As três frases que um médico brasileiro precisa conhecer para se tornar chefe de seus colegas no serviço público são: “isso sempre foi assim”, “eu não estava sabendo disso”, e “desde que fique bom pra vocês; por mim tudo bem”. Foi esse tipo de gente que tornou possível o advento de uma aberração como o Programa Mais Médicos. Filiados ao PIP – Partido do Interesse Próprio, mais de uma vez meus chefes garantiram que não tinham qualquer ligação formal com o PT. Acredito piamente no que me disseram! Não tenho qualquer dúvida da sua “independência” e até mesmo aversão ao partido dos petralhas, mas mesmo assim afirmo que são o tipo de gente preferida por esses bandidos para manter a administração pública sob seu controle.
A característica fundamental dos chefes, coordenadores, diretores, gerentes, ou seja lá qual for o nome que tenham essas criaturas que coordenam os serviços públicos brasileiros no governo petista, não é o fanatismo, não é a convicção no socialismo nem a militância política, mas sim a mais completa indiferença, omissão e negligência com o que acontece no seu ambiente de trabalho. Um chefe, para servir ao PT, deve ser alguém completamente “apolítico”: sua integração com os interesses do partido deve dar-se de maneira silenciosa, não ativamente. É calando-se com relação a tudo aquilo que sabe estar errado que esse tipo de mau-caráter sobe na vida chegando aos altos cargos de direção. Sua consciência política é zero! Ele não tem – nem poderia ter – qualquer tipo de opinião a ser defendida perante os seus superiores. Trata-se normalmente de alguém tecnicamente medíocre e moralmente amorfo, um burocrata que usa frases como “isso chegou até mim” e “isso veio de cima, infelizmente não posso fazer nada”.
Desde 2003, toda máquina pública brasileira tornou-se refém desse tipo de gente. Nos hospitais brasileiros, mesmo que ocupem os cargos técnicos, essas criaturas curvam-se docilmente às ordens finais da legião de alcoólatras, militantes dos movimentos de minorias e sindicalistas que tem a palavra final em praticamente tudo que vai ser decidido.
Há muitos anos esse processo de aparelhamento vem acontecendo. A tomada de decisões nesse tipo de organograma é feita a partir do conceito de “centralismo democrático”; em outras palavras: uma ordem é dada por alguém que, muitas vezes, sequer é conhecido pelos subordinados e transmitida numa cadeia de hierarquia de forma que só se sabe que “veio de cima”. É a mediocridade e a covardia dos intermediários nesse “telefone sem fio” que garantem o cumprimento rigoroso da estratégia do partido-religião. O efeito da administração dessa ralé na saúde pública do Brasil está cada vez mais evidente: falta tudo! Desde soro fisiológico até fio de sutura; o que se observa dentro dos hospitais é uma carência total no que se refere às mínimas condições de trabalho. Os setores de compras dos hospitais públicos, por exemplo, são administrados (aí sim) por gente de confiança do partido que não saberia a diferença entre um litro de soro fisiológico e um de Coca-Cola. Esse estado caótico de coisas é acompanhado, além do mal-estar, pela sensação terrível de que nada há a ser feito, pela ideia de que “não é culpa de ninguém” e pelo contínuo pavor de ver-se envolvido em sindicância e inquéritos administrativos sem fim.
É fundamental apontar entre os médicos brasileiros a existência de uma classe de canalhas, de um grupo de médicos capazes de fazer qualquer coisa (na prática deixar de fazer) a fim de receber uma “gratificação por cargo de chefia” no contracheque. 1500 a 2500 reais por mês são suficientes para que essa ralé esqueça tudo que aprendeu, para que traia tudo que jurou e para que abandone seus colegas de profissão a mercê das patrulhas de “profissionais da saúde” dentro dos hospitais. Verdadeira legião de recalcados, esse último grupo serve para fazer o trabalho sujo do PT: para conduzir abaixo-assinados, elaborar memorandos e fazer queixas capazes de colocar as notas das avaliações funcionais (dos famosos estágios probatórios) dos seus inimigos políticos em níveis vergonhosos.
Tudo isso que escrevi aqui eu enfrentei, e enfrento até hoje, pessoalmente. Meu caso está longe de ser o único. A guerra que os médicos brasileiros estão enfrentando dentro da administração pública está muito longe de ter um fim. Os efeitos todos nós sabemos quais são: tristeza, sensação de impotência, abandono e a já conhecida sensação de que “ser médico não vale à pena”.
Um recado meu e de todos os verdadeiros médicos brasileiros a essa escória que administra a saúde no Brasil: ainda não desistimos. Ainda estamos aqui!
Milton Simon Pires é médico cardiologista.
Essa matéria foi originalmente publicada pela Mídia Sem Máscara