Ex-reitor da Universidade de São Paulo de 1997 a 2001 e atual professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA/USP) concedeu entrevista ao Especial Amazônia do The Epoch Times.
Autor do livro “A Gestão da Amazônia – Ações Empresariais, Políticas Públicas, Estudos e Propostas” – obra premiada em um dos prêmios literários mais importantes do Brasil, o 54º Prêmio Jabuti de Literatura – Marcovitch compartilha a ideia de que a sustentabilidade da Amazônia é inseparável do desenvolvimento econômico e da mudança dos padrões de bem-estar coletivo que decorre dele.
The Epoch Times: Como o Brasil pode lidar com a complexidade da região e aliar o crescimento econômico com o desenvolvimento sustentável?
Jacques Marcovitch: A realidade amazônica envolve atores diversos. O papel comum a todos eles é contribuir para um novo modelo econômico em que se preserve a biodiversidade, valorize-se a floresta em pé, substitua-se a pecuária extensiva por outra de natureza intensiva, explore-se de forma sustentável os produtos regionais, proteja-se a qualidade da água e ampliem-se os centros de pesquisa. Estas ações, operadas sinergicamente, poderão mudar para melhor o precário quadro social existente.
The Epoch Times: Que mecanismos poderiam ser usados para que o desenvolvimento sustentável seja uma realidade na Amazônia?
Jacques Marcovitch: Há vários meios para chegar ao modelo sustentável. Entre as prioridades mais urgentes estão o povoamento científico e a formação de cadeias tecnoprodutivas, estas com o objetivo de inserir a população extrativista no mercado e assegurar-lhe autosuficiência. Urge um zoneamento da região que identifique o que é intocável e o que permite manejos florestais e definição de áreas propícias à criação de gado, agricultura ou intervenções sustentáveis. Sem prejuízo de uma política de proteção das águas além da prevenção e repressão contra o desmatamento ilegal.
Hipóteses de aporte de novos recursos são o Fundo Amazônia, até agora com apenas um doador e administrado pelo BNDES, e a regulamentação do Mecanismo REDD. A adoção desse instrumento e a oferta de atividades mais remuneradoras que as proporcionadas pelas atividades clandestinas contribuirão fortemente para um cenário sustentável na região.
O estudo “Economia das Mudanças Climáticas”, do qual participamos, avaliou o REDD como um sistema positivo de compensação para o Brasil, que receberia uma quantia pelo menos equivalente à renda percebida pelos desmatadores da nossa maior floresta, enquanto a comunidade internacional cumpriria suas metas de redução de GEE com maior eficiência.
Mecanismos não faltam. Especialistas até criticam, e com grande propriedade, o excessivo elenco de propostas para a Amazônia, quase sempre fragmentadas ou superpostas, o que diminui a sua eficácia histórica. De fato, governos diversos têm lançado planos para desenvolver a região e os resultados, gradualmente declinantes no espaço e no tempo, revelam uma desarticulação que precisa ser corrigida.
The Epoch Times: Quais os entraves que impedem a manutenção da floresta e sua harmonização com a população local?
Jacques Marcovitch: Há poderosos interesses agindo a favor do desmatamento. A pecuária predadora é um deles. Um aspecto não suficientemente difundido é a culpa desta atividade no desmatamento e nas queimadas, quase sempre atribuídos apenas à indústria madeireira ilegal. Entre estudiosos e ambientalistas já ficou claro que passa de 70% o volume de árvores tombadas para dar lugar à pastagem de gado. Calcula-se que 253 mil quilômetros quadrados foram abertos aos pastos na região, entre 1990 e 2006. O rebanho local elevou-se, no mesmo período, de 26 milhões para cerca de 80 milhões de cabeças. Um incremento superior a 180%, ocasionando sérios danos à integridade florestal. De então para hoje o ritmo da ocupação extensiva do gado não sofreu grandes alterações.
The Epoch Times: Um produtor rural de Apuí, Amazonas, recentemente disse ao Epoch Times: “a mão que produz é a mesma que preserva”. De quais formas a população local pode ajudar na manutenção da floresta e ao mesmo tempo garantir sua qualidade de vida? Como vive a maioria das pessoas na Amazônia?
Jacques Marcovitch: A frase, não sendo inteiramente fiel à realidade, expressa uma tendência em franca evolução. A Fundação Amazonas Sustentável (FAS), destinando uma bolsa-floresta a quem não desmatar, é importante referência.
Um grande executivo regional, cuja empresa se distingue pelos projetos sustentáveis, declarou: “Não estamos fazendo isso porque somos bonzinhos, mas porque somos inteligentes”. O livro “A gestão da Amazônia” inclui um capítulo especial com informações colhidas em survey que organizamos, com a participação de dez grandes empresas atuantes na Região.
A maioria da população sobrevive precariamente. Não esqueçamos que apenas uma ínfima parcela dos caboclos tem ocupação regular e contínua. Quase todos trabalham na economia ilegal dos desmates e queimadas. O IDH da Amazônia profunda iguala-se aos piores do planeta.
The Epoch Times: Quais os principais desafios que os acadêmicos e pesquisadores enfrentam na Amazônia? Quais as perspectivas que o senhor vê para desenvolver a Ciência e Tecnologia na Amazônia?
Jacques Marcovitch: A principal delas é a baixa remuneração inicial. Por maior que seja o esforço e a competência dos centros regionais de pesquisa, não há recursos para financiar um grande projeto local. Entre os estudiosos profissionais da Amazônia o maior número são de estrangeiros. Segundo o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), apenas 5% dos pesquisadores brasileiros atuam nesta linha de investigação, assim mesmo concentrados nas capitais Manaus e Belém. Espera-se que o Projeto Amazônia Sustentável (PAS), até agora apenas no papel, e como o roteiro de objetivos, finalmente venha a iniciar uma fase operacional.
The Epoch Times: Pode nos falar um pouco do seu livro “A Gestão da Amazônia – Ações Empresariais, Políticas Públicas, Estudos e Propostas”?
Jacques Marcovitch: O objetivo principal deste livro foi demonstrar que a sustentabilidade amazônica é indissociável do crescimento econômico e correspondente evolução nos padrões de bem-estar coletivo. Ela constitui um desafio à gestão governamental e privada em todos os níveis. À ideia de uma região intocável pela mão do empreendedor, opomos, no conteúdo publicado, o entendimento de que a devastação da grande floresta deve ser contida pela oferta de outros meios, ambientalmente adequados e mais rentáveis para o setor produtivo e populações locais.
O conteúdo foi elaborado para combinar análises do autor e várias outras propostas em debate. Procuramos reunir proposições dispersas, dar-lhes uma visão de conjunto e refletir sobre o todo amazônico. Cruzam-se, nas páginas escritas, a penúria urbana, conflitos rurais, fartura de águas e escassez brutal de saneamento básico, avaliações de especialistas, estratégias empresariais e políticas públicas em andamento. A gestão do bioma, fio condutor de toda narrativa, é apresentada como algo a ser compartilhado entre governos, ONGs, populações, cientistas e empreendedores. Estas forças, com o grau possível de consenso, responderão pela Amazônia que legaremos às gerações vindouras.
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Este artigo faz parte do Especial Amazônia. Para conhecer os outros artigos, clique aqui.
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