Dilúvio no Rio soma mais de 870 mortes e pode chegar a mil

03/02/2011 03:00 Atualizado: 14/11/2014 01:09

Imagem de satélite da tempestade sobre o Rio de Janeiro. (NASA)RIO DE JANEIRO – O número oficial de mortes causadas por inundações e deslizamentos que atingiram a região serrana do Rio de Janeiro há três semanas subiu para 873, segundo o boletim divulgado hoje (2 de fevereiro) pela Secretaria de Saúde e Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro. Este número já ultrapassa as 802 vítimas do terremoto de 8,8 graus na escala Richter que devastou o Chile em fevereiro do ano passado.

Até agora, 354 mortes foram confirmadas em Teresópolis, 71 em Petrópolis, 22 em Sumidouro, 4 em São José do Vale do Rio Preto, 1 em Bom Jardim e 421 em Nova Friburgo, que continua a ser a cidade mais afetada.

De acordo com o boletim, mais de 30 mil pessoas tiveram de abandonar suas casas devido à devastação das tempestades, das quais 21.341 foram deslocadas para casas de parentes ou amigos e 9,919 estão acolhidas em abrigos públicos. No total, 91,848 pessoas foram afetadas.

O Ministério Público do Estado do Rio calcula em 423 o número de desaparecidos até hoje devido as inundações. Assim, o número de mortes continua a aumentar todos os dias, podendo chegar a mil.

O Exército, a Marinha, a Força Aérea e a Força Nacional de Segurança também estão trabalhando no resgate de sobreviventes, prioridade estabelecida pela Defesa Civil. Muitas pessoas ainda estão isoladas em nove áreas e as operações encontraram dificuldades devido às chuvas, que, embora mais fraca, continua caindo na região causando mais deslizamentos de terra e mortes, informou a mídia local. Até agora, segundo o jornal Folha, 134 famílias foram resgatadas por helicópteros do exército.

Além do resgate, os militares também estão ajudando na limpeza das estradas, na distribuição de água, alimentos e remédios, na identificação de corpos e no combate contra saques, junto com a polícia.

A infraestrutura erguida na região afetada para apoiar as operações conta com hospitais de campanha e unidades de saúde instaladas pela Marinha, Defesa Civil e Corpo de Bombeiros, e com um centro de busca e salvamento e uma estação terrestre de telecomunicações montada pela Força Aérea. Não há uma data estimada para o final dos esforços de resgate.

Onda de solidariedade

A solidariedade uniu a população do Rio de Janeiro. Organizaram-se espontaneamente postos de coleta de donativos em toda a cidade, que continuam a chegar de todo o país e já somam milhares de toneladas. A região serrana estava lotada por voluntários que vieram de todas as partes de carro, bicicleta e inclusive a pé. O Globo noticiou que um grupo de “jiperos” conseguiu levar ajuda aos lugares não alcançados pelos bombeiros. As doações em dinheiro para contas abertas pelo governo, municípios e instituições diversas também atingiu recordes.

Enquanto muitos subiram a serra para ajudar, também havia aqueles que iam para roubar as vítimas e desviar doações, mas, de acordo com o governo do estado, se tratam de casos isolados. O comando da Polícia Militar também ordenou a prisão de comerciantes que se aproveitaram da crise para cobrar preços exorbitantes por produtos básicos, informou o canal Band.

Reconstrução estimada em 2 bilhões de reais num período de 4 anos

O desastre teve um impacto significativo na economia e infraestrutura da região. O secretário de Agricultura do Rio, Christino Áureo, disse que as perdas no setor agrícola, que é uma vocação da região serrana, chegaram a 269 milhões de reais. Além disso, o comércio, a indústria e os serviços também foram arruinados. “Nova Friburgo é responsável por 25% do lingerie nacional e seu setor de metal-mecânico é responsável por mais de 20% da produção nacional de peças metálicas”, disse o secretário de Desenvolvimento do Rio de Janeiro, Julio Bueno, através de um comunicado de imprensa.

