Todos os anos, soldados e estudantes chineses permaneceram em silêncio para relembrar o início da Segunda Guerra Mundial, um conflito que custou a vida de cerca de 20 milhões de chineses.
Também silenciosa é a memória desta luta brutal pela sobrevivência, em uma longa guerra de resistência que o governo nacionalista chinês (Kuomintang) travou com sucesso durante oito anos contra a invasão japonesa, antes de ser deposto em 1949 pelas forças comunistas após outros quatro anos de guerra civil.
A história caricaturada, prolongada e repetida pela propaganda estatal comunista e incentivada no sistema de educação nacional, tomou um lugar permanente na mídia chinesa. Sete décadas depois da guerra ter terminado, a tragédia ainda pesa sobre o sentimento das massas chinesas e identidade nacional, como ilustram os frequentes motins anti-japoneses, por vezes, destrutivos.
Por exemplo, em 2013, quando o regime chinês e o Japão entraram em confronto devido às ilhas Senkaku disputadas perto de Okinawa, no Mar da China Oriental, um vídeo ilustrando a destruição nuclear de Tóquio tornou-se viral entre os internautas chineses.
As representações exageradas e muitas vezes fabricadas de tropas comunistas heroicas e invencíveis, enfrentando os ridículos e sinistros “demônios japoneses” podem ser encontradas em toda a cultura popular da China. Especialmente nos últimos anos, a “Guerra Anti-japonesa”, como é conhecida localmente a Segunda Guerra Mundial, tem mostrado ser um tema popular, politicamente seguro para os produtores de cinema e televisão.
Em vez de genuína erudição e diálogo, os chineses do continente sofrem uma lavagem cerebral com uma narrativa fabricada que ignora ou reduz a importância de grandes campanhas e batalhas lideradas pelos nacionalistas, que definiram o curso da guerra. A contribuição histórica da China para o esforço global dos aliados revela um quadro totalmente diferente de uma árdua batalha desesperada contra o poder de fogo, equipamentos e coesão superiores do inimigo.
A verdade de uma guerra esquecida
Em 7 de julho de 1937, dois anos antes da invasão da Polônia pela Alemanha nazista, as tropas chinesas entraram em confronto com unidades de uma guarnição japonesa exterior no sul de Pequim, desencadeando a faísca que iria incendiar oito anos de guerra em toda a Ásia e Pacífico.
Desde a década de 1920, as facções militaristas do governo japonês, protegidas por autoridades imperiais, haviam invadido a Ásia continental. A Coreia tinha sido uma colônia japonesa desde 1910, e em 1931, oficiais do Exército Imperial Japonês ocuparam e anexaram a Manchúria, uma região do norte da China, contendo cerca de 35 milhões de pessoas e recursos naturais abundantes.
Em 1937, as tropas japonesas não só ocuparam a Manchúria, como tinham tomado a maior parte do que é hoje a Mongólia Interior, estendendo sua zona de controle para Pequim (então chamado Beiping; a capital da China naquela época era Nanjing, que ficava mais para o sul). Para Chiang Kai-shek, líder militar do governo chinês Nacional, ficou claro que apaziguar mais os japoneses só iria trazer ainda mais desgraça.
No final de julho, a luta ao redor de Pequim se intensificou à medida que os chineses se recusaram a recuar face às demandas militares japonesas. Chiang ordenou aos exércitos chineses a dirigirem-se a Xangai, que continha uma presença militar japonesa considerável, na esperança de atrair um grande número de tropas inimigas que poderiam ser desgastas em uma batalha decisiva.
A batalha de Shangai provocou mais de 200 mil mortes chinesas e 70 mil japonesas em um combate urbano. Foi apenas a primeira de mais de 20 grandes batalhas travadas por forças chinesas nacionalistas, contrariando a narrativa atualmente propagada pelo Partido Comunista Chinês, que alega que seus adversários políticos fugiam para o interior da China para se esquivar da luta.
Apesar dos corajosos esforços chineses, os japoneses acabaram forçando os chineses para fora de Shangai. Com a chegada de reforços, a invasão continuou a partir do estuário do Rio Yangtze, com uma velocidade assustadora, ameaçando a capital chinesa de Nanjing.
Resistência prolongada
Nos primeiros meses da guerra, não se observou nenhuma atividade comunista de consequência significativa. Uma pequena vitória dos comunistas, a batalha na passagem de Pingxingguan, resultou em apenas algumas centenas de mortes de japoneses, mas ainda assim foi exacerbada sem fim pela subsequente propaganda estatal.
Enquanto isso, os exércitos nacionalistas continuaram a lutar com unhas e dentes contra o ataque japonês, perdendo centenas de milhares de homens. Em Nanjing, onde a defesa incompetente da capital levou a uma debandada das forças chinesas, tantos soldados foram feitos prisioneiros e executados pelos japoneses que o número de mortes de militares chineses ainda não é claro. Tropas imperiais levaram mais longe a sua ira sobre a população civil de Nanjing, matando centenas de milhares de pessoas.
Esmagados pelas derrotas de Shangai e Nanjing e pela brutalidade cometida contra os civis, a guerra foi devastadora para moral chinesa. Entretanto, em última análise, teve pouco efeito sobre a vontade dos nacionalistas de continuar resistindo. Em 1938, a maior batalha da guerra teve lugar na cidade de Wuhan, na China central, onde mais de um milhão de soldados nacionalistas defrontaram uma força japonesa por mais de quatro meses.
