A Copa do Mundo domina o imaginário brasileiro como nenhum outro evento. Nenhum outro país venceu a Copa do Mundo tantas vezes quanto o Brasil. A cada quatro anos, o país se transforma em uma seita vivendo em adoração ao Deus Futebol. Sendo assim, não foi surpresa vermos milhares a festejar nas ruas e nas praias, logo que a FIFA confirmou que o Brasil sediaria o evento. Como diz o comercial, o futebol estava voltando pra casa, e isso nos deixava feliz.
Minha satisfação cresceu ao ouvir o então presidente Lula declarar que agentes privados aproveitariam a oportunidade para investir no país. “Essa será a Copa da iniciativa privada”, declarou Lula em 2008. Orlando Silva, então Ministro dos Esportes, garantia que os estádios não receberiam dinheiro público. O dinheiro dos impostos dos brasileiros, ele dizia, seria investido apenas em obras de infraestrutura – o legado que ficaria para os país depois que a Copa terminasse. Os estrategistas do governo construíram uma narrativa com final feliz: um Brasil moderno e próspero, agora também capaz de sediar eventos de importância mundial.
Mas não tardou para que os contribuintes começassem a desconfiar com quem ficaria a conta. A infraestrutura do país não tinha condições de acomodar a Copa do Mundo. Nenhum estádio brasileiro estava dentro dos padrões exigidos pela FIFA.
Nesse ponto, a Copa já tinha se transformado uma das mais visíveis ações dos governos, especialmente do governo federal. As coisas, no entanto, não pareciam acontecer de acordo com os planos originais. Quando a crise financeira e expectativas incertas de lucro afastaram os investidores privados, o governo apareceu com bilhões em crédito subsidiado. Com eleições nacionais e estaduais agendadas para poucos meses depois da Copa, os governos pareciam dispostos a gastar o quanto fosse necessário para colocar um belo evento na televisão. O fracasso não era uma opção.
Hoje está claro que a “Copa do Mundo da iniciativa privada” não foi mais do que um slogan. Investimentos privados foram responsáveis apenas por 15.5% do total investido na “Matriz da Copa” – o plano único que, além dos estádios, inclui transporte público, aeroportos, portos, telecomunicações e segurança. Apesar da promessa de Orlando Silva, 97% do custo total dos estádios foi financiado por dinheiro público, através de crédito subsidiado ou investimento direto. Os gastos totais da matriz totalizaram quase 12 bilhões de dólares, com 85% deles financiados pelo contribuinte brasileiro.
À medida que os gastos cresciam, as expectativas acerca de melhorias na infraestrutura caíam. Brasília construiu o quarto estádio mais caro do mundo, apesar de o melhor clube de futebol da cidade disputar apenas a quarta divisão nacional. Por outro lado, investimentos em transporte público foram substituídos por feriados, na tentativa de diminuir o congestionamento nas cidades durante o torneio. Obras planejadas para levar e trazer torcedores dos estádios só ficarão prontas depois do evento.
A insatisfação da população se tornou evidente em junho do ano passado, em protestos que inicialmente reagiram ao aumento de preços no transporte público em São Paulo. Rapidamente, as demandas dos manifestantes se estenderam para outros temas, entre eles a preparação brasileira para a Copa do Mundo. Enquanto pediam mais investimentos em educação, transporte e saúde, os centenas de milhares de manifestantes questionavam a quantidade de recursos governamentais destinados à construção de estádios.
Além do custo exorbitante do torneio, a violência policial também contribuiu para a queda acentuada na aprovação da Copa do Mundo entre os brasileiros. Uma pesquisa recente conduzida pelo Global Attitudes Project do Pew Research Center verificou que mais de 60% dos brasileiros acreditam que sediar a Copa do mundo foi ruim para o país, afirmando que o dinheiro gasto nos estádios poderia ter sido usado de outra maneira. Na mesma pesquisa, 39% dos entrevistados afirmou que sediar a Copa traria danos à imagem do país no exterior, enquanto apenas 35% disse que imagem do país iria melhorar.
A politização da Copa do Mundo e as narrativas conflitantes alimentadas pelo governo e pela oposição polarizaram o país. De repente, a Copa não era mais um torneio de futebol, o futebol havia se transformado em instrumento político. Lição aprendida: ninguém jamais esperar que algo promovido por políticos seja livre de politicagem.
Mas apesar disso tudo, a aprovação popular da Copa do Mundo deve subir. Depois de despencar de 79% em 2008 para 51% em fevereiro desse ano, o nível de apoio ao evento entre os brasileiros chegou a 60% nos últimos dias, de acordo com o jornal Folha de São Paulo. Com exceção do tratamento dispensado pela polícia a alguns manifestantes – uma mistura de movimentos anti-Copa e grevistas de diversas categorias – a atmosfera no país parece festiva. Centenas de milhares de turistas gozando do clima e se surpreendendo com os preços nacionais, um dos cartões de visita de uma das economias mais fechadas do mundo – 114° lugar no Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation.
Como fazemos de quatro em quatro anos, os brasileiros passaram os últimos dias correndo das escolas e do trabalho para sentarem-se juntos nos estádios ou em frente às televisões, cantando, vaiando, xingando e celebrando. Os estrangeiros estão nas ruas das cidades sedes e os brasileiros acompanham e festejam a Copa como sempre fizeram. No entanto, sediar a Copa do Mundo tem nos ensinado algumas lições. A mais importante delas é que jamais poderemos ser suficientemente céticos em relação às promessas dos políticos. Enquanto tiverem poder para gastar o dinheiro do contribuinte a vontade, mesmo que em projetos que mal lembram os prometidos, eles o farão de forma que favoreça a sua permanência no poder. Dessa vez, não foi diferente. Na preparação para essa Copa, os políticos mais uma vez colocaram o dinheiro do contribuinte para trabalhar em seus projetos eleitorais.
A cruel ironia da Copa de 2014 é compreendermos que os políticos utilizaram o futebol – fonte de inestimável alegria para os brasileiros – para empurrar-lhes uma conta de quase onze bilhões de dólares.
Magno Karl é Diretor Executivo do Instituto Ordem Livre e autor do blog Menos Política.