Ditadura chinesa mantém o “gulag”, embora diga que o aboliu

06/02/2014 18:01 Atualizado: 09/02/2014 23:05

A Assembleia Popular Chinesa, órgão político supremo mas totalmente submisso ao Partido Comunista, anunciou a abolição dos “campos de reeducação pelo trabalho”, ou campos de concentração, no modelo hitlerista ou estalinista para suprimir os dissidentes, escreveu o jornal francês Libération.

“Por volta de 160 mil pessoas estiveram presas em 250 a 3.300 desses campos espalhados pelo país, sem julgamento e por mera decisão administrativa ou policial”, explicou Nicolas Bequelin, da organização americana Human Rights Watch (HRW).

Esse sistema carcerário foi instaurado por Mao Tsé-tung em 1957, com a finalidade de “reeducar” os “intelectuais de direita”. Já no início os condenados podiam ficar presos sem limite de tempo, mas nos anos 80 as penas foram reduzidas no papel a um máximo de quatro anos, renováveis por mais alguns anos.

Na prática, bispos e padres passaram décadas presos e nem se sabe se alguns ainda estão com vida nesses campos de horror. Nicolas Bequelin explicou que a abolição anunciada não significa que o gulag, ou universo reeducacional-carcerário da China, acabou.

Pois paralelamente aos famigerados “campos de reeducação” funciona um sistema carcerário que permanece intacto. Este sistema é alimentado pelo Judiciário marxista. Nele estão encarcerados por volta de um milhão de pessoas distribuídas em centenas de campos, igualmente organizados na base do trabalho forçado.

Esse outro sistema é conhecido como “laogai”, ou “reforma pelo trabalho”. Para tapear as semelhanças com o anterior, esse “gulag” foi renomeado nos anos 90 como “prisão”, sem modificar sua natureza, explicou o especialista. Também o “crime contrarrevolucionário” que serve para condenar os prisioneiros de consciência, foi rebatizado como “crime de subversão contra o poder do Estado”.

Liu Xiaobo, um ativista chinês ganhador do Nobel da Paz, foi condenado a 11 anos de prisão com esta acusação. “O número de prisioneiros de consciência na China atinge dezenas de milhares de pessoas”, esclareceu Bequelin. Nos “campos de reeducação” agora fechados para efeito de propaganda do regime está em curso uma triagem. Os prisioneiros julgados “libertáveis” foram soltos. Mas a maioria ficou presa sob outras formas de reclusão.

Para a maioria dos que ficaram detrás das grades, os campos agora se chamam “campos de reabilitação de drogados”, já que este tipo de preso fica ali também. Mas a condenação é sempre extrajudicial e eles são submetidos a trabalhos forçados.

Nesses campos há também pequenos delinquentes. E sobretudo membros de grupos religiosos, de igrejas cristãs clandestinas, tibetanos, uigures, praticantes do Falun Gong, bem como internautas que ousaram criticar o governo pela rede. O regime assemelha esses presos que professam sua religião ou suas ideias aos criminosos comuns, método aliás velho dos regimes comunistas.

“Tememos que os prisioneiros de consciência acabem aterrissando noutro sistema de detenção administrativa muito usado pelo regime e conhecido como ‘aulas de educação legal’”, disse Bequelin. “Esses centros seletivos de prisão são administrados por autoridades locais que confiscam prédios administrativos ou escolares para prender as pessoas e obrigá-las a assinar ‘confissões’ [renunciando a suas ideias ou fé]. Os que se recusam são submetidos à violência dos guardas prisionais, e não raro são torturados”, concluiu.

Esta matéria foi originalmente publicada pelo blogue Pesadelo Chinês