Famosamente descrito como o “fim da história”, o colapso do comunismo e a vitória do liberalismo perto do fim do século 20 pareciam sugerir que os grandes conflitos ideológicos de épocas anteriores tinham chegado ao fim. Um novo e poderoso consenso formado em torno da noção de que o capitalismo de mercado era a única maneira de organizar a economia e a democracia era a única maneira de organizar a vida política. Este foi o famoso ‘TINA’ de Margaret Thatcher: “There Is No Alternative” (Não há alternativa).
É claro que alguns líderes não se encaixam perfeitamente no novo consenso – Pequim, Teerã, Harare e Riad –, mas esses valores discrepantes estavam claramente do lado errado da história. Era apenas uma questão de tempo antes que o mundo inteiro parecesse, mais ou menos, com Bruxelas. A burocracia pode ser sem graça e chata, mas é melhor do que a guerra, o genocídio e os confrontos violentos de visões de mundo rivais.
Quase um quarto de século mais tarde, o quadro é um pouco diferente. Valores discrepantes se provaram bastante duráveis em Pequim, Teerã, Harare e Riad. A persistência de movimentos nacionalistas e de várias formas de extremismo religioso sugere, além disso, que a história ainda não saiu do palco.
Mas o verdadeiro desafio não veio de fora do modelo triunfante da democracia de mercado. Pelo contrário, ele vem de dentro. O TINA foi acometido com o que poderia ser uma doença fatal.
De muitas maneiras, a flexibilidade do capitalismo e da democracia se provou ideal para a mudança tecnológica acelerada de nossa era atual de Twitter, informação rápida e TV por satélite. Mas há uma grande falha no núcleo da democracia de mercado. Nossos políticos e banqueiros podem responder com gratificações instantâneas. No entanto, eles parecem incapazes de lidar com os problemas em longo prazo. Em suma, eles estão infectados com uma doença tão astuta e poderosa que nem sequer percebem que foram atingidos: a doença da visão de curto prazo.
Campanhas e divisões ideológicas
Considere, por exemplo, o problema das eleições democráticas. Nos Estados Unidos, os membros da Câmara mal tem tempo para se concentrar na legislação. Durante seus mandatos de dois anos, eles têm que passar praticamente todo o período arrecadando dinheiro para a próxima eleição. O problema é apenas um pouco melhor para o presidente, que tem uma janela de oportunidade de 18 meses para fazer passar leis importantes antes de voltar sua atenção para a próxima campanha.
Fazer campanha é apenas um dos efeitos secundários da doença do curto prazo. Devido à necessidade de se pensar em termos de interesses partidários, os políticos raramente discutem além das linhas ideológicas para tratar de problemas de interesse nacional. Instituições como o Supremo Tribunal, com assento vitalício, deveriam ser um controle sobre a visão de curto prazo da política democrática. Mas os juízes frequentemente refletem as paixões políticas do momento – ou pior, do presidente que os nomeou – em vez de assumir uma visão de longo prazo.
As preocupações de curto prazo dos políticos – se eles se concentram em financiar suas campanhas eleitorais ou se enriquecer em detrimento do público – têm gerado protestos ao redor do mundo: na Bulgária, Egito, Turquia, Brasil e em outros lugares. Mesmo nos Estados Unidos, o centro de “promoção da democracia”, o índice de desaprovação do Congresso atingiu o recorde histórico de 83%.
A resposta a esta queda livre no apoio público às elites políticas tem sido invariavelmente: “precisamos de liderança” ou “precisamos de políticos com visão”. Em outras palavras, nossos políticos democráticos não transcenderam as demandas de curto prazo da política para oferecer políticas transformadoras que vão além de correções rápidas ou ajustes imediatistas.
Visão econômica de curto prazo
Mas o problema não é apenas na política. A economia capitalista também está voltada para o ganho de curto prazo. Numa incorporação hostil, uma corporação assumirá o comando de uma empresa moderadamente rentável e demitirá um grande número de funcionário para aumentar a margem de lucro. Muitas vezes a empresa dominada colapsa, mas não antes de algumas pessoas fazerem um monte de dinheiro rápido no negócio. Da mesma forma, corretores que conceberam novos instrumentos financeiros, como hipotecas sub-prime, que serviram de base para a crise financeira em 2008, foram indiferentes aos efeitos de longo prazo de sua inovação. Eles viam apenas a perspectiva de lucro de alto risco em curto prazo.
