Empresa de telecomunicações da China se aproveita do Firefox para promover imagem de privacidade

22/08/2013 12:17 Atualizado: 22/08/2013 12:17
O telefone ZTE Open Firefox OS numa imagem promocional. Após avisos do Congresso dos EUA sobre os riscos de segurança ao negociar com a ZTE, a empresa de telecomunicações chinesa lançou um novo telefone que usa o novo Firefox OS (ZTE)
O telefone ZTE Open Firefox OS numa imagem promocional. Após avisos do Congresso dos EUA sobre os riscos de segurança ao negociar com a ZTE, a empresa de telecomunicações chinesa lançou um novo telefone que usa o novo Firefox OS (ZTE)

Pegue uma empresa, com um conselho sombrio e secreto administrado pelo regime chinês, que foi acusada de violar a privacidade dos clientes. Junte-a com outra empresa que é uma das mais conhecidas pela abertura e privacidade. E, em seguida, crie um smartphone e coloque-o no eBay por 60 dólares. Isto é exatamente o que está ocorrendo agora com o novo telefone ZTE Open Firefox OS e parece um pesadelo dos defensores da privacidade.

O Mozilla, uma empresa norte-americana de software elogiada por sua abertura e respeito pelos direitos do usuário, fez uma parceria com a ZTE, uma empresa de telecomunicações chinesa com um conselho interno controlado pelo Partido Comunista Chinês (PCC), que é um dos maiores inimigos da transparência e conhecido por desrespeitar os direitos dos usuários.

O telefone ZTE Open Firefox OS foi anunciado pelo Mozilla em 12 de agosto e virou algumas cabeças no mundo da tecnologia, não só por sua etiqueta de preço de 60 dólares, mas também pela reputação positiva do Mozilla por seu navegador da web, o Firefox. No entanto, houve pouca discussão sobre a outra empresa de telecomunicações envolvida no negócio: a chinesa ZTE.

Em 8 de outubro de 2012, um relatório do Comitê de Inteligência do Senado dos EUA alertou às empresas para evitarem as companhias chinesas de telecomunicações ZTE e Huawei, afirmando que fazer negócios com elas pode colocar os parceiros e seus usuários em risco.

O relatório veio depois de uma extensa revisão sobre a Huawei e a ZTE, que incluiu entrevistas com ambas as companhias. O documento ressaltou que ambas têm conselhos internos controlados pelo regime chinês. E afirmou que, embora as empresas tenham exibido uma aparência de cooperação em entrevistas e audiências no Congresso, elas evitaram perguntas e recusaram-se a fornecer informações cruciais sob o argumento de que isso violaria as leis de espionagem da China.

A conclusão do relatório foi clara e simples: “Com base em informações classificadas e desclassificadas disponíveis, a Huawei e a ZTE não podem ser confiadas como estando livre de influência estatal estrangeira e, portanto, representam uma ameaça à segurança dos Estados Unidos e a nossos sistemas.”

Um aviso ainda mais claro foi dado pelo congressista Mike Rogers (R-Mich.), presidente do Comitê de Inteligência do Senado, em entrevista ao “60 Minutes”. Rogers disse: “Eu encontraria outro fornecedor, se você se preocupa com sua propriedade intelectual, se você se preocupa com a privacidade de seus consumidores e se você se preocupa com a segurança nacional dos Estados Unidos da América.”

Em resposta, ao invés de abordar as preocupações levantadas contra elas, a Huawei e a ZTE usaram uma retórica padrão do regime chinês de desviar as críticas e mascarar o verdadeiro problema, por exemplo, dizendo que a crítica é “contra a China”. A ZTE, em seguida, tomou outro caminho e fez parceria com uma empresa estrangeira que tem uma imagem de abertura e respeito pela privacidade do usuário: o Mozilla.

Quando questionado sobre como o Mozilla garantirá a privacidade e os direitos de seus usuários, à luz das conclusões do Comitê do Senado, um porta-voz do Mozilla disse por e-mail: “Nós continuaremos a manter em mente os cuidados articulados pelo Comitê quando avaliarmos nossos parceiros do ecossistema móvel. Se soubermos de informações específicas que tenham impacto no Firefox OS, responderemos em conformidade.”

Monitoramento e Segurança

A parceria reflete um movimento similar do próprio regime chinês, que recentemente fez um acordo com a Canonical, os criadores do sistema operacional Ubuntu e uma das empresas mais respeitadas do movimento do software livre.

Quando criticados, a resposta dada pelo regime chinês reproduziu seus dias da Revolução Cultural: Vocês não podem criticar alguém, a menos que vocês mesmos não tenham falhas. E muitos usuários no movimento software livre têm ignorado preocupações de segurança em relação ao regime chinês julgando ser apenas mais um país entre muitos que monitoram as comunicações.

A China recentemente achou espaço de manobra no debate da privacidade internacional, após a Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA ser acusada de espionagem por meio de seu programa PRISM. No entanto, os programas executados pela NSA e pelo regime chinês são incomparavelmente diferentes. Enquanto o programa da NSA pesquisas por palavras-chave que alertam sobre possíveis terroristas e espiões, o sistema chinês é extremamente amplo.

O regime chinês bloqueia mais de 4 mil palavras-chave online, incluindo “incidente da Praça da Paz Celestial”, “Wikipedia em língua chinesa”, “Falun Gong” e “Google Blogger”; e as pessoas que o PCC considera como ameaças ao regime não estão limitadas apenas a terroristas e espiões. Para o regime chinês, “as ameaças ao Estado” também são uma categoria muito mais ampla que inclui ativistas da democracia e pessoas que acreditam em religião, na independência de Taiwan ou num Tibete livre.

No entanto, para os usuários do novo telefone Firefox-ZTE, o problema é muito mais profundo. A preocupação no nível individual é o roubo de propriedade intelectual, algo pelo qual o regime chinês é notório. E para pessoas fora da China que se encaixam em qualquer grupo de interesse especial do regime – como ativistas dos direitos humanos – a ameaça é ainda mais real.

No passado, se o regime chinês monitorava as pessoas no estrangeiro, isso era feito frequentemente por meio de ciberataques complexos, incluindo, por exemplo, a Operação Aurora, que violou as contas do Gmail de ativistas estrangeiros; a Operação Shady Rat, que era um sistema de espionagem corporativa; e a Ghostnet, que monitorava os tibetanos e outros ativistas.

No entanto, ao encontrar um caminho para o mercado estrangeiro por meio de uma empresa de telecomunicações em que o conselho é controlado pelo regime chinês e com uma história de hackeamentos e de ignorar as leis de propriedade intelectual, o regime chinês tem convencido os usuários ocidentais a abrirem suas portas voluntariamente.