Escândalo de espionagem em Pequim não surpreende

12/06/2012 06:00 Atualizado: 12/06/2012 06:00

Um militar faz guarda na Praça da Paz Celestial pouco antes de uma sessão no Congresso Nacional Popular no Grande Salão do Povo em Pequim em 10 de março de 2011. (Frederic J. Brown/AFP/Getty Images)Regime chinês não inspira lealdade

Nenhuma nação pode impedir que espiões surjam entre sua própria população. Mas há certos motivos básicos que tornam as pessoas menos propensas a escolher viver como estranhos em sua própria terra, traindo aqueles que deveriam servir. O regime chinês corrói esses motivos.

Que o secretário do vice-ministro da Segurança de Estado foi detido no início deste ano por espionagem foi primeiramente reportado pelo Diário Oriental de Hong Kong em 26 de maio. O secretário disse ter sido recrutado pela inteligência dos EUA anos atrás em Hong Kong. Foi dito que ele caiu numa “armadilha de mel”, seduzido num relacionamento com uma mulher e, em seguida, ameaçado com a exposição, e passou a enviar informações desde então.

Ele passou “inteligência política, econômica e estratégica”, segundo artigos da Reuters e do NY Times. Acredita-se que seja o incidente mais grave desde 1985. Naquele ano, Yu Qiangsheng, o alto funcionário encarregado da América do Norte no novo Ministério da Segurança de Estado chinês, fugiu para os Estados Unidos e expôs o mais importante espião chinês, Larry Chin Wutai.

Este caso de espionagem atual, embora talvez o maior, não é o único dos últimos anos. Espionagem é provavelmente uma das mais antigas profissões. Após a Guerra Fria, a espionagem se focou mais na economia e tecnologia, embora a informação política e militar ainda seja muito importante.

A China substituiu a antiga União Soviética como a mais ativa em espionagem nos países ocidentais. No entanto, deste caso e de outros anteriores, pode-se ver que a China tem seus próprios problemas em matéria de espionagem. Alguns são semelhantes a outros países, alguns são muito particulares.

Vácuo ideológico

Antes de o Partido Comunista Chinês (PCC) controlar a China e pelos primeiros anos de seu regime, não foram poucas as pessoas de diferentes partes da sociedade que trabalharam para ele a partir das fileiras do inimigo.

Eles foram enganados pelas esperanças que colocaram no PCC, mas as pessoas naquela época realmente acreditavam que lutavam por uma boa causa. Larry Chin Wutai, se ele foi realmente designado por Zhou Enlai em 1944 para ser um espião, pertencia a essa categoria, embora ele provavelmente tenha sido pago por sua inteligência em anos posteriores.

A revolução não pode durar para sempre. Após a morte de Mao Tsé-tung, os líderes do Partido Comunista pararam a teoria e a prática da “revolução permanente”. Mas eles não conseguiram criar uma nova teoria para substituí-la.

O comentário de Deng Xiaoping, “Não importa se ele é um gato branco ou um gato preto, contanto que ele possa pegar ratos, ele é um bom gato”, dificilmente pode ser considerado teoria ideológica. As ‘Três Representações’ de Jiang Zemin não só não tem nada a ver com ideologia, mas também entram em conflito com a teoria revolucionária de Mao.

Sempre que a ideologia do PCC lida com valores universais, o PCC é imediatamente derrotado. Dado esse vazio ideológico, a China não tem o tipo de pessoa que é inspirada a espionar pela ideologia do regime.

Lealdade

Na maioria dos países democráticos, não há necessidade de ter uma orientação para toda a nação. Na maioria das situações, o Estado e a nação não entram em conflito entre si. Os funcionários do governo (assim como todos os cidadãos) precisam ser leais à nação.

Na China, o PCC, mesmo depois de governar por 63 anos, ainda não resolveu o problema de sua legitimidade. A lealdade à nação, ao Estado e ao Partido são questões totalmente diferentes. Aqueles que trabalham no Ministério da Segurança de Estado lidando com inteligência estrangeira encontram conflitos mentais resultantes o tempo todo, pelo menos os que estão dispostos a usar seus próprios cérebros para pensar.

