Direita do Japão visa armas nucleares em disputa por ilhas

01/11/2012 09:00 Atualizado: 31/10/2012 20:03
Conflito pelas ilhas Diaoyu, uma oportunidade para fortalecer os militares japoneses
O navio de escolta Kurama (esquerda) da força marítima de autodefesa japonesa comanda um grupo de navios durante uma revisão da frota na baía Sagami no Japão em 14 de outubro. (Kazuhiro Nogi/AFP/Getty Images)

Por trás do atual impasse entre China, Japão e Taiwan por cinco pequenas manchas de terra no Mar da China Oriental está um influente movimento de direita no Japão que, em primeiro lugar, iniciou a crise; uma crise que está sendo usada para minar a Constituição pacífica do Japão do pós-2ª Guerra Mundial e, possivelmente, quebrar o tabu de meio século de construção de armas nucleares.

A disputa pelas ilhas que a China chama de Diaoyu, Taiwan de Diaoyutai e o Japão de Senkaku, é de longa data, mas transbordou quando o governador de direita de Tóquio, Shintaro Ishihara, provocou um confronto com a China pela tentativa de comprar as ilhas desabitadas de seus proprietários.

Quando o governo japonês comprou três das ilhas, ostensivamente para mantê-las fora das mãos de Ishihara, a China acusou o Japão de “roubar” o arquipélago em disputa.

Eliminando a “alergia nuclear

Ishihara, que tem pressionado há muito pela construção de armas nucleares, é geralmente retratado como um língua solta – o Economist chama-o de “velhaco da direita japonesa” –, mas ele dificilmente é uma anomalia. Toru Hashimoto, líder da Associação Nacional de Restauração do Japão de extrema-direita e reeleito recentemente prefeito de Osaka, é farinha do mesmo saco.

Hashimoto e Ishihara negam o histórico de brutalidade do Japão durante a 2ª Guerra Mundial – em particular, o horrendo Massacre de Nanking na China e a escravização sexual de coreanas – sentimentos ecoados por algumas figuras políticas líderes do Japão, muitos dos quais defendem a aquisição de armas nucleares pelo Japão.

A recente eleição do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe para liderar o Partido Liberal Democrático (PLD) é relevante. O PLD é o favorito para ganhar as próximas eleições e Abe – que se tornaria primeiro-ministro – pede a revogação de um pedido de desculpas de 1993 pelo uso da escravidão sexual pelo Exército Imperial Japonês. Ele também procura eliminar o artigo 9º da Constituição do Japão que proíbe o país de fazer guerra.

E enquanto Abe tem sido vago recentemente sobre armas nucleares, antes de se tornar primeiro-ministro em 2006, ele argumentou que a Constituição do Japão permitia ao país construir armas nucleares, desde que fossem de natureza defensiva. Muitas figuras importantes de seu partido defenderam abertamente que isso deveria ser feito.

Taro Aso, o ex-ministro das Relações Exteriores, e Shoichi Nakagawa levantaram a questão das armas nucleares em 2006, quando Aso era um membro do governo de Abe e Nakagawa era presidente do Conselho de Pesquisa Política do PLD. Abe se recusou a repudiar as declarações de Aso e Nakagawa sobre armas nucleares.

Mas o PLD não é a única seção da elite governante do Japão que está considerando livrar o país de sua chamada “alergia nuclear”.

Ichiro Ozawa – outrora líder do já extinto Partido Liberal e atual líder do Partido Popular Vida Primeiro, o terceiro maior partido na Dieta – diz que o Japão deveria considerar a construção de armas nucleares para enfrentar a “expansão excessiva” da China.

De acordo com o jornalista Hisane Masaki de Tóquio, “O que tem sido considerado um assunto tabu após a 2ª Guerra Mundial está agora sendo discutido abertamente, não apenas pela direita, mas até pela corrente principal.”

Em 1970, o Japão assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear e, no ano seguinte, a Dieta adotou três “princípios não-nucleares”, de não construir, possuir ou hospedar armas nucleares. Atualmente, o Japão tem plutônio suficiente para produzir cerca de 700 ogivas nucleares e os mísseis balísticos para usá-las. A maioria dos especialistas acha que a construção de uma bomba levaria cerca de um ano.

“História de traição”

A direita japonesa também está em guerra contra o que chama de “história de traição”. Seu alvo atual é o enormemente popular romance antiguerra e história em quadrinhos, ou “mangá”, “Barefoot Gen”, de Kakazawa Keiji, um sobrevivente da bomba de Hiroshima.

O mangá já vendeu milhões de cópias, foi transformado em um filme e é usado como um recurso educacional em escolas japonesas. “Barefoot Gen” é altamente crítico aos militares japoneses e às elites que alimentaram sua ascensão ao poder.

Escrevendo no Japan Focus, Mateus Penny, um professor de história na Universidade Concordia de Montreal e especialista em nacionalismo japonês, diz que “Os interessados em desbastar as normas antiguerra do Japão […] agora, pressionam pela remoção do trabalho das salas de aula.”

