Nos dias e semanas antes do 110º aniversário do nascimento do ex-líder comunista chinês Deng Xiaoping em 22 de agosto, o atual líder chinês Xi Jinping parecia estar aproveitando o momento e o legado de Deng para alavancar suas ambições políticas. Xi pode estar sugerindo que ele também tem planos abrangentes de reforma e a aspiração de deixar sua marca na história chinesa.
Essas ideias emergiram nos discursos de Xi Jinping sobre o legado de Deng, em explicações oficiais desses discursos, numa série política em horário nobre sobre a vida e a época de Deng, e no que se poder ler nas entrelinhas de toda essa encenação.
A questão da ausência veio à tona quando se compara, por exemplo, a comemoração dos aniversários de nascimento de Deng em relação ao de seu sucessor Jiang Zemin.
Deng foi homenageado com uma série dramática de época na mídia estatal e discursos comemorativos e reuniões do Partido Comunista Chinês (PCC). Jiang não recebeu nada.
Considerando-se que o lugar de Deng na cultura do PCC difere muito do de Jiang e que este último ainda está vivo, a omissão, no entanto, levou Chen Pokong, um analista das intrigas comunistas chinesas, a escrever: “Este é um duro golpe para Jiang.”
‘Tigre morto’
O argumento de Chen, desenvolvido numa série de colunas recentes, é essencialmente o seguinte.
Até agora, um componente-chave da política de Xi Jinping tem sido sua ampla campanha anticorrupção. Esta campanha tem sido destinada a neutralizar e eliminar os aliados e asseclas de Jiang Zemin entre os militares, os serviços de segurança pública e em outros órgãos do Estado.
Chen escreve: “O objetivo tácito de Xi Jinping é extirpar a base de poder de Jiang Zemin – forçá-lo a se tornar um tigre doente, um tigre morto, e remover completamente a ‘política do velho senil’ das decisões do governo de Xi.” O termo ‘tigre’ se tornou uma metáfora para funcionários poderosos e corruptos.
Esta tendência revela-se também a partir de uma análise das discussões ideológicas na mídia comunista chinesa. Xi Jinping dá grande peso e valor a Mao Tsé-tung, que fundou a República Popular da China, e a Deng Xiaoping, que supervisionou o período de reforma e reconstrução após a Revolução Cultural no final de 1970.
A promoção das ideologias desses dois homens é, segundo Chen Pokong, em parte uma rejeição à política e ao legado de Jiang Zemin e de seu medíocre sucessor Hu Jintao – líderes que, segundo o que seria a interpretação de Xi, alcançaram pouco e somaram pouco. Chen sugere que Xi ainda quer estabelecer um legado que ultrapasse o de Deng, embora o conteúdo desse legado ainda seja incerto.
Promovendo a reforma
Xi Jinping, no entanto, está usando referências codificadas ao pensamento de Deng para dar jabes em Jiang. Um artigo recente no Diário do Povo, uma mídia estatal porta-voz do PCC, resgatou a seguinte linha: “Quem não promover a reforma deveria renunciar”, uma frase inicialmente proposta por Deng Xiaoping no início de 1990 contra o receoso Jiang Zemin, que se mostrava relutante em promover as reformas econômicas após o massacre da Praça da Paz Celestial em 1989.
Ecos desses sentimentos – de Xi Jinping empurrando de lado o legado de Jiang Zemin – podem ser encontrados nas próprias publicações do PCC, embora encobertos em muito mais artifícios do que a análise de Chen. Um discurso recente elogiando Xi Jinping – que alguns observadores interpretaram como o desabrochar de um novo ‘culto à personalidade’ ou ‘culto ao líder’ – listou suas conquistas recentes.
“Xi Jinping instruiu que os problemas da China devem ser analisados em conjunto, e não isoladamente uns dos outros”, um fragmento sabiamente aconselhado. “Em apenas um ano após a 3ª Plenária do 18º Congresso do PCC, Xi Jinping aboliu sozinho o sistema de campos de trabalho, começou um novo tipo de urbanização, um sistema residencial e inspeções disciplinares no PCC, e simplificou a administração do poder, entre outras alterações nas esferas judiciais, financeiras e culturais.”
Num movimento que é incomum na escrita ideológica do PCC, o artigo também citou a mídia chinesa no estrangeiro Duowei News – que muitos suspeitam há longo tempo de ser um instrumento da propaganda oficial do PCC –, anunciando que Xi Jinping estava promovendo a “quinta modernização” da China. Isto incluiu “livrar-se das restrições de velhas teorias” e mudar a “administração” para “governança”.
Independentemente dos detalhes desses argumentos, o desmantelamento do sistema de campos de trabalho, mesmo que apenas no nome, foi um avanço surpreendente que desfez o que Jiang Zemin e seus comparsas no aparato de segurança pública tinham desenvolvido ao longo de mais de uma década. O sistema de campos de trabalho havia sido revigorado por Jiang para aprisionar e torturar os praticantes do Falun Gong, um grupo espiritual que ele começou a perseguir em 1999.
Os campos de trabalho se tornaram então uma ferramenta útil para o ex-chefe da segurança interna Zhou Yongkang poder promover uma política abrangente de “manutenção da estabilidade”, que permitiu reprimir a sociedade chinesa de forma mais ampla.
Tábula rasa
Parte do legado de Deng Xiaoping foi a limpeza de políticas fracassadas, destrutivas, de repressão política e psicopatia ideológica de Mao Tsé-tung. Xi Jinping pode ter algo semelhante em mente para limpar a lousa da violência e corrupção da era Jiang Zemin.
Xi Jinping está usando a celebração do aniversário de Deng Xiaoping para estabelecer um senso de progresso, reforma e mudança, enquanto justifica o desprezo ao legado de Jiang Zemin. A limpeza da casa promovida por Xi Jinping ao eliminar a facção política de Jiang Zemin pode ser vista sob essa luz, como inaugurando uma nova etapa na história do comunismo chinês. Mas o que isso significaria não está claro.
“Será que Xi Jinping pode consolidar seu poder de modo a superar Deng Xiaoping?”, questionou Chen Pokong em seu comentário recente. “Deng centralizou o poder e conseguiu efetivar algumas coisas: abrir as portas para o mundo e inaugurar um novo período para a China. Na centralização do poder de Xi Jinping, será que ele também alcançará algo? Que portas ele abrirá? Ele pode inaugurar um novo período? Neste momento, esta é a grande questão.”