Passados os dois primeiros meses de 2014 é importante um balanço sobre este período para, então, termos uma visão mais clara sobre como serão as perspectivas econômicas para os próximos meses deste ano. Em função disto, mais adiante estaremos fazendo uma “sintonia fina” nas nossas projeções.
Sobre o que já aconteceu neste início de 2014, destacamos o pacote fiscal de R$ 44 bilhões, com meta de 1,9% do PIB (R$ 99 bilhões) ao fim deste ano; gestão fiscal a reboque deste ajuste (em janeiro, o saldo primário veio abaixo, 1,67% do PIB em 12 meses); inflação cedendo um pouco neste período, com menor pressão dos alimentos e do câmbio; taxa de juros elevada a 10,75%; ritmo da economia influenciado pelo crescimento de 2013 (2,3%), mas cheio de incertezas; setor externo preocupante, com o déficit em conta corrente acima de 3,7% do PIB em janeiro, balança comercial negativa em US$ 6,2 bilhões no ano e deterioração das expectativas dos agentes, diante dos desencontros recentes da política econômica.
No exterior, temos a continuidade da política de desmonte dos estímulos monetários pelo Fed, a posse de Janet Yellen no banco central dos EUA não havendo mudanças na estratégia anterior de Bernanke; a Zona do Euro esboçando recuperação, assim como a China seguindo em suave desaceleração da sua economia. Somado a isto, o mais recente evento é o imbróglio entre Ucrânia e Rússia, com ameaças de intervenção militar e sanções por parte da União Europeia (UE) e dos EUA. Na semana passada, estes países vieram com sanções para a concessão de vistos aos russos e a península da Crimeia sinalizou um referendo para fazer parte da Rússia. Os EUA e a UE consideraram este ilegal. O fato é que a Rússia abastece de gás 34% da UE e os gasodutos passam pela Ucrânia.
Façamos, a seguir, uma análise sobre as perspectivas dos principais fundamentos econômicos, em sequência, crescimento da economia, inflação, política de juros, taxa de câmbio, setor externo, em destaque a balança comercial, e setor fiscal.
Crescimento da economia – No crescimento da economia em 2013, de 2,3%, o desempenho do último trimestre, crescente em 0,7% contra o anterior, deve gerar um “efeito carregamento” próximo a 0,5% no primeiro trimestre de 2014. Mesmo assim, são variados os desafios para este ano. O racionamento de energia é um deles, assim como a crise de confiança que se espalha pela economia, abalando a intenção de investimentos do setor privado.
Os investimentos, pela Formação Bruta do Capital Fixo, avançaram 6,3% em 2013, depois de recuarem 4% em 2012, e dificilmente devem repetir o mesmo desempenho em 2014, até porque o final do ano foi bem fraco. Somado a isto, o consumo das famílias cresceu 2,3% no ano passado, mas também perdeu força ao final do ano. Com juro mais alto e renda menor, pela alta da inflação e menor reajuste do salário mínimo, este segmento terá um desempenho mais fraco em 2014.
A Copa do Mundo, as concessões públicas na área de logística e a proximidade das eleições devem servir de contraparte a estes fatores negativos citados. No entanto, serão suficientes para sustentar um crescimento próximo ao potencial, em torno de 3%? Não acreditamos. Por ora, estamos projetando o crescimento do PIB ao redor de 1,8%, com a taxa de investimento, em relação ao PIB, evoluindo um pouco, de 18,4% para 18,7%.
Política Fiscal – O governo anunciou um ajuste fiscal em fevereiro, de R$ 44 bilhões, a 1,9% do PIB (R$ 99 bilhões), mas passível de questionamentos. Isto porque no desempenho fraco de janeiro, com o saldo primário recuando a 1,67% do PIB, as receitas avançaram 6,6% e as despesas 19,5%. Além disto, na reestimativa das despesas para 2014 houve um ajuste das despesas em R$ 88 bilhões. Para piorar, os investimentos públicos seguem estagnados, em 1,3% do PIB entre 2012 e 2013, e devem se manter “de lado” nos próximos meses. Por fim, cabe observar a trajetória da dívida bruta, próxima a 57% do PIB, devido aos estímulos dados pelo Tesouro aos bancos públicos. Em quatro anos estes já chegaram a R$ 324 bilhões. Por outro lado, a dívida líquida segue próxima a 34% do PIB. Numa primeira análise, estamos prevendo o saldo primário, ao fim deste ano, em torno de 1,7% do PIB, a dívida líquida em 35% do PIB e a bruta próxima a 58%.
