O engodo dos produtos naturais industrializados

19/03/2015 08:00 Atualizado: 19/03/2015 01:10

A maior parte dos chamados produtos naturais não são verdadeiramente naturais

Na incessante busca para conquistar o consumidor que possui uma consciência saudável, fabricantes de alimentos estão servindo versões ‘naturais’ de produtos famosos. Porém, diversas ações judiciais acusam as empresas de fazerem falsas promessas.

Em julho de 2013, a Naked Juice Co., que pertence à PepsiCo., pagou nove milhões de dólares para ganhar um caso que permitia sua utilização de rótulos escritos “completamente naturais” em certos alimentos. Em Palm Beach, na Florida, um professor do ensino fundamental botou em jogo cinco milhões de dólares, e está processando a Fazenda Pepperidge em uma acusação de propaganda enganosa do biscoito Cheddar Goldfish que está rotulado como ‘natural’.

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Cereais Kashi, Copa Campbell, Margarita Skinnygirl e outras marcas têm enfrentado processos judiciais em que os consumidores dizem que há uma interpretação distorcida de uma palavra muito importante.

“Você não precisa dizer que esta é uma maçã natural, mas você deve dizer que esta é uma barra de granola natural porque nós conhecemos um monte de barras de granola que não são naturais”, disse Alexis Baden-Mayer, diretor político da Associação de Consumidores Orgânicos. “Para produtos processados e de multi-ingredientes, este é o ponto forte da venda. Eu diria que qualquer coisa que é chamada de natural está provavelmente escondendo algo, e este é o motivo deles usarem este rótulo ‘natural’. É tudo marketing”.

A administração de alimentos e remédios dos EUA (FDA) oferece uma breve descrição do que implica ser natural: sem ingrediente artificial ou sintético. Os fabricantes de alimentos entendem que alguns produtos químicos e corantes são estritamente proibidos em um alimento que se deseja rotular como ‘natural’, mas a classificação de alguns processos químicos e aditivos, tais como organismos geneticamente modificados (OGM), não são descritos de maneira tão clara.

“Nenhum consumidor pensaria que um OGM, que tem a toxina BT ou que foi geneticamente modificado com bactérias do solo para que possa resistir a um herbicida, nenhum consumidor pensaria que isso é natural. Mas a FDA se recusa a reconhecer a diferença entre comida normal e alimentos geneticamente modificados”, disse Baden-Mayer.

Em meio ao processo de crescimento, companhias e grupos industriais têm pressionado o FDA para acabar com a confusão. A agência afirmou que, embora ela pretenda escrever uma melhor definição, é uma baixa prioridade dentro de uma longa lista.

Em 2008, Geraldine June, da FDA, disse ao Food Navigator que não havia provas suficientes de que os consumidores estão sendo enganados pelo rótulo “natural”. “E se foi, então, nós deveríamos definitivamente levantá-la como uma prioridade”, disse ela.

A sentença de outro processo contra o rótulo “natural” obriga a FDA a analisar a questão novamente. Em 19 de junho, em um caso contra a alegação do “completamente natural”, feita pela marca Mission, o tribunal emitiu uma decisão provisória devido ao “buraco no atual cenário regulatório para alegações de produtos ‘naturais’ e OGMs”.

De acordo com a juíza Yvonne Gonzalez Rogers, se a FDA “ainda não descreveu [as características essenciais de um alimento natual], mesmo que informalmente, os alimentos que contêm ingredientes transgênicos podem ser rotulados como ‘naturais’ ou ‘completamente naturais’”. A corte ofereceu seis meses para exercer sua “autoridade interpretativa” antes de emitir uma decisão final.

O que é natural?

O FDA diz que natural é “difícil de definir” a partir de uma perspectiva científica “porque a comida foi provavelmente processada e não é mais o produto que veio da terra”. Em outras palavras, qualquer intervenção humana (cozinhar, enlatar ou fermentar) interfere de alguma maneira com a pureza da criação da natureza.

Enquanto os órgãos reguladores hesitam em desenhar uma linha que separe o natural do sintético, o que está claro é que o “natural” é bom para negócios.

De acordo com um relatório de 2012 sobre “Crimes de Cereal”, do Instituto Cornucópia (IC), o marketing natural tem tido um enorme crescimento nos últimos anos. Produtos “naturais” muitas vezes são colocados próximos à seção de orgânicos nos supermercados, atraindo a atenção dos consumidores que buscam alimentos saudáveis, sem o custo e a regulamentação de um rótulo orgânico.

O marketing “natural” tem se mostrado tão bem sucedido que, desde 2008, a demanda por grãos orgânicos tem caído constantemente, pela primeira vez em décadas, forçando muito agricultores orgânicos a mudar para o cultivo convencional.

De acordo com Mark Kastel, diretor do IC, a diferença marcante é que o orgânico tem um padrão muito bem estabelecido que é fortemente regulado, enquanto que o “natural” não significa essencialmente nada. “A definição para ‘natural’ é o que o gerente de marketing decide”, disse.

Os proponentes dos OGMs insistem que a bioengenharia não é diferente de técnicas de plantações híbridas que têm existido há milhares de anos. Mas Kastel discorda: “Os OGMs, pela própria definição, não são naturais, porque eles estão falando de manipular geneticamente uma planta, ou até um animal, tornando-o um organismo que nunca existiu neste planeta. Isso não parece muito natural para mim”.

Pesquisas mostram que a maioria dos americanos concorda. Mais de 60% dos consumidores esperam que os alimentos “naturais” estejam livres de pesticidas e ingredientes geneticamente modificados. No entanto, os testes mostram o contrário.

O IC enviou várias marcas de cereais para um laboratório para determinar o conteúdo de OGM. Cereais orgânicos voltaram como livres de OGM, enquanto que produtos “naturais” e mesmo aqueles inscritos no “Projeto contra OGM” continham altos níveis de ingredientes geneticamente modificados.

“Descobrimos que a marca Kashi, que é a líder em cereais “naturais”, e é propriedade da Kellogg – mas você não verá seu nome (Kellogg) no rótulo e isso é parte do disfarce -, possui ingredientes geneticamente modificados em seus produtos. Eles estavam cobrando mais por seus produtos do que aqueles que têm certificado orgânico, que são livres de OGM”, disse Kastel.

Kastel disse que enquanto as grandes fabricantes de alimentos tentam repetidamente enfraquecer os rótulos orgânicos, “a lei que o congresso aprovou é muito boa. Ela nos dá algumas ferramentas para resistir”. “Eu compro o máximo de orgânico possível, porque eu sei que isso significa que (o alimento) é realmente natural, e as exceções são examinadas cuidadosamente”, ele disse.