Na economia também há exceções, por exemplo, os investimentos de longo prazo em fundos de pensão ou o dinheiro mantido na Previdência Social. Mas, cada vez mais, os investidores querem explorar essas fontes de capital e “mercantilizá-las”, isto é, torná-las mais sujeitas a lucros (ou perdas) de curto prazo.
De acordo com a teoria econômica e política, a quantidade de algum modo produz qualidade. Graças à magia do mercado e aos vários níveis de governo democrático, os eleitores e investidores agem em seu próprio interesse de curto prazo e, assim, produzem políticas ou tendências que se somam à estabilidade econômica e política e, em última análise, ao progresso.
Parece bom na teoria. Mas, na prática, nossas instituições políticas e econômicas têm se mostrado singularmente incapazes de lidar com esses problemas de longo prazo, como a degradação ambiental, a desigualdade de renda e a proliferação de armas perigosas. Os políticos estão sujeitos aos interesses de curto prazo, fazendo lobbies, por exemplo, de empresas de carvão. E os atores do mercado têm contribuído para agravar estes problemas por meio do crescimento econômico insustentável, do aumento dos salários de CEOs e das distorções de mercado para, por exemplo, a transferência rentável de armas.
O problema do totalitarismo chinês
É tentador olhar como um país como a China tem lidado com a degradação ambiental. Nas últimas duas décadas, o governo tem investido grandes somas em tecnologias verdes, como painéis solares e turbinas eólicas. A China é hoje um dos principais fabricantes de ambos. Por meio do planejamento econômico e do autoritarismo na tomada de decisão, ela conseguiu direcionar os recursos para uma solução de longo prazo sobre as necessidades energéticas do país.
Mas a China, com sua falta de democracia, não está imune à doença do curto prazo. Para citar apenas um exemplo, o país está rapidamente consumindo seus recursos hídricos e recorrendo a soluções imediatistas – uma enorme transferência de água do Sul para o Norte – para lidar com o problema. Ela está gastando mais de US$ 65 bilhões para adiar enfrentar o desafio mais difícil de reduzir o consumo e tornar a gestão da água mais eficiente.
Então, se a China não é um modelo, o que pode ser feito para curar a doença da visão de curto prazo nas democracias de mercado?
Formular planejamentos de longo prazo
Há duas iniciativas paralelas nos Estados Unidos para formular planejamentos de longo alcance num sistema que parece estar fatalmente viciado na visão de curto prazo. Na esfera política, muitas comunidades estão experimentando com a “democracia deliberativa”, em que os cidadãos se reúnem para ter discussões mais longas e informadas sobre questões políticas que, em seguida, alimentarão o debate maior sobre as escolhas políticas.
Na esfera econômica, o governo Obama tentou aumentar o papel da interação do governo na economia – por meio de gastos de estímulo, de cuidados de saúde universal, de regulação do setor bancário e assim por diante. Esta abordagem mais convencional depende do governo para impor uma perspectiva de longo prazo numa economia voltada para o lucro de curto prazo.
O problema é que a magnitude dos problemas que enfrentamos hoje é enorme. Devemos nos perguntar se nosso sistema pode ser alterado suficientemente nesta fase tardia para evitar que o mundo sofra danos ecológicos irreparáveis. Com toda a propaganda sobre mudança climática, muitos podem ser tentados pelas promessas de ditadores verdes que impõem soluções sem fundamentos sobre populações desesperadas.
Em 1989, nós presunçosamente contemplamos o “fim da história”. Mas agora, precisamente por causa do triunfo de um modelo distorcido pela doença da visão de curto prazo, podemos enfrentar um destino muito pior.
John Feffer é um fellow da Open Society e ex-diretor da Foreign Policy In Focus