A presidente Dilma Rousseff vai anunciar no dia 23 de abril, durante evento em São Paulo com representantes de dezenas de países, uma espécie de ‘Marco Civil da Internet mundial’, que deve reduzir o poder de governos, em especial dos Estados Unidos, na regulação e governança da internet, e também que deve dar maiores garantias à privacidade dos usuários. A proposta é uma resposta direta à espionagem conduzida pelos órgãos de inteligência norte-americanos à presidentes, como Dilma e Angela Merkel (Alemanha), e empresas de diversos países.
Como o Link já havia adiantado, o texto do “Marco Civil Mundial” já está concluído desde a semana passada. Segundo Demi Getschko, conselheiro do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), o texto se apoiará no Decálogo do CGI.br, documento que descreve os princípios “para a governança e uso da internet no Brasil” e que serviu de base para a construção do Marco Civil da Internet brasileiro. “A chance de criarmos uma legislação única para a internet é pequena”, diz Getschko. “Por isso, estamos propondo uma versão mais simples do Decálogo.”
O texto que irá para a NETmundial foi vazado pelo Wikileaks e indica que espionagem será o elemento mais atacado do evento, que promete defender a privacidade e a internet aberta.
O objetivo do governo, segundo antecipou ao Estado o novo ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Cleio Campolina, é aproveitar o evento NETmundial, que ocorrerá em São Paulo e receberá representantes dos Estados Unidos, da China, Rússia, integrantes da União Europeia e outros países, para “dar início oficial a discussão sobre a governança da internet no mundo”.
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Em sua primeira entrevista exclusiva, o novo ministro afirmou que o evento na capital paulistana será a primeira grande reunião internacional “pós-Snowden”, em referência a Edward Snowden, ex-funcionário da agência norte-americana NSA, que revelou no ano passado as operações de espionagem conduzidas pela agência do governo dos EUA contra autoridades públicas e privadas em diversos países. O escândalo, segundo o ministro, ajudou a criar as condições para a discussão de um “marco civil da internet mundial”, que Dilma irá propor dentro de 15 dias.
O plano tem como centro a ideia de que “a governança da internet não pode ser feita por governos”, disse o ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, e por isso, órgãos grandes, como o americano ICANN, que faz o registro de nomes, domínios e endereços IPs, devem ser abertos, e seguir normas comuns. A ideia é fazer o ICANN, que pertence ao governo dos Estados Unidos, se assemelhar ao IETF – uma comunidade internacional aberta, que cuida da internet do ponto de vista técnico, identificando problemas de funcionamento e desenvolvendo soluções. A proposta que Dilma apresentará será o primeiro passo.
“Não existe uma institucionalidade mundial para regular o comportamento dos cidadãos em todos os países, cada um tem que ter o seu, mas precisamos construir um senso comum. Ficar do jeito que está levará a barbárie. Estamos iniciando um processo irreversível”, disse Campolina. Um dos principais temas que será levantado por Dilma é o da privacidade. “Não há nenhum órgão que faça a governança da privacidade, e isso precisa mudar”, disse o novo ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Segundo o ministro Campolina, a proposta brasileira será bem recebida pela comunidade mundial porque virá de um país de democracia estável, sem histórico de agressões aos vizinhos. “Não somos um país militarizado, não agredimos vizinhos, e não espionamos ninguém. Isso cria as condições para que nossa proposta seja discutida por todos os demais países”, afirmou.
Um trunfo para o governo brasileiro é a recente aprovação na Câmara dos Deputados do projeto de lei que cria o Marco Civil da Internet no País. Em tramitação no Senado, o projeto precisa ser aprovado pelos senadores para então ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff e assim entrar em vigor.
“Essa legislação dará um arcabouço legal seguro para o crescimento da internet no Brasil. As empresas vão saber quais são as regras, e até onde elas poderão ir, tendo as responsabilidades de cada agente bem definidas. O marco civil também vai facilitar questões judiciais. Nenhum país tem algo parecido com o que estamos propondo”, afirmou o secretário de políticas de informática do MCTI, Virgílio Almeida, que também é o coordenador do Comitê Gestor da Internet (CGI) no Brasil. O ministério aposta que o Marco Civil será aprovado pelo Congresso Nacional e, assim, entrar em vigor até o final do ano.
Segundo Almeida, o Marco Civil brasileiro “privilegia os direitos do cidadão na internet, diferente de outros países”, como os Estados Unidos, onde é possível coletar informações de e-mails e na Europa, onde o usuário pode ser retirado da internet. “Nós daremos responsabilidades a todos, é claro, mas o Marco Civil principalmente garante o direito à privacidade. Isso e a liberdade de expressão estão em primeiro lugar aqui. Na conferência NETmundial teremos países que não concordam 100% com nossos princípios, outros que sim, então podemos dizer que o Brasil chegará com uma proposta no meio do caminho”, disse.
Essa matéria foi originalmente publicada pela OCC – Alerta Brasil