Diferenças entre intervencionismo e verdadeiro livre mercado

10/03/2014 12:11 Atualizado: 10/03/2014 12:11

Ao longo de toda a história humana, foram várias as manifestações de movimentos ideológicos coletivistas. Especialmente nas décadas de 1930 e 1940, em várias partes da Europa, estes movimentos se tornaram mais explícitos e radicais, e assumiram suas extremadas formas de comunismo, fascismo e nazismo. Todas estas três ideologias representavam a total rejeição da liberdade econômica, do livre mercado e da liberdade individual.

Atualmente, o comunismo, o fascismo e o nazismo — ao menos no formato que assumiram no século XX — estão mortos. Eles fracassaram miseravelmente, tendo produzido nada mais do que genocídios, forme, devastação e miséria. Embora sejam vários aqueles que alegam — em todos os eixos do espectro político ideológico — que o capitalismo triunfou sobre estas ideologias, a verdade é que o sistema econômico que hoje existe ao redor do mundo está muito longe daquilo que economistas liberais-clássicos como Mises consideravam ser uma economia de livre mercado.

O que seria uma verdadeira economia de mercado? Quais as características indispensáveis que uma economia deve apresentar para ser considerada de livre mercado? Os nove princípios a seguir definem, em minha opinião, uma genuína economia de livre mercado:

1. Todos os meios de produção são propriedade privada, seja de indivíduos ou de empresas.

2. Os proprietários destes meios de produção têm total liberdade para utilizá-los da maneira que mais lhes aprouver, sem estipulações estatais, sem restrições e sem regulamentações (a única restrição óbvia é não agredir a vida, a propriedade e a liberdade de terceiros).

3. A demanda dos consumidores é o que realmente determina como estes meios de produção serão utilizados.

4. As forças concorrenciais da oferta e da demanda determinam os preços dos bens de consumo e dos vários fatores de produção, inclusive da mão-de-obra.

5. A livre concorrência é plena, o que significa que não há restrições à entrada de indivíduos ou empresas em nenhum tipo de mercado. Não há empecilhos burocráticos e não há agências reguladoras determinando quem pode e quem não pode entrar num determinado mercado.

6. O sucesso ou o fracasso de empresas e empreendimentos é determinado exclusivamente pelos lucros e pelos prejuízos destas empresas, os quais, por sua vez, decorrem de sua capacidade de vencer a concorrência das empresas rivais no mercado e mais bem satisfazer as demandas dos consumidores. Não há programas de socorro governamental a nenhum tipo de empresa falida, inclusive bancos.

7. O mercado não está restrito a transações domésticas. Há plena liberdade de comercializar com pessoas de todos os cantos do mundo, sem restrições governamentais, sem tarifas protecionistas.

8. O sistema monetário é completamente separado do Estado. O governo não possui controle algum sobre o dinheiro, e este não é de curso forçado. Não há um banco central protegendo o sistema bancário e imprimindo dinheiro para expandir o crédito, determinar juros e estimular os lucros dos bancos. Há plena liberdade de entrada no setor bancário. A moeda será aquela voluntariamente escolhida pelos cidadãos.

9. O governo é restrito a níveis locais e sua atividade consiste unicamente em proteger a vida, a liberdade e a propriedade das pessoas.

Por essa definição, nenhum país do mundo é atualmente uma sociedade de livre mercado (embora haja várias gradações que deixem alguns — majoritariamente as cidades-estados — mais perto destes critérios). Sendo assim, que tipo de sistema econômico existe hoje no mundo? Mises explicou isso em sua coleção de ensaios de 1929, Uma Crítica ao Intervencionismo:

Quase todos os teóricos de política econômica e quase todos os estadistas e líderes partidários estão procurando um sistema ideal que, em suas crenças, não deve ser nem capitalista nem socialista, e que não se baseie nem na propriedade privada dos meios de produção e nem na propriedade pública. Estão procurando um sistema de propriedade que seja restrito, regulado e dirigido pela intervenção governamental e por outras forças sociais, como os sindicatos. Denominamos tal política econômica de intervencionismo, que vem a ser o próprio sistema de mercado controlado.

