Na China, a prática de usar doenças mentais como pretexto para deter alguém é tão comum que recebeu uma denominação: “ser adoecido mentalmente”. Uma nova lei de saúde mental deveria restringir a prática de admitir pacientes involuntários em hospitais psiquiátricos, mas o teor vago dá grande margem à continuação dos abusos.
Um grupo de pessoas na China que foi submetido a tratamento psiquiátrico forçado tem se chamado de “sobreviventes de hospitais psiquiátricos” e, em agosto de 2012, estabeleceu a Rede Chinesa de Usuários e Sobreviventes Psiquiátricos (RCUSP). Seus membros incluem advogados, jornalistas, psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros que trabalham em hospitais psiquiátricos e médicos.
No dia 10 de outubro, que é o Dia Mundial da Saúde Mental, o RCUSP lançou seu “Relatório sobre exame médico psiquiátrico”. O texto inclui relatos de sobreviventes, dicas de autoajuda, conhecimento médico básico e informações sobre como recorrer.
A autora do relatório RCUSP, uma mulher de pseudônimo A-Li, foi submetida a tratamento psiquiátrico forçado, segundo uma reportagem da Rádio Free Asia (RFA).
Originalmente uma gerente de uma empresa internacional em Zhenjiang, na província de Jiangsu, ela foi diagnosticada com “transtorno psicótico agudo transitório” em abril de 2007, após procurar tratamento para sintomas de intoxicação relacionados a renovações no local de trabalho.
No 4º Hospital Popular da cidade de Zhenjiang, A-Li foi contida e administrada várias drogas. Os médicos forjaram a assinatura de sua família e fabricaram seu prontuário médico.
Uma nova lei de saúde mental, a primeira do tipo na China, entrou em vigor em abril deste ano depois de levar 27 anos sendo esboçada. Ela proíbe que pessoas com problemas de saúde mental sejam forçadas em tratamento, com exceção de “casos graves” ou quando uma pessoa coloca em risco a si mesma ou aos outros. No entanto, as definições de tal formulação como “casos graves” ou “pôr em perigo” permanecem vagas e abertas a interpretações dúbias.
De acordo com dados de 2010, compilados pelo Centro de Controle de Doenças da China, 100 milhões de pessoas têm algum tipo de doença mental. Não está claro quantas dessas pessoas têm realmente problemas mentais e quantas são injustamente rotuladas como tal.
Peticionários, dissidentes e religiosos
Usar a desculpa de doença mental para deter indivíduos tem uma longa história na China e em outros países comunistas e ex-comunistas. Peticionários, dissidentes políticos e religiosos têm sido as vítimas mais comuns.
Xu Xiangdong, o diretor do 4º Hospital Popular de Urumqi, capital da província de Xinjiang, Oeste da China, disse ao site de notícias Yaxin que 70-80% dos internados em hospitais psiquiátricos foram postos lá contra sua vontade.
Desde que a perseguição à disciplina espiritual e prática de meditação do Falun Gong começou em julho de 1999, milhares de pessoas foram postas à força em hospitais psiquiátricos, geralmente em instituições secretas geridas pela polícia.
Praticantes do Falun Gong foram tipicamente diagnosticados com “disfrenia”, uma síndrome que não aparece em qualquer classificação de doenças da Organização Mundial de Saúde ou do estabelecimento médico chinês. Uma vez internados, eles são submetidos a “tratamento” tortuosos, que, em muitos casos, levam a vítima à morte.
Se a nova lei terá qualquer autoridade sobre os hospitais da polícia não está claro. A-Li disse à RFA que, apesar da nova lei, hospitais ainda rotulam pacientes como doentes mentais apesar dos fatos e que esses erros de diagnóstico raramente são investigados.
Reverter os diagnósticos equivocados e os danos causados não é fácil. “Os resultados de petições não foram muito bem sucedidos… De inúmeras queixas, apenas um punhado recebeu qualquer tipo de compensação”, disse A- Li.