Economista analisa risco de racionamento de energia elétrica em 2014

19/03/2014 07:00 Atualizado: 19/03/2014 09:50

Há perguntas demais e respostas de menos para as questões relativas ao risco de racionamento de energia ainda este ano – que seria um divisor de águas na economia e na política – ainda que o nome “racionamento” venha a ser evitado pelo governo. Para além da capacidade de prever de forma precisa o regime de chuvas, há dúvidas para todos os lados.

Qual o nível mínimo necessário nos reservatórios e sua curva ao longo do ano para evitar o racionamento? Quão confiáveis são esses cálculos dado o assoreamento dos reservatórios? Qual é a capacidade efetiva de oferta de energia das usinas termoelétricas dadas as necessárias paradas programadas para manutenção?

O evento do racionamento, diferente do que se imagina, não é binário – ocorrer ou não -, havendo nuances importantes. Analistas do setor avaliam as condições já presentes de racionamento branco, que envolve eventos como diminuição da tensão da rede, cortes de energia supostamente para manutenção de equipamentos e redução na iluminação pública em horários de menor movimentação.

Assim, além das dúvidas acima, também se questiona qual o nível dos reservatórios que garante a segurança do sistema bem como a oferta de energia ininterrupta e de qualidade. É razoável também questionar a capacidade de reação do governo à crise de forma adequada e tempestiva. O governo está de fato consciente dos riscos? Há algum Plano B? Quem seria o administrador da crise? Haveria um “Pedro Parente” da Dilma (ministro da Casa Civil que coordenou de forma competente as medidas de racionamento em 2001)? Como o quadro eleitoral vai afetar a tomada de decisões do governo? O temor dos custos políticos adiarão medidas racionais ou as medidas ficarão aquém do tamanho do desafio? Quem fará a ponte de interlocução com os agentes envolvidos na crise passada que participaram de um governo de oposição, de forma a aproveitarmos as lições aprendidas?

Pelo histórico recente, nota-se uma dificuldade do governo em reconhecer problemas, e há demora na ação. Por essa perspectiva, o quadro atual não parece muito promissor. As implicações sobre política econômica são incertas, pois dependerão em boa parte da própria reação do governo à crise, o que em última instância definirá o eventual descasamento entre oferta e demanda agregada na economia. Quanto melhor a reação ao choque contracionista de oferta, menor a necessidade de o governo conter a demanda agregada (consumo e investimento).

De qualquer forma, com tantas dúvidas sobre a trajetória de oferta e de preços de energia se avolumando, é difícil não haver impacto negativo nas decisões de investimento, mesmo sem ser decretado o racionamento. A questão será, portanto, acompanhar o desempenho do consumo das famílias. A experiência passada talvez pouco ajude a concluir sobre o impacto na política monetária, pois 2001, além de racionamento, sofreu também de forma intensa o contágio da crise na Argentina e o ataque às torres gêmeas, que acabou gerando grande pressão cambial.

A boa notícia é que hoje o entorno externo parece menos dramático, com contágio mais moderado dos eventos externos sobre os preços de ativos domésticos. Ironicamente, é até possível que a atual crise argentina esteja tendo alguma influência baixista na volatilidade da taxa de câmbio recentemente, pois contribui para que investidores possam diferenciar ainda mais os países emergentes, melhorando a posição relativa do Brasil.

O quadro doméstico atual é também bastante diferente. Às vésperas do racionamento de 2001, a economia acelerava bastante, puxada por crescimento de dois dígitos de exportações. O comércio/consumo das famílias também ganhava ímpeto. A aceleração da inflação era amplificada pelo repasse da pressão cambial exercida pelo contágio da Argentina. Exigiu-se a correção da Selic em 375 basis-points (de 15,25% para 19%) num intervalo de cinco meses.

Conforme foi ficando claro o sucesso do racionamento, como analisado na Ata do Copom de julho daquele ano apontando que a desaceleração no ritmo de crescimento não estava sendo liderada pela queda da oferta, mas sim pela da demanda, incluindo o enfraquecimento no comércio, abriu-se espaço para interrupção da alta da Selic em seguida.

Uma última palavra. Em 2001, a sociedade compreendeu rapidamente a gravidade da situação e houve enorme economia de energia. Mas para isso é necessário dialogar, reconhecendo com lucidez o problema.

Zeina Latif é doutora em economia pela Universidade de São Paulo (USP) e economista-chefe da XP Investimentos. Trabalhou no Royal Bank of Scotland (RBS), ING, ABN-Amro Real e HSBC. Atua como consultora, sendo sócia da Gibraltar Consulting. Escreve colunas semanais para o Broadcast da Agência Estado.

Esse conteúdo foi originalmente publicado no portal do Instituto Millenium