Ainda que a mobilidade e capacidade esmagadora de matar dos exércitos imperiais do Japão, que incluía centenas de ataques com gás venenoso, tenha eventualmente forçado os chineses a recuar de Wuhan, as mortes japonesas, em sua totalidade mais de 100 mil, paralisaram quaisquer avanços por muitos anos.
Apunhalado pelas costas
Desde a tomada comunista do poder em 1949, os filmes e shows chineses mostram seus esforços em territórios ocupados pelos japoneses, sempre com revolucionários comunistas na vanguarda.
Na realidade, a atividade do Partido Comunista Chinês esteve principalmente limitada à infiltração gradual em regiões onde a guerra e a ausência de ordem (forças japonesas foram muitas vezes duramente pressionadas para exercer um controlo efetivo sobre o território que haviam conquistado dos nacionalistas) criaram condições ideais para o crescimento do movimento político.
Os nacionalistas, sob Chiang Kai-shek, foram assistidos pelos Estados Unidos, mas este processo foi dificultado pela desconfiança diplomática e discordância entre os principais participantes, nomeadamente entre Chiang e o célebre general Joseph Stilwell.
Os comunistas chineses fizeram pleno uso dos esforços dos nacionalistas, e nunca auxiliaram de forma significativa, de modo a preservar as suas próprias forças; um diplomata soviético estacionado na área da base comunista observou que na época o presidente do Partido, Mao Tse Tung, estava relutante em mover as suas tropas contra os japoneses.
Enquanto o Partido Comunista foi de fato militarmente insignificante no início da guerra, ele construiu um exército potente e bem organizado em pouco tempo, tal como refletido na única operação militar importante realizada pelas forças comunistas, a Ofensiva dos Cem Regimentos de 1940. Mao, no entanto, criticou Peng, que liderou a bem sucedida campanha, por revelar a força das tropas comunistas. Durante a Revolução Cultural (1966-1976), Mao usaria a “traição” de Peng como parte da desculpa para purgá-lo do comitê.
Quando o Japão se rendeu em 1945, fizeram isso primeiro para os Estados Unidos, e em seguida para as tropas nacionalistas chinesas. Seguiriam-se agora mais quatro anos de luta brutal em que as forças do Partido Comunista Chinês, agora entrincheiradas no norte da China e com crescente apoio soviético, iriam dominar os nacionalistas, que os Estados Unidos viam como uma causa perdida.
Tentando silenciar o passado
O Partido Comunista Chinês tem todas as razões para distorcer a história da Segunda Guerra Mundial: o papel que protagonizou na guerra foi pequeno, e dar crédito aos nacionalistas que assumiram controle sobre a ilha de Taiwan e que por sua vez evoluiu para uma democracia sofisticada, ameaça minar a legitimidade do Partido Comunista.
Por isso o comunismo chinês esconde a sua história real, e ao fazê-lo, rouba do povo chinês a verdade de sua própria história, de acordo com Xin Haonian, o historiador chinês que escreveu um livro sobre os generais do exército da oitava rota, parte das forças armadas comunistas. “O Partido Comunista Chinês faz tudo para se fazer parecer grandioso, mas de fato, o resultado é ridículo”, disse Xin durante uma palestra transmitida pela New Tang Dynasty Television, emissora de TV internacional.
Mesmo com sua incessante propaganda e controle do sistema de ensino, muitos chineses estão cada vez mais cautelosos sobre a veracidade das informações que recebem dos canais estatais sobre a guerra. O ceticismo inclui representações em estilo antigo do período da Revolução Cultural ilustrando pequenos bandos de guerrilheiros comunistas chineses exercendo enorme resistência contra os “demônios” japoneses. Essas cenas podem ser vistas em qualquer típica noite de televisão, e provocam o escárnio do público para o qual se dirigem.
Tais táticas, embora pouco sofisticadas, funcionam algumas vezes. No entanto, elas servem para criar uma atmosfera geral de como os chineses veem a guerra, e mais importante, como veem os “inimigos” da China.
Previsivelmente, entre os principais estão os japoneses, como evidenciado em motins anti-japoneses dos últimos anos, onde até mesmo carros da marca japonesa foram virados e incendiados. Nesta narrativa, a China é uma vítima perpétua. Desculpas de líderes japoneses não são consideradas sinceras, e a pequena extrema-direita dessa nação é retratada como sendo a verdadeira política japonesa.
O cinismo do Partido Comunista Chinês na representação da guerra, e o papel atribuído ao Japão como inimigo número um, não pode ser melhor expresso do que pelo próprio Mao Tse Tung.
O insurgente comunista que viria a fundar a República Popular da China emitiu um agradecimento pessoal ao primeiro-ministro japonês Tanaka Kakuei em 1972, quando a República Popular da China e o Japão estabeleceram relações diplomáticas. Segundo o relato de Kakuei, que é confirmado pelo médico pessoal de Mao, Mao disse que Kakuei “não tem que pedir desculpas”.
De acordo com o médico de Mao, “Mao assegurou-lhe que foi a ‘ajuda’ da invasão japonesa que fez a vitória comunista e tornou possível a visita entre líderes comunistas e japoneses”.
Perante toda esta ‘ajuda’, a oferta de compensação de guerra por parte do Japão foi recusada.