De acordo com Penny, a direita criou uma organização chamada Associação das Vítimas da Bomba Atômica pela Paz e Segurança que, aparentemente, não inclui qualquer vítima real. Seus porta-vozes são dois direitistas, Tamogami Toshiro e Kusaka Kimindo, que negam o Massacre de Nanking e “pedem armamentos nucleares e a expansão das capacidades militares convencionais do Japão”.

Ilhas disputadas

Toda essa conversa nuclear vem num momento em que o Japão está em desacordo com a China sobre as Senkaku/Diaoyu, com a Coreia do Sul sobre as Dokdo/Takeshima e com a Rússia sobre as Kurile do Sul, embora a situação para cada cadeia de ilhas seja diferente. Atualmente, o Japão controla as Senkaku/Diaoyu, enquanto a Coreia do Sul e a Rússia ocupam os outros grupos de ilhas disputadas.

A reivindicação do Japão pelas Senkaku/Daioyu é instável na melhor das hipóteses e remonta a Guerra Sino-japonesa de 1895. As ilhas foram reivindicadas primeiramente pela Dinastia Ming em 1368 e a Dinastia Qing (1644-1912) considerava o arquipélago parte de sua fronteira marítima ocidental.

De acordo com o estudioso japonês Unryu Suganuma, “Não há ambiguidade sobre as ilhas Diaoyu” serem parte da China, “porque as ilhas pertenciam ao Império Central, ponto final!”

Suganuma diz que os Estados Unidos entregaram a cadeia ao Japão em 1971 durante a Guerra Fria, “porque não queriam que as ilhas caíssem em mãos comunistas”.

Ilusão de longa data

Parte da retórica da direita visa embaraçar o regime do Partido Democrata antes das próximas eleições japonesas, mas alguns vão além de uma postura de véspera de eleição, refletindo uma ilusão de longa data da direita japonesa sobre as capacidades do seu exército.

Kunihiko Miyake, diretor de pesquisa do ‘Canon Global Institute’, disse ao Financial Times que achava que a crise não estouraria devido à força da marinha de autodefesa do Japão e sua aliança com os EUA. “A China não usará a força, porque perderia”, disse ele.

Embora seja verdade que Washington tenha dito que honrará o artigo 5º do Tratado de Segurança EUA-Japão e irá em auxílio do Japão sobre as ilhas Senkaku/Diaoyu, os EUA são neutros sobre quem teria soberania e certamente seria relutante em deixar o Japão se envolver num confronto militar com a China.

O que não impediria o Japão de tentar fazer exatamente isso.

A menos que os Estados Unidos se envolvam, o Japão não é páreo para a China. Enquanto o Japão tem mais navios de guerra de superfície (78 a 48), eles têm muito menos submarinos (18 a 71) e sua força aérea é apenas cerca de um quarto da chinesa.

A direita japonesa gosta de invocar os primeiros dias da 2ª Guerra Mundial quando esmagou as forças britânicas, holandesas e norte-americanas em terra e destruiu boa parte da frota do Pacífico dos EUA em Pearl Harbor.

Mas muitas dessas vitórias foram o resultado da incompetência assombrosa dos Aliados, em vez da superioridade da tradição samurai do Japão. Quando o Japão provocou uma guerra em 1939 com a União Soviética em Khalkin Gol na fronteira entre a Manchúria e a Mongólia, eles se saíram mal.

Mesmo na China, onde Tóquio tinha enorme superioridade em armas e equipamentos, o Japão nunca conseguiu derrotar os chineses, embora tenha matado milhões de soldados e civis.

No fim, é claro, o Japão foi devastado pela 2ª Guerra Mundial, sua economia destruída e suas cidades arrasadas por bombardeios maciços e duas bombas atômicas.

A direita está ansiosa para apagar essas memórias e já conseguiu expurgar a história imperial japonesa em grande parte dos livros de história. “Barefoot Gen” é seu alvo mais recente.

Sinais diversos

A disputa pelas ilhas não parece estar passando, em parte porque o Japão continua enviando sinais diversos. Recentemente, o ministro da Economia do Japão disse que Tóquio “não pode se comprometer”, mas segundo informações da imprensa japonesa, o Japão se prepara para tomar nota das reivindicações da China e de Taiwan, algo que eles se recusaram a fazer no passado.

Uma luta arrastada poderia infligir grandes danos a ambas as economias e há sempre a chance de tropeçar num confronto militar.

O recente “pivô” dos EUA para a Ásia – que inclui o fortalecimento da presença militar – aumenta a tensão na região, especialmente porque envolve a possível colisão de dois poderes nucleares.

A maior tragédia moderna do Japão foi o triunfo do militarismo, mas enquanto as memórias da 2ª Guerra Mundial se desvanecem, há aqueles que gostariam de conduzi-lo pelo mesmo caminho.

Adicionar mais armas nucleares numa situação já perigosa pode ser catastrófico. Isso afundaria o Tratado de Não Proliferação na Ásia – a Coreia do Sul e Taiwan quase certamente seguiriam o exemplo – incrementando uma corrida armamentista regional já perigosa e poderia levar o Japão de volta ao momento da manhã de 6 de agosto, quando, nas palavras de John Hersey, “a bomba atômica brilhou sobre Hiroshima”.

Para mais de ensaios Conn Hallinan visite ‘Dispatches From the Edge’. Cortesia da ‘Foreign Policy in Focus’.

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