quais são os níveis da dívida.
Está tudo bem, desde que os mercados não se preocupem com isso e as pessoas realmente não tenham ideia do que está acontecendo. Num determinado momento, isso pode começar a preocupar as pessoas e pode afetar o investimento estrangeiro direto (IED), isso poderia afetar os preços dos títulos, poderia afetar outras coisas que a China tem problema de confiança se eles deixarem as coisas ficarem muito fora de controle e parecer que eles não são no controle do navio.
E essa é uma das razões por que eles levam o número do PIB tão a sério, o que de fato é uma coisa ridícula de se preocupar, mas para eles isso simboliza a ideia de que eles são capazes de gerenciar o crescimento, e que assim seriam capazes de gerir sua dívida.
Epoch Times: E quanto a obter equilíbrio em direção a uma economia de consumo?
Sr. Miller: Este conceito na verdade envolve várias coisas diferentes. É mais popularmente entendido como consumo versus investimento, mas diz respeito também a reequilíbrio setorial. Você quer se afastar da fabricação de baixa margem e de outros setores do tipo e se mover em direção a indústrias de alta margem, como serviços.
Estávamos vendo um monte de reequilíbrio setorial até alguns trimestres atrás. Desde então, os dados tem sido bastante duvidosos. Então, vemos o reequilíbrio geográfico, o litoral [Leste da China] por um longo tempo cresceu significativamente mais do que as províncias do interior, no entanto temos visto um reequilíbrio geográfico nos últimos dois anos e meio.
Voltando ao primeiro reequilíbrio, investimento versus consumo, isto é algo que as pessoas têm dificuldade de entender. Eles podem teorizar a respeito, mas é diferente se você de fato tem os números em mãos.
Nós observamos isso por meio de intermediários como o capex, as expectativas de capex e, no lado do consumo, o varejo. O que estamos vendo nos dois últimos trimestres é uma queda significativa no capex. Assim, as empresas estão reagindo a esta desaceleração da economia de uma forma como nunca antes, que é parar os gastos e parar os empréstimos também.
Mas a realidade é que enquanto o investimento está caindo, o varejo não está preenchendo esse espaço. Então, você não está vendo o setor de varejo crescer; você não será capaz de ver reequilíbrio simplesmente com uma queda no investimento, e assim ver um salto no consumo e o equilíbrio das coisas, e por fim ter um bom resultado no PIB.
A realidade é: Enquanto o consumo aumentar à medida que a repressão financeira for recuada do ponto de vista político, você será capaz de substituir o impulso dado pelos investimentos. Então, você verá uma desaceleração ao longo do tempo e a visão do Livro Bege da China sobre isso é: Na melhor das hipóteses, a China desacelerará. No pior cenário, a China desacelerará, mas há várias maneiras de desacelerar, algumas mais saudáveis do que outras.
Acho que um ponto importante para as pessoas que observam a economia chinesa e estão preocupadas com o que não sabem é o seguinte: As pessoas têm assumido que a China compreendeu a economia de uma maneira que ninguém mais conseguiu. 8% de crescimento; nós realmente não entendemos como eles conseguem esse número, mas eles estão conseguindo isso de alguma forma e continuarão a fazê-lo.
Economia é economia, a economia chinesa está desacelerando e os investidores, formuladores políticos, empresas que investem na China e empresas que são relevantes para a China precisam entender isso: Você está vendo uma China muito diferente agora e você verá uma China muito diferente daqui para frente, e é melhor você estar preparado. Não é mais o velho mundo.
Leland R. Miller é presidente do China Beige Book International. Anteriormente, ele trabalhou como advogado em toda a Ásia e para a American Bar Association, onde ajudou a supervisionar a revisão organizacional do sistema bancário chinês.
A entrevista foi editada por questão de brevidade e clareza.