Uma economia intervencionista

Eis a seguir os nove pontos que definem uma economia intervencionista:

1. Os meios de produção podem ser propriedade privada, mas seu uso é restringido e regulamentado pela autoridade política.

2. O governo pode estipular, restringir ou regulamentar o modo como os meios de produção são utilizados, bem como pode proibir ou regular o acesso a determinados setores da economia, ou mesmo estipular que apenas ele, o governo, pode incorrer em determinada atividade comercial.

3. A demanda dos consumidores não é o único fator a determinar como os meios de produção serão utilizados. O governo pode impor regulamentações estipulando metas de produção, obrigando a prestação de serviços em determinados mercados sem demanda ou proibindo a produção de determinados tipos de produtos ou serviços.

4. O governo influencia ou até mesmo controla a formação dos preços de vários bens de consumo e de fatores de produção, inclusive da mão-de-obra. O governo manipula os efeitos do mercado — isto é, das leis de oferta e demanda — sobre o sucesso ou o fracasso de várias empresas, influenciando as receitas das empresas por meios artificiais como regulações de preços, políticas de compra de estoques excedentes, limites à liberdade de entrada nos mercado, subsídios diretos e indiretos, e redistribuição de riqueza.

5. A livre concorrência é tolhida por vários tipos de restrição à entrada em vários setores da economia. Agências reguladoras determinam quem pode e quem não pode entrar num determinado mercado, bem como quais serviços as empresas escolhidas podem ou não ofertar, e quais preços podem cobrar.

6. O governo pode escolher quais empresas podem falir e quais devem ser socorridas com o dinheiro dos pagadores de impostos. Os pequenos são utilizados para cobrir os prejuízos dos grandes com boas conexões políticas e sindicais.

7. A liberdade de entrada de produtos estrangeiros no mercado doméstico é desestimulada ou mesmo impedida por meio de proibições, tarifas ou quotas de importações. O mesmo se aplica à entrada de potenciais empresas estrangeiras que possam rivalizar com empresas nacionais já estabelecidas.

8. O sistema monetário é inteiramente regulado pelo governo, que detém o monopólio da moeda e impõe sua aceitação obrigatória para todos os cidadãos. Um banco central protege e carteliza o sistema bancário, além de manipular os juros e o valor do dinheiro ao determinar a que taxa sua quantidade na economia deve ser aumentada. A expansão do crédito é determinada pelo governo e não pela poupança voluntária dos cidadãos. Todas estas medidas são utilizadas como ferramentas para afetar o emprego, a produção e o crescimento da economia.

9. O governo está presente em várias áreas da economia e da vida das pessoas, possui abrangência nacional e não está limitado à proteção da vida, da liberdade e da propriedade.

É importante observar que o sistema intervencionista representado por estes nove pontos só pode ser implementado por meios violentos e coercivos. Somente o uso da força, ou a ameaça do uso da força, pode fazer as pessoas incorrerem em ações diferentes daqueles em que elas incorreriam voluntariamente sem a intervenção do governo. Sendo assim, embora a intervenção estatal seja normalmente discutida como se fosse “política pública”, a verdade é que não há nada de “pública” nela. Intervenções são políticas coercivas implantadas por políticos e burocratas visando ao interesse próprio e de seus favorecidos.

Compare estas políticas ao livre mercado, ou à economia desobstruída, como foi definido acima. O que é mais evidente é a natureza voluntária de arranjos sociais genuinamente baseados em transações de mercado. A violência ou a ameaça de violência é reduzida a um mínimo, e o indivíduo adquire a liberdade de viver sua própria vida e de aprimorar suas circunstâncias por meio da livre associação com terceiros.

Exatamente por isso é importante compartilhar com um maior número possível de pessoas uma visão clara e persuasiva a respeito da sociedade livre e da economia de livre mercado. Apenas esta difusão de ideias pode, se não pôr um fim, ao menos restringir bastante esta era do Estado intervencionista, levando-nos para um pouco mais perto da liberdade humana, que é um direito natural de qualquer indivíduo.

Richard Ebeling leciona economia na Northwood University de Midland, Michigan, é um scholar-adjunto do Mises Institute e trabalha no departamento de pesquisa do American Institute for Economic Research

Tradução de Leandro Roque

Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil