Documentário exibido para oficiais comunista chineses exorciza Gorbachev

23/10/2013 13:00 Atualizado: 07/11/2013 23:50

Mikhail Gorbachev é famoso por ter acabado com o Partido Comunista da União Soviética ao procurar reformá-lo. O dilema enfrentado por Gorbachev está vivo na mente do atual líder chinês Xi Jinping, conforme testemunhado por duas declarações bastante contraditórias que ele fez na Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico (APEC) na semana passada.

A primeira foi: “Quando calculando os benefícios, pense no benefício de todos.” Este lema vem de Chiang Ching-kuo, o ex-ditador de Taiwan que efetivamente supervisionou a transição pacífica do país para a democracia.

Mas se os ouvintes pensaram que Xi Jinping estaria considerando o mesmo destino para a República Popular da China, sua outra observação parecia extinguir essa ideia.

“A China absolutamente não cometerá um erro numa questão fundamental que possa minar o regime”, disse Xi em 7 de outubro no encontro da APEC na Indonésia. A “questão fundamental”, evidentemente, é a continuação do regime totalitário do Partido Comunista Chinês (PCC).

Suas ações na China mostram isso claramente: todo o PCC, chefes de departamentos, líderes provinciais e células de base do PCC foram agrupados e postos para assistir a um documentário sobre o colapso do Partido Comunista Soviético e refletir sobre as lições para o próprio PCC.

Intitulado “Marcando os 20 anos do desastre do Partido Comunista e do país na União Soviética”, o documentário em quatro episódios de 40 minutos cada estabelece em termos sóbrios como o regime soviético entrou em colapso e como o PCC poderia evitar tal fim.

O filme foi produzido pelo Departamento Central de Propaganda e pelos principais teóricos comunistas em janeiro de 2012. De acordo com o Diário Metropolitano de Yanzhou, o filme é feito para ser o melhor profilático contra quaisquer tendências gorbachevianas no PCC.

O filme abre com uma advertência sobre Mikhail Gorbachev, o líder da União Soviética, cuja perestroika, ou reformas políticas, na década de 1980 é amplamente atribuída como causadora da queda do regime: “É preciso primeiramente deixar claro que a palavra que Gorbachev usou para ‘reforma’ na verdade significa ‘recriar’ em russo. As reformas promovidas tão assiduamente pela liderança de Gorbachev e as reformas durante o novo período em nosso país são diferentes em sua essência.”

Em outra parte da série, Gorbachev é chamado de “O traidor que destruiu o Partido Comunista Soviético!”

Isso está longe de ser a primeira vez que uma iniciativa deste tipo é promovida. David Shambaugh, professor de política chinesa na Universidade George Washington, escreve em seu livro de 2009, “China’s Communist Party: Atrophy and Adaptation”, que o fim da União Soviética, bem como o colapso dos estados comunistas do Leste Europeu, “deixaram a liderança chinesa e o PCC profundamente abalados e preocupados com seu próprio futuro”.

Foi “um choque profundo e perturbador”, escreveu ele, precipitando no início de 1990 nas tentativas sistemáticas de análise de como isso ocorreu por estudiosos na Escola Central do PCC, no Departamento de Organização do PCC e em outras instituições. Estudos anteriores tomaram uma visão mais ampla das causas do colapso da União Soviética, em vez de avisos estridentes que apenas focavam em Gorbachev.

O líder chinês Xi Jinping chega a um encontro da APEC em Nusa Dua, num resort na ilha indonésia de Bali (Dita Alangkara/AFP/Getty Images)
O líder chinês Xi Jinping chega a um encontro da APEC em Nusa Dua, num resort na ilha indonésia de Bali (Dita Alangkara/AFP/Getty Images)

Motivos pouco claros

Observadores do cenário político chinês têm desde o início deste ano especulado sobre se Xi Jinping é um verdadeiro reformador que está lançando um conjunto de retóricas neomaoistas a fim de conquistar os radicais do PCC para liberar suas mãos para a verdadeira tarefa de reforma ou se, por outro lado, ele é de fato um esquerdista.

Observações como as que ele fez em janeiro deste ano, que, quando o Partido Comunista Soviético estava desmoronando, “ninguém foi homem o suficiente para se levantar e resistir”, poderiam ser lidas de ambas as formas.

Sejam quais forem os motivos de Xi Jinping, o tremor sobre um resultado soviético mostra os medos do PCC, diz Jason Ma, um comentarista da NTDTV, uma emissora independente em língua chinesa sediada em Nova York. “A ideologia do PCC entrou em colapso. No PCC, até mesmo seus membros questionam quanto tempo o partido durará”, disse ele no programa Focus Talk em 13 de outubro.

Quanto ao documentário recente sobre o colapso da União Soviética, Ma comentou: “Ele está repleto de falsificações e conteúdo emotivo, estilo lavagem cerebral. Durante a União Soviética, apenas suas forças armadas e os Jogos Olímpicos tinham bons registros, mas as pessoas eram muito pobres. Eles tinham de fazer fila às 5h para comprar pão.”

As sessões de educação para membros do PCC foram acompanhadas por uma ampla cobertura na imprensa estatal. O Global Times, um jornal nacionalista sob o Diário do Povo, outra mídia estatal porta-voz do regime, publicou um artigo de opinião intitulado “Observar o exemplo da União Soviética é o requisito mais básico para a China”.

A densa linguagem comunista soou inquietante para Chen Zhifei, um professor da Universidade da Cidade de Nova York, que também apareceu no programa Focus Talk da NTD: “A direção que Xi Jinping está tomando é como a Coreia do Norte. Pelo menos dessa forma ele será capaz de reforçar o regime comunista. Mas se ele poderá realizar seu ‘Sonho da China’ seguindo o caminho da Coreia do Norte para governar a China é questionável. É óbvio que a vida dos norte-coreanos não é boa.”