Escrita à mão influencia o pensamento

05/02/2015 13:05 Atualizado: 05/02/2015 13:25

Num mundo dominado por mensagens de texto e e-mails, as escolas estão dedicando menos atenção à escrita manual. Mas especialistas alertam que a tendência priva os alunos de uma habilidade valiosa.

Em seu livro de 2009, “Script & Scribble: The Rise and Fall of Handwriting”, Kitty Burns Florey recordou a década de 1950 na Academia São João Batista em Syracuse, Nova York, onde ela progrediu do lápis, para caneta tinteiro, para a moderna extravagância da caneta esferográfica. Sua exploração com caligrafia cultivou um senso de identidade impossível de se desenvolver com um teclado.

“Agora, é óbvio que a maioria dos meus esboços literários foram escandalosamente pretensiosos, horrorosamente piegas, mas eu considerei cada um o máximo do maneiro — a caligrafia própria para um boêmio aspirante, um escritor de futuro, uma pessoa profundamente sensível que escreveu poesias profundamente tocantes e, em seguida, queimou-as na pia, chorando”, escreveu Florey.

Nas salas de aula de hoje, no entanto, os alunos têm pouco tempo para aprender o básico, muito menos para experimentar seu estilo pessoal. Os últimos padrões federais do Common Core (*) instituem a caligrafia apenas no jardim de infância e na primeira série.

Os estados têm a opção de expandir a instrução da escrita, mas muitos acreditam que as crianças não precisam muito disso. Hoje, 41 estados [estadunidenses] não exigem letras cursivas, e a maioria dos distritos optam por reservar o tempo de aula para outras habilidades.

“É muito mais provável que a digitação irá ajudar os estudantes a serem bem sucedidos na carreira e na escola do que a escrita cursiva irá”, disse Morgan Polikoff, um professor assistente da política e liderança do K-12 (²) na Universidade do Sul da Califórnia.

Caligrafia e o processo cognitivo

Pessoas que valorizam a caligrafia apontam para estudos recentes que mostram uma forte ligação entre caligrafia e o desenvolvimento do cérebro. Pesquisas mostraram que o ato de escrever ajudou crianças a aprenderem letras e formas, desenvolver habilidades motoras finas e gerar ideias melhores do que quando usam um computador.

Evidencias de imagens de ressonância magnética de um estudo da Universidade de Indiana, de 2010, mostraram que as crianças demonstraram muito mais atividade neural com a prática da escrita manual, do que apenas quando olharam para as letras em uma página. Um estudo de 2012 sugeriu que escrever à mão contribuiu para a habilidade das crianças em processar letras e construir habilidades de leitura de maneiras que a digitação não poderia.

“Acho que muitos educadores realmente não estão cientes de como exatamente as crianças aprendem, como seu processo cognitivo funciona, e como escrever com a mão impacta no processo cognitivo. A pesquisa recente tem de filtrar isso para os educadores que são responsáveis pelos currículos escolares”, disse a especialista em escrita Nan Jay Barchowsky.

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A escrita à mão

Barchowsky e Florey querem que as escolas entendam a importância da escrita à mão, mas elas também acreditam que antigos métodos gastam tempo e desencorajam a prática. Em escolas que ensinam cursiva, por exemplo, especialistas veem que a maioria das crianças recai para a forma de escrita impressa que elas aprenderam primeiro. Como resultado, muitos adultos acabam fazendo garranchos.

“A maioria das escolas nos últimos 75 anos têm ensinado a letra de forma, acrescentando posteriormente a escrita cursiva. Quando elas fizeram isso, causaram muitos problemas, na minha opinião. Porque eu acho que é importante que as crianças aprendam uma forma de escrever, e não bagunçar tudo ensinando ao mesmo tempo dois conjuntos de memória motor”, disse Barchowsky.

A palavra cursiva evoca um estilo específico de voltas, traços, e um Q maiúsculo um tanto curioso, mas o termo, na verdade, se refere a um sentido de fluxo – uma mão corrente.

Alguma forma de escrita rápida tem estado por ai desde quase sempre. Não apenas no alfabeto romano, mas os fenícios, antigos egípcios, e outras culturas, todas desenvolveram um estilo de escrita que permitiu maior velocidade e facilidade do que a notação padrão.

Com boa parte da aula sendo gasta escrevendo coisas, os estudantes de hoje ainda requerem uma escrita que seja rápida, confortável, e legível, caso eles queiram se comunicar de forma eficaz.

Adote o itálico

Barchowsky e Florey advogam por um estilo de escrita à mão conhecido como itálico. Embora leve o mesmo nome que o tipo de letra inclinada, a escrita itálica é como um híbrido entre letra de fôrma e cursiva convencional. Um produto da Renascença italiana; letras itálicas assemelham-se à impressão, mas seus floreios permitem maior fluxo.

De acordo com Florey, no seu editorial de setembro de 2013 “Does Handwriting Still Matter in the Digital World” (“A Escrita à Mão Ainda Importa no Mundo Digital?”), as crianças facilmente vão para o itálico porque ele requer menos traçados. É mais fácil de escrever, mas também mais fácil de ler, e tem sido adotado em escolas na Europa e na Austrália.

“Podemos não recorrer à escrita à mão todo dia (embora eu aposto que a maioria das pessoas o faz), mas nós podemos usá-la o suficiente para que esteja, por assim dizer, na ponta dos nossos dedos: seja rápida, confiável e legível. E, ainda assim, eu não tenho nenhuma dúvida de que 90 por cento das pessoas que leem este artigo tem uma caligrafia absolutamente terrível “, escreveu ela.

De acordo com Barchowsky, a escrita à mão é profundamente pessoal. “É como você se apresenta para o mundo. Combina com seu estilo, com as roupas que você escolhe para usar.”

Barchowsky acrescenta que o fato das escolas serem tão resistentes à mudança pode ser devido ao sentido de identidade associado à escrita manual.

“Acho que isso vem de um pensamento conservador de que a caligrafia seja uma habilidade muito egocêntrica. Acho que isso ocorre porque é colocado a partir de um viés emocional em relação à escrita, do tipo “esta é a maneira que sempre fizemo esse tipo de coisa'”, disse ela.

 

Conan Milner, Epoch Times

 

(The Associated Press contribuiu para essa reportagem)

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* Common Core State Standards Initiative: é uma iniciativa educacional estadunidense que orienta e regula o ensino da língua inglesa e da matemática desde o jardim de infância até o fim do que corresponde ao ensino médio no Brasil].
² K-12: é uma abreviação para o conjunto de anos que compõem o ensino de um jovem desde o jardim de infância (kindergarten) até o décimo segundo ano (o que corresponde relativamente no Brasil ao período do jardim de infância até a conclusão do ensino médio)