Comportamento da inflação – A inflação cedeu um pouco neste primeiro bimestre, em decorrência da menor pressão dos alimentos, excesso de estoques, forte recuo das passagens aéreas, depois do reajuste em dezembro, além da acomodação do câmbio em patamar menor, diante do maior ingresso de recursos externos. Em fevereiro, o IPCA-15 nos últimos 12 meses foi a 5,65%, um pouco acima do índice cheio de janeiro (5,59%); o IPC da Fipe registrou 3,97% em 12 meses, o IGP-DI atingiu 5,62% em janeiro e o IGP-M 5,76% em fevereiro.
Preocupam, no entanto, as várias pressões que podem ocorrer nos próximos meses, como: possível reajuste da energia elétrica, prevista na ata do Copom em 7.5%, e da gasolina (não prevista); impactos do racionamento de energia e de água sobre a produção de hortifrutigranjeiros, elevando os preços agrícolas; menor liquidez com a retirada dos estímulos pelo Fed e aumento das tensões na Ucrânia gerando volatilidade nos mercados, afetando o câmbio, e gerando possíveis repasses para a inflação; ocorrência de outros choques agrícolas, decorrentes de problemas climáticos e preços dos serviços ainda “esticados”, com o mercado de trabalho aquecido e os reajustes salariais acima da produtividade. Neste cenário cauteloso, ao fim deste ano estamos prevendo o IPCA próximo a 6,2% e os IGPs mais próximos a 6,1%.
Política de Juros – A ata do Copom de fevereiro (dia 06/03, referente à reunião do dia 26/02) emitiu sinais de que haverá mais um ajuste na taxa de juros em 0,25 ponto percentual em abril (reunião nos dias 1 e 2) indo a 11,0%, para então haver uma parada técnica. Mesmo assim, esta tendência só se confirma se os indicadores divulgados forem favoráveis (data dependent).
Taxa de câmbio – O BACEN reduziu os leilões de swap, com as vendas no futuro passando de US$ 500 milhões para US$ 200 milhões diários, mas segue intervindo, com “impactos marginais e não visando defender nenhum patamar do dólar”. Desde o início desta estratégia, em agosto passado, o BACEN já usou US$ 85 bilhões, 22% das reservas. Com a calmaria nos EUA, o dólar desvalorizou 2,8% em fevereiro, negociado próximo a R$ 2,30 neste início de março. O fraco desempenho da balança comercial neste ano (déficit de US$ 6,2 bilhões), a menor liquidez global com possíveis mudanças na política do Fed e tensões externas, como a crise na Ucrânia, devem empurrar o dólar para um patamar próximo a R$ 2,55 ao fim deste ano.
Setor externo – O mercado não parece tão preocupado com as contas do setor externo, dado o nível de reservas cambiais confortável, em torno de US$ 376 bilhões. Em janeiro, o déficit em conta corrente foi a 3,7% do PIB, impactado pela balança comercial deteriorada e o aumento na remessa de lucros e dividendos pelas empresas multinacionais. As agências passam a analisar com mais atenção estas quando o rombo externo supera os 4% do PIB e as reservas cambiais são usadas de forma mais intensa. Sobre isto, o BACEN só deve usá-las em momentos de tensão, de ataques especulativos.
Diante da análise acima, podemos vislumbrar a economia brasileira atravessando um ano de incertezas e volatilidades. A opção do BACEN por uma postura mais ortodoxa na condução das políticas monetária e cambial não deixa de ser um alento, mas as expectativas estão voltadas para como o governo deverá conduzir a política fiscal neste ano, ainda cercada de desconfianças. Se ele assumir uma postura crível, de austeridade, obterá ganhos junto ao mercado, sendo possível que as agências de rating não rebaixem o país.
Caso contrário, este rebaixamento acabará inevitável. Talvez o objetivo do governo seja tentar empurrar este rebaixamento para o futuro. É consenso que um ajuste fiscal mais rigoroso será anunciado no início do próximo mandato, em 2015, não importando quem seja o eleito.
Julio Hegedus Netto é economista-chefe da Lopes Filho & Associados, empresa de consultoria na área de mercado financeiro e de capitais. É bacharel em ciências econômicas pela Universidade Cândido Mendes (UCAM), tem mestrado em política economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestrado em estratégia empresarial pela UCAM. É professor de economia da UCAM. Suas áreas de interesse são: macroeconomia, economia internacional, conjuntura econômica e mercado financeiro
Esse conteúdo foi originalmente publicado no portal do Instituto Millenium