O escândalo de Tar Heel e o mito da universidade

20/01/2014 14:47 Atualizado: 20/01/2014 15:32

A grande mentira da educação superior americana é a ideia de universidade. Nós todos acreditamos que esses lugares existem. Não apenas no sentido físico – sua localização geográfica -, mas também no de organizações coerentes que funcionam com algo parecido com ​​culturas, valores, sistemas e ideias. Todo o nosso sistema de provisionamento, financiamento e credenciamento do ensino superior depende dessa noção. No entanto, tudo isso é em grande parte um mito. A universidade americana na verdade não existe, não da forma como imaginamos. Como prova disso, temos o escândalo acadêmico que está consumindo a Universidade da Carolina do Norte (UNC), em Chapel Hill.

Os jornais The Raleigh News e Observer têm a cobertura mais abrangente do escândalo, que veio pela primeira vez à luz em 2011, quando um jogador de futebol da UNC suspenso entrou com um processo na Justiça para ter sua elegibilidade restaurada. Seus documentos judiciais incluíam um certificado de que ele havia participado numa aula de Swahili, supostamente ministrada pelo presidente do Departamento de Estudos Africano e Afro-Americano da UNC, Julius Nyang’oro. Fãs do rival NC State rapidamente declararam que o documento tinha sido falsificado.

O fato revelou o que parece ser uma grande operação fraudulenta que está sendo executada com total impunidade dentro de uma das mais prestigiadas universidades públicas de pesquisa da América. Várias investigações independentes sugerem que centenas de cursos oferecidos pelo Departamento Africano e Afro-Americano ao longo de mais de uma década, muitos “ensinados” por Nyang’oro, simplesmente não existem. Nenhuma grade curricular foi criada, nenhuma palestra foi ministrada, nenhum padrão de classificação foi estabelecido. Centenas de cursos adicionais foram alterados e mais algumas centenas de “estudos independentes” tiveram notas distribuídas a esmo. Um número grande e desproporcional de estudantes envolvidos eram jogadores de futebol americano e basquete. Como resultado, o reitor e o treinador de futebol americano da UNC perderam seus empregos, e Nyang’oro foi indiciado sob a acusação de alta traição na semana passada.

Tudo isto é, no mínimo, estranho para a UNC de Chapel Hill. Como todas as universidades, particularmente aquelas com prestígio, ela depende da ideia de que de fato existe, no sentido de que uma graduação na UNC significa ter algo de comum com todas suas outras graduações e que a distinguem de todas as graduações concedidas por outras universidades. Os elaborados esquemas de marketing e os campeonatos de admissão executados pelas universidades de elite significam que a admissão não é outra coisa senão o próprio ato da seleção, que a experiência de ir para a escola em Chapel Hill é tangível, identificável e de alguma forma real.

De fato, nada disso é verdade. A UNC de Chapel Hill não é uma instituição de graduação coerente. É uma empresa que fornece serviços de marketing compartilhado, finanças e serviços de instalações físicas para um grupo de departamentos autônomos, que são por sua vez as empresas de estudiosos autônomos que ensinam como bem entendem. Esta é a única explicação possível para o longo tempo de operação, totalmente despercebido, do Departamento de Estudos Africano e Afro-Americano. Ou melhor, é a única explicação possível que não seja uma enorme conspiração organizacional, na qual a administração da universidade, os departamentos e o time de futebol conspiraram para distribuir notas falsas para centenas de atletas.

A universidade, é claro, nega veementemente que qualquer coisa parecida com o descrito seja verdade. Apesar dos e-mails contundentes trocados entre Nyang’oro e o departamento atlético, a UNC está desesperadamente vendendo a história de que toda a operação de fraude foi realizada por apenas duas pessoas – Nyang’oro e um assistente – e que não envolveu qualquer tipo de delito do departamento atlético. Isso porque, enquanto a má conduta acadêmica não traz nenhuma consequência mais séria além de que você será absurdamente vigiado e que a administração da universidade verificará aleatoriamente as aulas para saber se você realmente está comparecendo, a má conduta atlética geral pode custar coisas mais valiosas para a universidade, como o dinheiro, o prestígio e as bolsas de estudo.

Em outras palavras, a única maneira para os administradores da UNC evitarem a culpa por uma escandalosa má conduta acadêmica é admitir que a conduta acadêmica nunca foi a sua preocupação.

Enquanto isso, o time de futebol provavelmente será salvo porque a intensa lealdade tribal gerada por esportes de destaque é um dos principais mecanismos utilizados pelas universidades para criar a ilusão de que elas existem. Eu vivi em Chapel Hill e experimentei algo muito próximo de uma orgia dionisíaca em grande escala ainda possível de encontrar na América moderna, na Rua Franklin, após a vitória da equipe de basquete masculino. Foi emocionante. Nós nos sentimos como grandes conquistadores. Mas foi também uma ilusão (eu não era um estudante na época), uma falsa consciência fabricada pela universidade para esconder a sua não-existência como instituição acadêmica séria.

O cinismo e a desonestidade que se infiltram nas rachaduras da vida universitária, ocasionalmente se mostram como criminalidade pura e simples, mas com muito mais frequência como mediocridade e simples indiferença. Se Julius Nyang’oro tivesse se preocupado em aparecer numa sala de aula no campus de vez em quando, em dizer alguma coisa, qualquer coisa, para alguns atletas “estudantes”, e tivesse distribuído algumas notas baixas, ele nunca teria sido pego. Para a moderna não-universidade, ele não teria feito nada errado.

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Esse artigo foi originalmente publicado no site da New America Foundation