Documentário ‘Transcendendo o medo’ conta história de Gao Zhisheng

22/04/2014 06:00 Atualizado: 22/04/2014 19:16

A vida de Gao Zhisheng, um advogado chinês atualmente encarcerado e conhecido por sua coragem em falar contra os abusos dos direitos humanos na China, foi destaque num documentário no ‘Free Thinking Film Fest’ (Festival de Cinema Pensamento Livre) em Ottawa em 3 de novembro.

“Temido pelo Partido Comunista, admirado por milhões de pessoas, sequestrado e torturado, sua vida está por um fio”, estas são as linhas iniciais do documentário de 72 minutos intitulado “Transcendendo o medo: A história Gao Zhisheng”, produzido e dirigido em Taiwan por Wenjing Ma.

“Ele representa o que a China poderia ser, uma China com democracia, direitos humanos e estado de direito”, diz Edward McMillan-Scott, vice-presidente do Parlamento Europeu.

Gao, que é frequentemente chamado de “a consciência da China”, teve sua licença de advocacia caçada e foi “desaparecido” pelas autoridades chinesas várias vezes e severamente torturado por defender ativistas e minorias religiosas e por sua franqueza. Gao está agora encarcerado na remota Prisão do Condado de Shaya, no distrito de Aksu, província de Xinjiang.

Gao nasceu numa caverna numa encosta no norte da China, onde sua família viveu desesperadamente na miséria. Ele começou a trabalhar como trabalhador migrante e depois como um mineiro de carvão com 15 anos. Mais tarde, ele se tornou um vendedor ambulante, mas também estudou para se tornar advogado. Ele foi um dos 1% de candidatos autodidatas que passou no exame da ordem em 1994.

Vítimas de abuso oficial logo começaram a fazer fila em seu escritório e ele começou a ganhar processos contra todas as probabilidades no sistema judicial notoriamente injusto da China. Em 2001, o Ministério da Justiça nomeou-o um dos dez “advogados de honra” numa competição nacional de televisão, embora tenha rescindido o título quatro anos depois, quando ele se tornou um alvo do regime.

Para libertar Gao

Em 2009, Geng He, a esposa de Gao, e seus dois filhos conseguiram fugir ousadamente da China. Viajando em parte a pé e de moto e com a ajuda de outros, eles fizeram seu caminho pela fronteira até a Tailândia e agora vivem nos Estados Unidos.

Desde então, Geng He tem defendido ativamente a libertação do marido. Num evento no Capitólio dos EUA, em 5 de março, ela disse que Gao sempre lutou pelos direitos dos grupos sociais mais vulneráveis na China, incluindo trabalhar gratuitamente para os pobres.

Em 2005, Gao começou a defender os cristãos, os praticantes do Falun Gong e outros grupos sociais perseguidos, disse Geng. Como resultado, as autoridades chinesas atacaram-no abertamente, fecharam seu escritório de advocacia e revogaram sua licença da ordem.

Em agosto de 2006, a polícia sequestrou Gao e, em 22 de dezembro de 2006, condenaram-no a três anos de prisão, com cinco anos de liberdade condicional sob a acusação de “incitar à subversão do poder do Estado”. Durante sua liberdade condicional, Gao foi desaparecido pelo menos seis vezes, numa ocasião por 20 meses, disse Geng. Cada vez que o levavam, ele era severamente torturado.

Quatro dias antes de sua liberdade condicional acabar, a mídia estatal Xinhua informou que Gao Zhisheng estaria na cadeia pelos próximos três anos. No final de 2011, as autoridades secretamente transferiram-no para a distante Prisão do Condado de Shaya, na província de Xinjiang.

Seus familiares estavam muito preocupados com a condição de Gao. Sem saber se ele estava vivo ou morto, eles abordaram as autoridades várias vezes num esforço para visitá-lo, mas foram rejeitados pelas autoridades. Finalmente, depois de 10 meses, a família foi autorizada a vê-lo. No entanto, a polícia proibiu-os de perguntar sobre sua condição e tratamento na prisão.