Em cidades turísticas, o setor hoteleiro enfrenta o cancelamento de quase 100% das reservas no período de alta temporada, informou O Globo. O secretário de turismo Ronald Ázaro estimou perdas de 80 milhões de reais no setor.

Segundo o prefeito de Friburgo, a cidade perdeu 30% de seu patrimônio histórico.

A Presidente Dilma Roussef autorizou cerca de 780 milhões de reais para o auxílio das cidades afetadas pelas chuvas. Na tarde de quarta-feira (26 de janeiro), o Banco Mundial (BIRD) emprestou 485 milhões de dólares para apoiar um programa de obras e prevenção de desastres no estado do Rio de Janeiro, segundo a AFP.

Na quinta-feira, 27 de janeiro, Roussef anunciou a construção de 8 mil casas para os desabrigados, em parceria com o governador Sergio Cabral e um grupo de empresas de construção, informou a Agencia Brasil. Mais de 5 mil famílias se inscreveram para receber 12 meses (400 a 500 reais) do Aluguel Social, programa do governo estadual do Rio que financiará o aluguel dos desabrigados. De acordo com a Defesa Civil, o governo federal enviou até agora 4 mil cestas de alimentos para o estado.

O Ministério Público começou a remoção dos moradores de Nova Friburgo em 18 pontos considerados de alto risco, informou O Globo. O Vice-Presidente Michael Temer planeja emitir um decreto (Medida Provisória) para punir os gestores que não impediram que se construísse em áreas de risco.

De acordo com especialistas e autoridades, a reconstrução total da região custará pelo menos 2 bilhões de reais e pode levar quatro anos.

A população agora sofre com enfermidades

Conforme relatado pelo portal Terra.com, os serviços básicos começaram a restaurar mais da metade da região das serras e a receber água e eletricidade. Mas uma nova ameaça ronda o lugar: a propagação de doenças contagiosas. 28 casos de leptospirose já foram confirmados pelos prefeitos locais e 140 pessoas estão sob suspeita. Especialistas acreditam que há um surto desta doença que é transmitida por água contaminada com urina de rato.

Embora uns planejem deixar a região, outros voltaram a ocupar casas em zonas de risco, apesar da proibição.

Planejamento urbano e defesa civil

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), afirmam ter avisado com dias de antecedência sobre as fortes chuvas na região serrana do Rio, informou O Globo. No entanto, a ausência de um radar capaz de monitorar o desenvolvimento da tempestade e a falta de agilidade [dos prefeitos, etc.] fizeram as pessoas serem pegas de surpresa.

O sistema de alerta de inundação do Instituto Estadual do Ambiente (INEA) em Friburgo também gerou um alarme para a cidade, que não teve agilidade para evacuar a zona. Poucos meses antes da tragédia, 19 estações meteorológicas na cidade de Petrópolis, que poderiam ter alertado a população duas horas antes, foram fechadas, informou O Dia.

Dois anos atrás, após as chuvas que causaram 11 mortes em Nova Friburgo no início de 2007, e para evitar “tragédias similares, e inclusive mais grave”, o Ministério Público do Rio de Janeiro já havia ordenado a remoção e reassentamento das comunidades irregulares. Mas o julgamento estava pendente na Justiça e nada foi feito até hoje.

A falta de planejamento e infraestrutura urbana, tecnologia, treinamento e políticas públicas de defesa civil são consenso entre especialistas e autoridades.

Segundo o Dr. Jorge Henrique Prodanoff, professor do Departamento de Recursos Hídricos e Meio Ambiente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o problema é a falta de vontade política, já que os organismos governamentais contam com técnicos e projetos, porém estes não saem do papel. “As obras de infraestrutura como drenagem e saneamento básico não atraem votos, porque estão no subsolo e não aparecem.” Segundo o especialista, o desmatamento não foi uma causa fundamental da catástrofe, já que as encostas que desabaram estavam cobertas por bosques. “A camada de terra das colinas na região serrana do Rio são mais profundas do que as do estado de Minas Gerais, por exemplo, e deslizam uma vez que uma quantidade maior de água se infiltre. Portanto, deve haver um sistema para absorver essa água.”

