Islamabad – “Às vezes, os alunos vão para salas vazias para seus testes, preenchem o papel e deixam-no na mesa, sem nunca verem o professor”, conta Shagufta Amir, uma graduada de literatura inglesa de 27 anos, recordando o período de teste em sua escola primária rural.
Amir está entre uma fração de mulheres de sorte na zona rural do Paquistão que foi capaz de completar sua educação. A maioria das meninas em sua vila no norte do Paquistão nem sequer termina a escola primária e muito menos vai à universidade. Segundo o Banco Mundial, apenas 22% das meninas das zonas rurais do Paquistão concluíram o ensino fundamental. Números de um relatório de 2010 da UNESCO mostram que, em 2007-2008, 63% das mulheres em áreas urbanas eram alfabetizadas, em comparação com 34% nas zonas rurais. Na melhor das hipóteses, o estado geral da educação para as mulheres no Paquistão está melhorando; na pior das hipóteses, é abismal. Níveis de educação para as meninas variam enormemente em todo o país. A província do Punjab é considerada a melhor e a província de Sindh a pior.
O pai de Amir foi o primeiro em sua aldeia a completar sua educação e também se tornou seu primeiro professor. Ele acredita sinceramente na educação de suas filhas. A mãe de Amir também apoia a educação, embora ela mesma seja analfabeta. Nas zonas rurais há muitas exigências e restrições sobre as meninas, que são basicamente criadas para servir, em primeiro lugar a sua própria família, em seguida, a família de seu marido. Há também uma forte expectativa de que as meninas se casem cedo e tenham muitas crianças. “Muitas pessoas nas áreas rurais sentem que a educação só é importante se as suas meninas estão indo para a cidade trabalhar. Eles não percebem que é importante para a construção do conhecimento e da autoconfiança, assim, elas podem cuidar melhor de suas famílias”, diz Amir.
Há também normas culturais que podem impedir as meninas de estudarem com os meninos. Em muitas famílias, especialmente nas áreas rurais, é necessário que uma menina seja escoltada por um membro masculino da família quando em público, o que é uma barreira adicional para frequentarem a escola. A pobreza é outro fator que restringe o acesso das meninas à educação. Muitas famílias não podem pagar as taxas, uniformes ou transporte. Se os pais têm de escolher entre mandar um filho ou filha para a escola, na maioria das vezes escolherão os meninos, que tradicionalmente trazem renda e cuidam dos pais. “O governo deve tentar sensibilizar as populações rurais para ajudarem os pais a entender por que educar meninas é vital para suas comunidades, abrir mais escolas para meninas e prover transporte”, sugere Amir como uma forma de melhorar a educação das meninas.
De acordo com a Constituição paquistanesa, “O Estado deve proporcionar educação gratuita e obrigatória para todas as crianças de 5 a 16 anos.” No entanto, até a presente data, o governo não tem investido o suficiente para fazer essa lei uma realidade. “Em média, os gastos do Paquistão com educação têm se mantido em torno de 2% do PIB pelos últimos 20 anos, tornando-o uma das nações com educação mais debilitada em todo o mundo”, segundo a UNESCO. “Eu quero que minha filha obtenha uma educação que a ajude a polir sua personalidade, nutrir seus talentos dados por Deus e a ajudá-la a discernir o certo do errado”, diz Amir sobre sua filha de 1 ano de idade.
Passo a passo
Há muitas agências não-governamentais e cidadãos privados no Paquistão que têm se dedicado a tornar o ensino melhor, principalmente para as meninas no campo. Uma dessas pessoas é Geytee Ara. Ara vem trabalhando com jovens e educação no Paquistão há mais de duas décadas. Ela é professora-assistente de arte no Colégio para Meninas de Islamabad e foi um dos membros principais da comissão no desenvolvimento de um currículo nacional de arte para a 9ª e 10ª séries no Paquistão. Algumas pessoas podem se sentir desencorajadas pelo estado da educação no Paquistão, mas não ela. Vendo a enorme necessidade social, ela decidiu tomar uma atitude. Em 1995, Ara e seu marido compraram um terreno num vilarejo perto de sua casa sabendo que abririam uma escola um dia, o que fizeram em 2000.
A escola de Ara tem em média 60 alunos entre 5 e 15 anos, com um número quase igual de meninos e meninas. A escola tem um professor principal e três professores assistentes. Ara cobra uma taxa individual de 100 rúpias (pouco mais de 1 dólar) por mês para que os pais deem mais valor e enviem seus filhos.
A necessidade de educar as meninas ficou clara para ela em 1995, quando trabalhou em aldeias com Meninas Guias (o mesmo que escoteiras). Ela viu que elas precisavam não apenas de noções de higiene, mas também da formação de habilidades mais amplas. “Quando começamos a ensinar, nós atendíamos as mulheres da área, pois queríamos ajudar a melhorar sua qualidade de vida, assim, nós realizamos aulas sobre higiene e costura, mas também ensinamos literatura básica”, disse ela.
Ara acredita que uma educação melhor para as mulheres produzirá melhores resultados na saúde das crianças. “As mulheres são responsáveis pela higiene e pelos filhos. Se as mulheres estão mais conscientes e capacitadas, elas podem fazer escolhas mais responsáveis”, disse ela.
Ela gostaria de aprimorar sua escola rural e acrescentar formação profissional ao currículo, mas porque ela ainda está completando seus estudos de doutorado, sua escola deve esperar. Enquanto isso, ela encontrou mulheres locais para supervisionar o aprendizado básico.
A escola, que fica nas colinas a 20 quilômetros ao norte da capital de Islamabad, é uma estrutura de cimento simples, com três quartos e mesas de madeira. Para chegar lá é preciso atravessar um campo, passar por um caminho acidentado e depois atravessar alguns trechos de água estagnada. Aproximando-se da escola há um muro de um metro e esterco de vaca para ser negociado. As salas são áridas, mas ganham vida quando as crianças entram.
Ara registrou sua escola com uma rede local privada de escolas em 2005. Este sistema de ensino treina seus professores no ensino primário. Mas ainda assim, os professores não satisfazem o padrão, porque sua própria educação parou na quinta série. “A qualidade dos professores não é boa o suficiente, eles realmente não se empenham muito em ensinar nossos filhos e muitas vezes o professor principal está ausente. Tenho medo de reclamar por medo de retaliação do professor ou de outros”, diz uma mãe cujo filho frequenta a escola de Ara.
Ara gostaria de deixar de ser uma escola mista para ser uma escola apenas para meninas. “Eu sentiria que esta escola é bem-sucedida se tivéssemos a maioria das mulheres da aldeia frequentando nossa escola e desenvolvendo habilidades que melhorarem a qualidade de suas vidas e tornando-se mais responsável por si e suas famílias”, diz Ara.
A escola de Ara ainda tem um longo caminho a percorrer para atender suas próprias expectativas de uma boa educação. Mas ao menos ela estabeleceu raízes na comunidade e tem uma visão experiente e compassiva para orientar seu amadurecimento. Embora a educação esteja num estado de crise, especialmente para as meninas no Paquistão, Ara tem esperança por seus alunos, para a educação das mulheres, sua escola rural e por seu país.