Geng He disse que nos vários anos que Gao foi perseguido, a polícia vivia em sua casa, monitorando-a e as crianças e impedindo sua filha de frequentar a escola. Isso tudo causou um grande trauma psicológico e emocional na família.

“Nós finalmente conseguimos escapar da China. As maldades cometidas pelo regime autoritário chinês estão gravadas para sempre em nossa memória. Eles mantêm seu regime totalitário com mentiras e violência. Eles simplesmente não têm vergonha”, disse ela.

Geng He disse que tinha esperança que os novos líderes da China libertariam Gao imediatamente e permitiriam que ele se reunisse com a família nos Estados Unidos. Ela também espera que os membros do Congresso dos EUA e do Parlamento Europeu e funcionários governamentais de todos os países continuem seus esforços para ajudar a libertar Gao Zhisheng.

“Quando você escreve uma carta para ele, menciona seu nome em discursos ou solicita encontrar-se com ele, isso lhe dá um grande apoio e serve como uma forma de proteção”, disse Geng.

Defendendo o Falun Gong

David Kilgour, um ex-membro do Parlamento e Secretário de Estado do Canadá, falou após a exibição do filme. O Sr. Kilgour é autor, com o advogado canadense David Matas, do relatório-livro ‘Colheita Sangrenta’, uma investigação independente sobre as alegações de colheita forçada de órgãos de praticantes vivos do Falun Gong na China.

O Sr. Kilgour disse: “A atuação de Gao defendo agricultores que perderam suas terras e cristãos foi bastante séria, mas fazer o mesmo pelos praticantes do Falun Gong, quando o regime proibiu qualquer advogado de representá-los, foi completamente intolerável [para o regime chinês]. Foi Gao que escreveu para nós, convidando-nos a ir à China para investigar o roubo de órgãos vitais de prisioneiros de consciência do Falun Gong. Previsivelmente, o visto não foi emitido posteriormente pela embaixada chinesa em Ottawa e Gao foi detido pouco depois.”

“Suas três cartas abertas ao ex-líder chinês Hu Jintao e outros, protestando contra uma série de abusos, incluindo casos específicos de tortura e assassinato, resultou que seu escritório de advocacia fosse fechado pelas autoridades. Literalmente, multidões de policiais logo começaram a segui-lo e a sua família dia e noite. Numa resposta característica, ele postou os detalhes desta campanha em seu site, renunciou ao Partido Comunista e mais tarde se tornou cristão publicamente.”

“Pouco importa aos líderes do Partido Comunista Chinês que a licença de Gao para advogar tenha sido revogada em 2005, porque ele escreveu uma carta aberta a eles sobre a necessidade de liberdade religiosa, juízes independentes, democracia e estado de direito, ou que sua esposa Geng He e filhos fossem constantemente seguidos, perseguidos e intimidados por agentes da segurança pública, ou mesmo que sua filha Gege de 13 anos tenha sido espancada pela polícia.”

“Nosso relatório sobre a pilhagem de órgãos, publicado em sua primeira forma em 6 de julho de 2006, concluiu que as alegações eram verdadeiras, que há uma pilhagem de órgão em grande escala de praticantes do Falun Gong, que são mortos no processo. Nós fizemos o pouco que podíamos para proteger Gao na primeira versão de nosso relatório evitando mencioná-lo, seu convite para que investigássemos ou suas cartas abertas contra a perseguição ao Falun Gong. No entanto, ficamos profundamente gratos a ele, não apenas por seu exemplo, mas também por sua análise e conhecimento.”

“Quando Gao foi preso quase imediatamente depois, torturado, condenado e sentenciado, ficamos chocados. Mas, considerando o que descobrimos sobre o Partido Comunista Chinês, não ficamos surpresos.”

“O que é impressionante sobre Gao não é tanto que ele tenha se levantado pela justiça e o estado de direito, embora isso também seja admirável, nem que ele tenha sido perseguido, ainda isso seja deplorável. Mas sim que ele manteve sua postura diante da crescente perseguição. Ele não ignorava que isso traria desastre para ele, mas ele foi adiante de qualquer maneira.”