Quando o PCC afirma que está acima do Estado e da lei, especialmente quando o PCC nega a história da nação, as tradições e a cultura; transferir a lealdade à identidade nacional para lealdade ao Estado é difícil.

As pessoas que trabalham na inteligência têm a oportunidade de conhecer a situação real na China. Quando eles testemunham oficiais do alto escalão do PCC e funcionários do governo enviando suas famílias e fortunas para países “hostis”, é realmente difícil para eles manterem a lealdade ao Estado, que esses oficiais afirmam possuir.

Quando esses oficiais perdem o poder, eles apenas correm para os países “hostis” ou seus consulados na China, como fez o vice-prefeito de Chongqing, Wang Lijun. (Não foi um acidente que Yuri Vladimirovich Andropov, chefe da KGB, começou a reforma quando teve a chance. A polícia secreta conhece os problemas melhor do que ninguém.)

Confiança

Espiões chineses precisam lidar com outra dificuldade, a atitude do Estado em relação a eles.

Durante a Guerra Fria, tanto os Estados Unidos e como a União Soviética cuidavam dos seus próprios. Uma vez que espiões fossem capturados, esforços seriam feitos para os recuperarem. Houve muitas vezes em que espiões foram trocados. O apoio do Estado é a única esperança para os que trabalham atrás das linhas de frente.

No entanto, um espião chinês não pode esperar um tratamento preferencial. Quando Larry Chin Wutai foi pego, ele apelou diretamente ao líder do PCC, Deng Xiaoping. Seu pedido foi rejeitado sem rodeios.

Em seguida, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Li Zhaoxing, disse numa conferência de imprensa, “O caso de Chin Wutai é fabricado pelas forças norte-americanas contra a China. O governo chinês ama a paz e nunca enviou qualquer espião aos Estados Unidos ou a qualquer outro país. O governo chinês não reconhecerá este incidente anti-China, e não tem conhecimento deste espião chinês autoproclamado, Sr. Chin Wutai.”

Provavelmente, por desespero, Chin se matou antes do julgamento. Na verdade, eu não me lembro do PCC admitir qualquer caso de espionagem. Negação total não encoraja lealdade.

O dinheiro fala

Como verdadeiros materialistas, a medida última e única que o PCC pode usar é o dinheiro. O dinheiro provavelmente é mais eficaz na compra da inteligência dos outros, enquanto é menos eficaz em preservar a própria.

Na China, todo o PCC e o governo são corruptos e as agências de inteligência não são exceção. O dinheiro pode comprar lealdade e inteligência. Mas mais dinheiro também pode levar embora a lealdade e a inteligência. Na China de hoje sob o materialismo do PCC, não há solução para o problema.

Outro golpe para Zhou Yongkang

De acordo com o artigo do NY Times, após o caso de Bo Xilai ser exposto, o líder máximo da China, Hu Jintao, autorizou uma série de investigações.

As investigações incluem alegações de uso indevido dos serviços de segurança por várias autoridades chinesas e de corrupção. Obviamente, passar inteligência aos Estados Unidos não é “uso indevido dos serviços de segurança”. É traição.

O que pode ser incluído na acusação de uso indevido dos serviços de segurança? Dois casos recentemente expostos podem definitivamente ser incluídos. Um deles é que Zhou Yongkang, o czar de segurança pública chinesa, tramou com Bo Xilai usurpar o poder. Outro é que as forças de segurança na província de Shandong transformaram a casa do advogado cego Chen Guangcheng numa prisão, também sob a supervisão de Zhou Yongkang.

Vinte e sete anos atrás, quando Yu Qiangsheng desertou para os Estados Unidos, o então ministro da Segurança de Estado, Lin Yun, perdeu o emprego. Agora, depois do caso atual de espionagem ser exposto, o chefe do espião, um vice-ministro, foi suspenso e questionado.

Mas essa ação não é suficiente. Por um lado, o ministro da Segurança do Estado deve assumir a responsabilidade. E Zhou Yongkong, cujo trabalho é supervisionar todo o aparato de segurança, também deve ter sua parcela de responsabilidade. Não é por acaso que os três grandes escândalos deste ano apontam para a mesma pessoa, Zhou Yongkang.