Na tarde do dia 29 de julho, a vendedora Maria Lúcia Gomes da Silva, de 48 anos, era uma das poucas pessoas no terreno invadido pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) na Estrada do M`Boi Mirim, na periferia da Zona Sul de São Paulo – o maior acampamento do grupo, montado numa área de 1 milhão de metros quadrados, batizado Nova Palestina. Por sofrer de hipertensão, Maria Lúcia teve um mal-estar no último protesto do MTST, dia 23 de julho, após esperar sete horas até o fim da passeata que travou o trânsito da cidade para assinar a lista de presença. A persistência de Maria Lúcia e dos outros 2.500 sem-teto que compareceram ao ato tem um único motivo: acumular pontos na planilha dos líderes do MTST para furar a fila dos programas públicos de financiamento habitacional. “Sem muitos pontos, nós somos impedidos de fazer o cadastro. Quem não luta, não ganha. Esse é o lema deles”, explica Maria Lúcia.
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No modelo montado pelo MTST, o comparecimento nos protestos semanais vale cinco pontos. Para quem frequenta os acampamentos, prepara a comida, patrulha a área invadida ou recolhe o lixo rende um ponto. “O Guilherme [Boulos, líder do MTST] falou para a gente que a principal luta é na rua, que não adianta ficar parado nas ocupações. Foram 34 atos, quem não apareceu em pelo menos cinco entrou na lista de repescagem. E eles sabem de tudo, anotam tudo”, afirma Maria Lúcia.
É com base nessa tabela de pontos que o MTST determina quem será contemplado, por exemplo, pelo programa federal Minha Casa, Minha Vida, cujo cadastro é controlado pela prefeitura de São Paulo. “O movimento cadastra e encaminha para a prefeitura. Todos os dias tem que ter presença, mas ganha mais pontos quem participa dos protestos. Mas, no começo, eram 15 mil pessoas na ocupação, agora são 4.000. Não é todo mundo que aguenta essa rotina”, afirma Francisco Silva, de 44 anos.
Na última quarta-feira (26/11), ao encerrar uma passeata no Centro, os líderes do MTST reuniram os participantes para entregar uma filipeta indicando o dia em que eles deveriam ir à prefeitura para se cadastrar em programas habitacionais. Questionada pelo site de VEJA, a prefeitura admitiu que fez um acordo com os sem-teto que estavam no acampamento batizado Portal do Povo, na Zona Sul, para cadastrá-los no Minha Casa, Minha Vida, mas afirmou que a fila dos programas habitacionais é respeitada. “Em reunião com o MTST, a Secretaria Municipal de Habitação disponibilizou senhas aos integrantes do movimento para que eles se organizem em diferentes dias e horários para fazer o cadastro nos programas habitacionais. A Sehab busca cadastrar assentamentos que são considerados prioritários, a partir de determinação judicial. São casos de moradores que estão em áreas de risco ou apresentam alta vulnerabilidade social”, disse em nota a Sehab.
Indústria de ocupações
O Ministério Público define o MTST como uma “indústria de ocupações urbanas”. Quem adere ao movimento é identificado com um número, o mesmo pintado em sua barraca na data da invasão do terreno. Ao final de cada protesto ou assembleia, formam-se filas divididas conforme os blocos de cada área invadida para o registro de presença em cadernos. Quando o movimento não organiza assembleias nem atos, a lista é passada no final da tarde nos terrenos – nesse horário, as invasões costumam ficar cheias e, ao cair da noite, esvaziam.
As barracas, feitas de madeirite, lona e bambu, são montadas apenas para demarcar território e não para abrigar os sem-teto, já que a maioria paga aluguel ou mora em cômodos de familiares e conhecidos. O movimento proíbe os chamados “gatos” feitos em favelas para ter acesso à rede elétrica.
O MTST está estruturado em uma hierarquia piramidal. Segundo a cartilha publicada no site do movimento, os coordenadores das ocupações são subordinados aos coordenadores regionais, que por sua vez respondem aos estaduais. No topo, está o coordenador nacional, Guilherme Boulos. O grupo também conta com um núcleo de comunicação, responsável pela confecção de bandeiras e camisetas e por elaborar os gritos de ordem.
A invasão de imóveis privados é feita por meio de comboios que levam os sem-teto recrutados em outros terrenos invadidos. Com exceção da cúpula do MTST, os sem-teto não são informados previamente do endereço e devem manter os celulares desligados. São convocados pelo menos cem pessoas, incluindo idosos e crianças, para impedir uma ação de reintegração de posse imediata da Polícia Militar. Nos dias seguintes à invasão, militantes distribuem folhetos e carros de som circulam pela região convocando pessoas a aderirem à invasão.