Prodanoff apresentou ao Epoch Times sua solução para evitar desastres causados por enchentes. “Deve haver um mapeamento completo de risco, obras de contenção de encostas e a drenagem das áreas ocupadas. Ao mesmo tempo, devemos construir reservatórios para absorver a água da chuva. Mas só grandes piscinas não serão suficientes para reter toda a água que cai sobre uma cidade, como acabamos de ver nas enchentes de São Paulo e na Austrália. Eu acredito em microssoluções: cada casa ou prédio pode ter seu próprio tanque de armazenamento subterrâneo e reutilizar de diversas maneiras essa água. Hoje em dia utiliza-se água tratada, a mesma que bebemos, para lavar carros e calçadas.”

Margareta Wahlström, secretária-geral da ONU para a Redução de Desastres, explicou à BBC que além da maior densidade populacional, a falta de planos de emergência eficazes explica o maior número de vítimas no Rio do que na Austrália, que têm geografias semelhantes. “Muitas regulamentações existem no Brasil, o problema é que nem sempre se cumprem”, acrescentou ela.

Sistema nacional de prevenção e preparação contra desastres naturais

Numa reunião ministerial em 17 de janeiro, a Presidente Dilma Roussef anunciou a criação de um sistema nacional de prevenção e alerta contra desastres naturais e a reestruturação da Defesa Civil brasileira, que terá maior participação das Forças Armadas, informou O Globo.

Dilúvio na região serrana do Rio

Na madrugada de 12 de janeiro, 24 municípios na região serrana do estado do Rio de Janeiro foram afetados pelas fortes chuvas que causaram inundações, deslizamentos de terra e centenas de mortes. A tragédia é considerada o maior desastre natural na história do Brasil e foi classificado como um “desastre em grande escala” pelo secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon.

Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), choveu 300 milímetros em cerca de 4 horas, o equivalente ao volume previsto para 20 dias. Os municípios mais afetados foram: Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto, Bom Jardim, Areal, Bom Jesus do Itabapoana, Cambuci e Sapucaia.

Avalanches e deslizamentos de terra provocados pelas tempestades destruíram estradas, soterraram inúmeras casas e apagaram bairros inteiros do mapa, alterando a geografia da região. Em alguns lugares, apenas restos de telhas revelam que um dia o lugar era habitado, disse a enviada do Globo ao local, Jaqueline Ribeiro. Contos incríveis de sobrevivência e referências ao dilúvio bíblico abundam na região.

A inundação nas serras do Rio de Janeiro foi fotografada a partir do espaço por satélites da NASA, que mostraram uma grande massa de ar frio cobrindo a região sudeste do Brasil entre 9 e 12 de janeiro. Pelo menos cinco outros estados também foram afetados pelas fortes chuvas, São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais, Paraná e Espírito Santo, resultando em mais de 56 mortes, 91.639 desalojados e milhões de pessoas afetadas, segundo informações da Defesa Civil desses estados.

Precedentes

Até mesmo o lugar onde o mestre Tom Jobim compôs a canção “Águas de Março”, um sucesso musical no final dos anos 50, que descreve os danos das chuvas verão em Poço Fundo, foi destruído. No estado do Rio de Janeiro, a fortes chuvas de verão são comuns nesta época do ano e com frequência causam danos, no entanto, ao longo do tempo, sua intensidade tem aumentado.

Em 1º de janeiro do ano passado, 49 pessoas morreram soterradas por deslizamentos de terra provocados pela tempestade que atingiu a cidade de Angra dos Reis. Em 5 de abril, tempestades severas golpearam a capital do Rio de Janeiro, causando avalanches, deslizamentos de terra e mais de 250 mortes.

Em junho de 2010, a região Nordeste também sofreu com inundações, que mataram cerca de 60 pessoas nos estados de Pernambuco e Alagoas.

Janeiro já registra 1.195 mortes por tempestades em sete países

Nas últimas semanas, inundações também mataram 266 pessoas em seis outros países além do Brasil (929), Filipinas (71), Sri Lanka (27), Austrália (32), Alemanha, Moçambique (13) e África do Sul (123), sem contar as tempestades de neve nos Estados Unidos.