Em carta aberta, estudantes convidam premiê chinês a visitar Hong Kong

27/11/2014 15:59 Atualizado: 27/11/2014 15:59

Na tarde do dia 15 de novembro, líderes estudantis dos protestos pró-democracia em Hong Kong não foram autorizados a embarcar num voo para Pequim; eles tentavam encontrar pessoalmente o primeiro-ministro chinês Li Keqiang. Mais cedo, naquele mesmo dia, talvez já antecipando que não seriam autorizados a fazer a viagem para Pequim, os alunos publicaram uma carta dirigida ao primeiro-ministro, convidando-o a visitá-los em Hong Kong.

O texto, com 3000 palavras, foi postado às 3:35h do dia 15 de novembro, numa página da Federação dos Estudantes de Hong Kong (HKFS) no Facebook; a organização estudantil tem feito o seu máximo para sustentar o Movimento Guarda-Chuva em Hong Kong, embora esse movimento de protesto pró-democracia não tenha líderes oficiais.

Mais tarde, às 17h, três principais figuras da HKFS, Alex Chow, Eason Chung e Nathan Law, prepararam-se para embarcar com destino a Pequim, onde esperavam se encontrar com os principais líderes do Partido Comunista Chinês. No entanto, no aeroporto, os três estudantes foram informados que seus documentos de entrada na China continental haviam revogados e que eles não estavam autorizados a embarcar no avião para a capital chinesa.

Na carta publicada pela HKFS foi feito um pedido para a revogação da decisão do Congresso Popular Nacional que estabelece a forma como atualmente é efetuada a escolha do chefe-executivo de Hong Kong (decisão esta que os estudantes classificam como “falsa democracia”). A correspondência também pede a reabertura de discussões com os estudantes sobre reforma política em Hong Kong. O objetivo dos estudantes tem sido, desde sempre, poder escolher os candidatos e eleger o chefe-executivo de Hong Kong por meio do sufrágio universal.

A carta também pede para limpar o nome do Movimento Guarda-Chuva de Hong Kong da acusação de ser manipulado por facções do Partido Comunista Chinês (PCC) ou por “forças estrangeiras” – o elemento fundamental na cobertura da mídia estatal de Hong Kong tem sido a alegação de que qualquer protesto existe devido a forças estrangeiras hostis à China e ao PCC.

A carta também pede ao primeiro-ministro que veja pessoalmente a real situação em Hong Kong. Eles argumentam que, se ele puder observar por si mesmo como as coisas estão, ele poderá fazer um julgamento, verificando in loco a realidade de Hong Kong, ao invés de fazê-lo baseado em informações passadas por seus subordinados. Os estudantes de Hong Kong sustentam, há algum tempo, que [as autoridades] em Pequim estão sendo enganadas por relatórios feitos pelo governo de Hong Kong, que falseiam a real situação.

A situação é de tal ordem, conforme os estudantes argumentam na carta, que os problemas sociais urgentes de Hong Kong só podem ser resolvidos por meio de uma reforma política.

Abaixo, apresentamos uma tradução de um trecho da carta. Nas partes não traduzidas da carta, os estudantes argumentam que todas as ações na luta pelo sufrágio universal, incluindo o Movimento Guarda-Chuva (também conhecido como ‘Ocupar Central’), têm sido racionais, pacíficas e altruístas.

A carta diz que o povo de Hong Kong começou a lutar pelo sufrágio universal há 30 anos, ainda quando era uma colônia britânica; mas o impulso pela democracia ficou estagnado durante as negociações entre Pequim e os britânicos no início de 1980.

A carta também menciona a decepção provocada na população de Hong Kong pelo massacre da Praça da Paz Celestial ocorrido em 1989. Em maio de 1989, mais de um milhão de pessoas em Hong Kong protestaram nas ruas para apoiar o movimento estudantil de Pequim, que se opunha à corrupção oficial e pedia reforma política. A sangrenta repressão, ocorrida em 4 de junho daquele ano, reduziu a confiança do povo de Hong Kong nos governantes de Pequim, diz a carta.

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A opção contemporânea, a voz do povo – Carta ao primeiro ministro Li Keqiang

Caro sr. primeiro-ministro Li Keqiang:

Saudações.

Somos um grupo de estudantes universitários em Hong Kong, escrevendo esta carta sentados numa rua de Hong Kong.

Deves ter sabido que várias das principais ruas de Hong Kong foram ocupadas pelos estudantes e cidadãos desde o final de setembro. Já são mais de 40 dias. Podes não saber que estamos lutando em prol dos direitos políticos que devemos ter e não fomos instruídos a fazer isso por uma chamada “conspiração da oposição” ou por “forças estrangeiras hostis”.

Sinceramente, fazemos um convite para que venhas a Hong Kong, dês uma olhada nessas pessoas de Hong Kong [que estão] nas ruas, que não retornam para suas casas há meses, e ouças os verdadeiros sentimentos de todos. Então, saberás qual o objetivo de tudo isso.

