Nos dias de Hosni Mubarak, as eleições egípcias foram vencidas por maioria esmagadora, devido ao aparato de intimidação do Estado. Egípcios viram as mesmas táticas usadas novamente na votação constitucional recente.
Egípcios foram às urnas em meados de janeiro para aprovar uma Constituição elaborada por nomeados apoiados pelo governo militar, conhecido como o Comitê dos 50. O comparecimento às urnas de 37% nesta última votação foi um pouco maior do que os 33% que apareceram para a aprovação da Constituição em 2012. Esta minoria de eleitores aprovou a nova Constituição por 98%.
A última Constituição do Egito tem várias melhorias em relação à constituição de 2012. A nova Constituição reduz o papel da religião na lei legislativa. Ela proíbe a tortura e dá às mulheres plenos direitos que as protegem de todas as formas de violência. No entanto, a nova Constituição também faz os militares e a polícia independentes do governo civil – por exemplo, o orçamento militar não terá fiscalização legislativa. E o ministro da Defesa deve ser militar, embora esta disposição venha a expirar após dois mandatos presidenciais.
Apesar de algumas reformas constitucionais animadoras, no entanto, o atual governo militar no Egito mostra sinais de que não tem intenção de inaugurar uma nova era de democracia. O uso de intimidação, como impedir os opositores da nova Constituição de fazer campanha contra ela, para garantir o apoio quase universal para o novo documento, indica que os militares têm pouca paciência pelos processos democráticos. Em vez disso, eles podem estar à procura de inspiração de outros governos liderados por militares na região.
O caminho militar
Dezenas de milhões de egípcios exigiram a derrubada militar de Mubarak em 2011. Então, na eleição presidencial de 2012, a maioria dos egípcios votou por Mohamed Morsi da Irmandade Muçulmana, que superou o candidato apoiado pelos militares no segundo turno de votação. Mas o governo de Morsi não perdurou.
Como ele ganhou uma eleição livre, a impopularidade de Morsi não deveria ser comparada à de Mubarak. Ainda assim, Morsi se mostrou incompetente e sua popularidade rapidamente despencou. Dezenas de milhões de egípcios voltaram às ruas para exigir o seu afastamento do cargo e os militares o depuseram e prenderam em julho passado.
Desde então, o governo liderado pelos militares já matou mais de mil pessoas e prendeu milhares de membros da Irmandade Muçulmana por várias acusações, incluindo organizando de manifestações ilegais e terrorismo. Tendo declarado a Irmandade Muçulmana uma organização terrorista, o governo está confiscando seus ativos financeiros e desmontando todos os serviços sociais e programas educacionais relacionados à organização. O presidente deposto Morsi e dezenas de outros líderes da Irmandade foram acusados de espionagem e conspiração contra o Estado egípcio, por fazerem aliança com grupos islâmicos como o Hamas e o Hezbollah. Estas acusações, possivelmente questionáveis, podem resultar na pena de morte para Morsi e seus aliados.
Enquanto isso, há uma crescente inquietação. Ataques terroristas frequentes, realizados por facções como o Ansar Bayt al-Maqdis e outros grupos no Sinai, deixaram dezenas de civis e forças de segurança mortos. Recentemente, os islamitas inclusive derrubaram um helicóptero. A repressão estatal também continua – mais de 60 egípcios foram mortos em dois dias no recente aniversário da revolução de 2011 no Egito.
A Irmandade Muçulmana mantém apoio considerável entre os cerca de um terço dos egípcios. As técnicas duras e brutais usadas contra eles, se a história serve de guia, podem se voltar contra os militares. Não seria surpreendente se grupos dissidentes da Irmandade Muçulmana realizassem atos terroristas contra o governo. O terrorismo poderia atrasar o avanço econômico moribundo do Egito ainda mais, e o novo governo será responsabilizado por todos os males econômicos. Com a popularidade do novo governo em queda, a população se revoltará novamente.
O general Abdel Fattah al-Sisi, o líder do golpe de Estado em julho passado que removeu Morsi do poder, disse que, entre “os militares, nós somos tão unidos como o coração de um homem e aderimos à democracia”. Sisi parece estar se preparando como o salvador do Egito, seguindo os passos de Gamal Abdel Nasser na década de 1950. Nasser construiu um grande número de seguidores e um culto à personalidade no Egito e em todo o mundo árabe.
No entanto, há outros dois modelos – Turquia e Argélia – que o Egito poderia seguir também.
Turquia e Argélia
Desde que Kamal Atatürk fundou a Turquia moderna em 1923, os militares turcos se veem como os guardiões supremos da república, retendo influência em todos os aspectos da vida pública e lançando uma série de golpes de Estado em 1971, 1980 e 1997. Muitos líderes militares turcos foram treinados nos Estados Unidos, e Washington tem mantido fortes laços com a instituição.
Desde o início dos anos 2000, no entanto, a maré virou em favor de um governo civil. Aproveitando-se de uma crise econômica em 2002, o religiosamente conservador ‘Partido Justiça e Desenvolvimento’ (AKP) chegou ao poder sob a liderança do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan. O governo de Erdogan venceu três eleições consecutivas e marginalizou cada vez mais os militares como atores políticos. A democracia na Turquia é decididamente imperfeita, mas suas instituições democráticas estão agora entre as mais estáveis da região.
Na Argélia, o cenário oposto se desdobrou. Em 1991, enquanto a maioria dos argelinos estava prestes a votar a favor da Frente Islâmica de Salvação (FIS) para governar o país, os militares tomaram o poder. Como vingança, os militares prenderam, torturaram e assassinaram um grande número de líderes e membros da FIS. Partidos islâmicos formaram uma força de guerrilha clandestina e uma guerra civil começou. Os militares revidaram a insurgência, mas mais de 150 mil civis morreram no conflito.
As declarações de Sisi indicam que ele prefere o modelo turco. No entanto, suas ações contra a Irmandade Muçulmana e os apoiadores de Morsi sugerem o contrário. A guerra total dos militares contra a Irmandade indica que o governo, seguindo o modelo da Argélia, deseja a dizimação total da Irmandade Muçulmana, de modo que nunca mais possa ser um partido viável.
O único aspecto positivo do que está ocorrendo no Egito é que as facções rivais da Tunísia, em parte por medo do que está acontecendo no Cairo, recentemente se uniram para formar um governo para supervisionar a próxima eleição livre e democrática. Além disso, com a participação de secularistas e islamistas, a Tunísia recentemente elaborou e aprovou uma Constituição moderna e progressista que concede às mulheres direitos iguais aos dos homens.
O Egito ainda pode seguir o modelo turco – e talvez o modelo da Tunísia também – de um governo civil democraticamente escolhido por meio de eleições livres e justas. Ou pode seguir o caminho do conflito argelino, prendendo, torturando e assassinando, e possivelmente desencadeando uma guerra civil. A administração Obama deveria fazer tudo ao seu alcance para incentivar a primeira escolha, de modo que o Egito possa ter eleições livres e justas, erradicar a corrupção e melhorar a economia.
Adil E. Shamoo é membro-associado do Instituto de Estudos Políticos, analista-sênior da Foreign Policy in Focus, e autor de “Equal Worth — When Humanity Will Have Peace“. Seu e-mail é ashamoo@som.umaryland.edu
Publicado na Foreign Policy In Focus