Desvendando história evolutiva do grupo mais comum de aves da Amazônia

04/03/2014 10:24 Atualizado: 04/03/2014 12:59

A história evolutiva de um grupo bastante diverso de aves, composto por mais de 230 espécies que representam aproximadamente 10% da avifauna brasileira, está prestes a ser desvendada.

Pesquisadores do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP) estão concluindo a filogenia – estudo da relação evolutiva entre espécies – de aves da família Thamnophilidae, conhecidas popularmente no Brasil como papa-formigas.

Desenvolvido no âmbito do projeto de pesquisa “Sistemática, biogeografia e evolução fenotípica dos Thamnophini (aves Thamnophilidae): uma aproximação baseada em sequenciamento maciço de DNA”, apoiado pela FAPESP, alguns dos resultados do estudo foram apresentados na quarta-feira (26/02), último dia do UK-Brazil-Chile Frontiers of Science.

A Royal Society, do Reino Unido, a FAPESP e as Academias Brasileira e Chilena de Ciências organizaram o evento em Chicheley, no sul da Inglaterra, com o objetivo de fomentar a colaboração científica e interdisciplinar entre jovens pesquisadores brasileiros, chilenos e do Reino Unido em áreas de fronteira do conhecimento.

“Estamos concluindo a primeira filogenia da família Thamnophilidae. Já temos amostras de 99% das espécies e agora temos uma hipótese bastante completa da história evolutiva desse grupo de aves”, disse Gustavo Adolfo Bravo Mora, pesquisador do Museu de Zoologia da USP, à Agência FAPESP.

De acordo com o pesquisador, os papa-formigas representam o grupo mais comum de aves da Amazônia, com a maior diversidade de espécies da família, podendo chegar, por exemplo, a 45 espécies diferentes em um mesmo local.

Além de povoar a Floresta Amazônica, o grupo também está presente em outros biomas brasileiros, como a Mata Atlântica – que possui regiões com até 12 espécies endêmicas (próprias) –, a Caatinga e o Cerrado, nestes em menor proporção.

Uma das características comuns dessas aves, segundo Mora, é o fato de serem pequenas, medindo, em média, entre 25 e 30 centímetros. A menor tem 3,5 centímetros e vive na copa das árvores da Floresta Amazônica. A maior, conhecida como matracão (Batara cinerea), mede pouco mais de 30 centímetros e é mais fácil de ser encontrada na Mata Atlântica. “Há uma variação muito grande entre as espécies”, disse Mora.

Outra característica dessas aves é que elas se alimentam principalmente de insetos; daí a alcunha de papa-formigas. Além disso, cantam o tempo todo. “Ao entrar em uma região da Floresta Amazônica, é muito difícil vê-las, mas é possível escutar seu canto”, disse Mora.

As gravações do canto dessas aves e a quantificação das variações, feitas por meio de softwares especiais, são utilizadas pelos pesquisadores para entender padrões de evolução usando a filogenia do grupo, com base em dados genéticos.

Os registros do canto são complementados com medições de bico, asa, cauda e pata das espécimes, que fornecem estimativas da variação na forma dos animais, e de sequenciamento de dados moleculares obtidos de amostras de tecidos de espécimes da coleção do Museu de Zoologia da USP e de outros museus situados principalmente no Brasil e nos Estados Unidos.

Além disso, os pesquisadores usam sistemas de informação geográfica para realizar análises de distribuição e quantificar os ambientes onde essas aves podem estar presentes.

“Com base nesse conjunto de dados geográficos, podemos estimar quais espécies preferem áreas com maior precipitação ou menor temperatura, por exemplo”, indicou Mora. “A ideia é integrar esses diferentes tipos de dados para tentar entender como a diversidade de espécies de aves tem evoluído na famíliaThamnophilidae.”

Compreensão da biodiversidade

Os pesquisadores atualmente analisam o conjunto de dados coletados. De acordo com Mora, os resultados das análises permitirão entender e quantificar a biodiversidade desse grupo de aves. Será possível avaliar, por exemplo, se um determinado tipo de morfologia de ave evoluiu mais rapidamente do que outro, ou se animais que vivem em áreas de floresta mais secas evoluem mais velozmente do que os que habitam locais mais úmidos.

Além disso, o conjunto de informações poderá ser utilizado em estudos de conservação da biodiversidade desse grupo de aves. “Por enquanto, só o número de espécies em uma determinada área ou aquelas ameaçadas têm sido usado em estudos de conservação”, afirmou Mora.

“Mas há todo um conjunto de outras informações evolutivas, de distribuição e de morfologia, como essas que geramos do grupo Thamnophilidae, que poderia ser utilizado para a tomada de decisões de conservação de forma mais objetiva”, apontou.

A conclusão da filogenia da família Thamnophilidae também deverá facilitar a identificação de novas espécies do grupo, indicou Mora. Durante o projeto foram descobertas 15 novas espécies de aves da Amazônia no início de 2013.

De acordo com o pesquisador, das 15 espécies descobertas, quatro são papa-formigas e foram descritas por ele. “Há mais cinco novas espécies que estamos descrevendo agora dentro da família Thamnophilidae”, afirmou.

Importância da coleta de dados

Na palestra ministrada em Chicheley, Mora chamou a atenção para a importância dos museus de história natural como fontes de informação para o estudo evolutivo de espécies. Na avaliação dele, apesar da clara importância científica dessas instituições, elas são subutilizadas pelos estudos evolutivos.

“Os museus de história natural possuem bancos de dados de espécies gigantescos e são peças-chave na pesquisa sobre biodiversidade porque nos permitem olhar para o passado e, ao mesmo tempo, mirar o futuro”, avaliou.

Com as novas tecnologias de sequenciamento de DNA, é possível analisar com mais rapidez os dados genéticos de espécimes centenárias que integram as coleções para a construção da filogenia de diversos grupos.

Já as novas tecnologias de comunicação móveis, como celulares com câmeras fotográficas e gravadores e acesso à internet, permitem que o cidadão comum contribua de forma mais ativa em estudos sobre a biodiversidade.

A avaliação foi feita por Nick Isaac, pesquisador do Centro de Registros Biológicos do Centro de Ecologia e Hidrologia (Nerc) do Reino Unido. “Os smartphones tornaram-se ferramentas muito úteis para os ‘cientistas cidadãos’ fazerem registros de sons e imagens de animais, que são muito úteis para alimentar os bancos de dados científicos de biodiversidade”, afirmou o pesquisador, na palestra que proferiu após a de Mora.

De acordo com Isaac, no Reino Unido os cidadãos comuns contribuem há mais de 200 anos com observações da vida selvagem. “Isso tem nos proporcionado um vasto repositório de dados para compreender mudanças na biodiversidade de diversos grupos de espécies”, avaliou o pesquisador.

O problema é que muitos desses registros apresentam “ruídos”, como a falta de dados como data e local da coleta – informações importantes para o estudo de comportamento das espécies.

A fim de eliminar os “ruídos” dos registros, o pesquisador trabalha no desenvolvimento de modelagens estáticas. “As modelagens que estamos desenvolvendo podem nos ajudar a recuperar informações relevantes que muitas vezes estavam ‘apagadas’ em meio aos ruídos”, afirmou.

Esta reportagem foi originalmente publicada na Agência FAPESP.