Se não podes vir, não importa. Nós estamos contentes de ir a Pequim para conhecê-lo. Como primeiro-ministro, o mais alto funcionário encarregado dos assuntos de Hong Kong, nós esperamos que possas ouvir diretamente essas centenas de milhares de vozes do povo de Hong Kong, ao invés de ouvir todos os tipos de relatórios de “departamentos relacionados”. Então, poderás fazer um julgamento político correto.

O apelo dessas centenas de milhares de pessoas nas ruas de Hong Kong é muito simples e direto: que o Congresso Popular Nacional (CPN) revogue a decisão de 31 de agosto sobre as eleições a serem realizadas em Hong Kong e que retome a discussão sobre a reforma política em Hong Kong.

As razões para estes pedidos são: primeiro, a decisão decorre das reformas que o governo de Hong Kong propôs ao Conselho Legislativo, passando por cima das regras estabelecidas pelo próprio CPN em 2004, quando se apontou que o CPN só pode decidir “se uma reforma é necessária”.

Em segundo lugar, a decisão ignora a demanda persistente pelo genuíno sufrágio universal, [com a participação] da maioria dos cidadãos de Hong Kong e jovens estudantes.

Em terceiro lugar, a decisão enfraquece a confiança dos jovens de Hong Kong sobre se o retorno da democracia para a sociedade se tornaria realidade sob [a regime de] “um país, dois sistemas”, além de que a decisão abala os alicerces de interações saudáveis entre Hong Kong e a China continental.

A população com renda mensal inferior a HK$ 14 mil [c. US$ 1.805] é metade da população de Hong Kong e mais de um milhão de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza. Com base em sua estrutura de receitas, não importa quão duro eles estejam trabalhando, eles não podem se dar ao luxo de comprar uma casa, alugar uma loja, iniciar um negócio e dar a seus filhos uma educação melhor.

A pobreza passa de geração para geração. Para aqueles de nós na geração mais jovem, desde que nascemos, sentimos Hong Kong como uma cidade injusta e desesperada. Existe uma extrema desigualdade de oportunidades e algumas elites dominam a condução da vida política e econômica.

Por que Hong Kong chegou a essa situação? É porque Hong Kong não tem uma boa governança e não tem um bom modelo para o desenvolvimento econômico e a reforma social. É incapaz de garantir a liberdade de expressão e a independência do poder judiciário, incapaz de estabelecer um sistema social e econômico justo, incapaz de reduzir a disparidade de riqueza.

Por que é difícil ter uma boa governança, desenvolvimento e reforma? Porque Hong Kong está presa no gargalo da reforma política. Sob um sistema não democrático, as elites políticas e empresariais conspiram para manipular a sociedade, o governo ignora a opinião pública e não tem sensibilidade nem capacidade de promover qualquer reforma justa e assim o clamor público só aumenta.

Pessoas de visão em Hong Kong, seja no campo pró-establishment ou no campo pró-democracia, estão conscientes de que, sem uma reforma democrática, a crise do poder político será difícil de ser resolvida e tornar-se-á difícil para as autoridades governarem eficientemente.

Passados mais de 10 anos, com o intuito de alcançar um governo autônomo e democrático, o povo de Hong Kong apelou pela implementação dos direitos fundamentais das pessoas e, com grande cuidado e perseverança, exortou o governo a dar ouvidos a bons conselhos. É uma pena que a decisão de 31 de agosto tenha nos desapontado completamente.

Estamos dando mais um passo adiante, hoje, mesmo lançando mão da desobediência civil ao ocupar as ruas. Isso reflete os últimos 30 anos de história e uma profunda preocupação em relação a Hong Kong.

Caro primeiro-ministro, se estivesses presente, entenderias que nós definitivamente não somos presunçosos nem somos manipulados por terceiros. Somos obrigados a fazer isso. Nós apenas esperamos que o nosso apelo mais razoável possa obter o respeito mais básico. Nós realmente não temos outra maneira de fazer com que o governo de Pequim fique ciente das reivindicações e da determinação de nossa geração.

Este não é um momento de raiva. Quando centenas de milhares de cidadãos estão dispostos a praticar a desobediência civil, a pagar o preço da responsabilidade legal, essa determinação e energia não é algo que possa ser resolvido pelos números numa petição. [O governo de Hong Kong tem circulado os resultados de uma petição, alegando que esta mostra a desaprovação ao Movimento Guarda-Chuva em Hong Kong. Os estudantes têm dito que a petição possui muitas assinaturas falsas.]

Quem está no poder tem de enfrentar o sofrimento, a opressão, a injustiça e o ressentimento nesta cidade. Eles não podem simplesmente enganar as pessoas, e atribuir a culpa a “forças externas”. Sem enfrentar a persistente busca pela democracia feita pelo povo de Hong Kong, sem encarar os conflitos sociais e as queixas populares e sem contextualizar-se para pensar numa forma de resolver estes problemas, Hong Kong tornar-se-á ingovernável.

Os que estão no poder já perderam a confiança de duas gerações de Hong Kong. Será que eles devem continuar [no poder]?

Federação dos Estudantes de Hong Kong

15 de novembro de 2014