Ontem (26) dei uma palestra na PUC-Rio sobre o filme e o livro “1984″ de George Orwell, que é, sem dúvida, um dos maiores romances da história, com grande base filosófica, onde o autor depura o modo de operação do socialismo de base gramsciana. Dois dos principais institutos desse pensamento político são o duplipensar e a novilíngua, que temos o desprazer de ver no cotidiano da nossa política, e nos protestos do Rio de Janeiro do dia 25, tiveram novamente presença marcante junto ao comportamento dos manifestantes de esquerda.
Duplipensar é a capacidade do agente de esquerda de aceitar dois comportamentos contraditórios como sendo normais, desde que na finalidade de promover a causa, o partido e a revolução. Novilíngua é a capacidade de se distorcer palavras e conceitos em prol da visão da causa, do partido e da revolução. No livro chega-se, inclusive, a haver a criação de um novo idioma, de forma a impedir, dentro do pensamento do indivíduo, a existência de ideias contrárias à causa (o que seria a crimideia, ou crime de pensamento).
Anteontem, no Rio, tivemos três manifestações diferentes em determinados pontos do Rio, como bem mostra a reportagem do Globo. Um ato foi dos Garis, junto à Prefeitura, por melhores condições de trabalho. O segundo contra a criminalização e pela liberdade de protestar (saindo da Candelária em direção à Cinelândia). O terceiro contra o Presidente Maduro, da Venezuela, em frente ao Consulado do país, na Av. Presidente Vargas.
Parte do movimento esquerdista pela liberdade de protestar, que é a favor dessa liberdade apenas quando lhe convém, foi em direção ao protesto contra o Presidente Maduro e, após breve conflito, expulsou os manifestantes anti-Maduro, com a ajuda da Polícia Militar, que eles supostamente desprezam. Agora vejam a ironia da situação: quando o protesto é a favor da causa, o movimento esquerdista defende sua liberdade irrestrita e o fim da intervenção da PM. Quando é contra, defende a intervenção da polícia, a criminalização do movimento e a revogação da liberdade de expressão. Duas ideias absolutamente contraditórias, vivendo em perfeita harmonia de acordo com os fins políticos promovidos. Duplipensar na sua mais fina arte.
Indaguei um dos manifestantes de esquerda que, por uma dessas coincidências da vida, é meu ex-colega de faculdade e de certa forma o considero, porque não?, um amigo. Ele me trouxe várias justificativas para a intervenção do movimento dele junto ao protesto, entre eles que na verdade os protestantes queriam invadir o consulado e que eles estavam a serviço de potências estrangeiras que querem desestabilizar a democracia venezuelana.
Ninguém é louco de invadir consulados. De fato, quem teve essa praxe, no Brasil, foi a esquerda, e não só invadir, mas sequestrar embaixadores também. Só que quando é a esquerda que pratica isso, o verbo não é invadir, mas ocupar, não é sequestrar, mas atacar agentes imperialistas, e por aí vai. Novilíngua para disfarçar os reais objetivos da ação política.
O problema para eles, como ensina George Orwell, é que os idiotas úteis, em regra, nunca chegam ao círculo interno do poder, nunca se tornam parte do Big Brother que controla a tudo e a todos. Se tornam eternos membros do círculo externo, amados pelo Big Brother enquanto são vigiados, tolhidos e controlados para fins particulares da cúpula partidária. Uma existência ainda mais sofrida e idiotizada que a da prole.
Bernardo Santoro é Mestrando em Direito (UERJ), Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política da Faculdade de Direito da UERJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal
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