Desperdícios de recursos públicos irritam chineses

11/11/2013 08:02 Atualizado: 12/11/2013 21:13

Para um transeunte, a única diferença entre o edifício oficial do governo no condado de Pei, na província de Jiangsu, e um hotel de luxo é um mastro com a bandeira nacional e uma rocha gigante esculpida com os caracteres “Servir o Povo” na frente.

Esse slogan, uma relíquia da era maoísta, tem sido alvo de crescente suspeita e desconfiança na China: apesar das ordens do líder chinês Jinping de que os oficiais do Partido Comunista Chinês (PCC) devem estar “perto das massas” e reduzir seus hábitos extravagantes, eles desmentem essas visões com os monumentos e acomodações que têm construídos para seu prazer pessoal, usando o dinheiro dos contribuintes.

Em meio à campanha anticorrupção de Xi Jinping, essas despesas não contam como corrupção explícita: “A corrupção referida por Xi Jinping é sobre funcionários colocarem dinheiro público em seus bolsos. Mas o investimento em prédios do governo não está incluído”, disse Heng He, um comentarista político independente.

“Esses locais de trabalho e condições de vida são parte de renda cinzenta dos funcionários, mas não são considerados corrupção”, disse ele.

Xi Jinping pediu uma redução dessas despesas, mas as autoridades locais têm os meios e incentivos para contornar os regulamentos. Enquanto isso, a ira pública sobre os privilégios do poder oficial na China continua a crescer.

Cama de casal no escritório

O complexo do governo no condado de Pei é composto por três edifícios magníficos, juntamente com uma praça de 10 mil metros quadrados, situado em torno de um grande lago artificial. O mobiliário no interior seria suntuoso.

O escritório de um oficial do PCC tem mil metros quadrados e inclui um quarto, com painéis de madeira, sofás, plantas, flores e uma cama de casal. “A cama de casal é o destaque”, escreveu um internauta. O comentário foi compartilhado milhares de vezes. Oficiais do PCC, na consciência pública chinesa, não são conhecidos por sua discrição sexual.

Referindo-se a uma série de escândalos sexuais que engoliram as carreiras de quadros em toda a China, um internauta escreveu anonimamente: “Se nós [quadros] não podemos fazer no escritório, onde podemos ir? É seguro num hotel? Veja os juízes de Shanghai e Lei Zhengfu.”

No caso de Shanghai, três juízes e um oficial de justiça foram flagrados levando prostitutas para um hotel e filmados por um empresário descontente. Eles pagaram um jantar caro e depois entretenimento usando dinheiro público, segundo relatos. Lei Zhengfu era um funcionário da cidade de Chongqing que foi filmado numa posição comprometedora com uma jovem.

São incidentes como estes que alimentam a ira do público que exige mais responsabilidade e transparência do Partido Comunista, mas não tem conseguido nada. “Agora, vocês nem sequer precisam deixar o escritório”, disse o internauta anônimo.

‘Campo de Refugiados’

O artigo sobre o condado de Pei foi publicado pelo próprio Diário do Povo, uma mídia estatal do Partido Comunista, e visa a sinalizar que a liderança central desaprova o fenômeno.

O Partido Comunista se refere regularmente à corrupção como uma doença mortal que deve ser eliminada. Os contrastes que os internautas têm destacado entre o luxo oficial e edifícios escolares em ruínas ilustra o sentimento geral de injustiça por parte do público, que Xi Jinping procura aliviar.

Em Taiqian, província de Henan, no centro da China, um município relativamente pobre, milhões de dólares foram gastos em mais de uma dúzia de novos edifícios do governo, segundo a mídia estatal China News.

Perto da nova construção está uma escola, onde 900 alunos estão apertados num edifício surrado com janelas quebradas e ripas de madeira por todo lado: a sensação é de um “campo de refugiados”, disse o artigo.

Ao lado dos prédios oficiais há quatro atraentes vilas de luxo, onde os líderes locais do PCC vivem, mas 600 alunos nas proximidades vivem espremidos num dormitório de dois andares, com 30 beliches amontoados em quartos pequenos.

Os gastos do condado de Taiqian na construção dos palácios governamentais ultrapassou 100 milhões de yuanes (US$ 16,4 milhões) em 2011, enquanto outros US$ 16,4 milhões foram gastos em novas construções nos últimos dois anos, segundo o artigo.

“Façam os quadros se mudarem para a escola e os alunos estudarem nos prédios do governo”, comentou um internauta, um sentimento que recebeu ampla aprovação.

Autoridade local

Pode não ser imediatamente claro por que as autoridades locais teriam permissão para se envolver numa conduta que foi declarada indesejável pelo principal líder do Partido Comunista.

Os edifícios nos condados de Pei e Taiqian foram construídos antes de Xi Jinping ordenar em julho que as agências do PCC não construam novos edifícios nos próximos cinco anos e que as construções atuais devem cessar. No entanto, dois meses depois, uma estátua dourada e gigante de peixe, custando US$ 11,4 milhões, foi inaugurada na cidade de Zhenjiang, província de Jiangsu, o que indica que as ordens de Xi Jinping foram ignoradas nesse caso.

Estudiosos têm argumentado por muito tempo sobre a questão do poder local versus central e os mecanismos de transmissão de políticas entre a Central do PCC e o corpo de quadros. Ideias como “autoritarismo fragmentado” têm sido usadas para explicar a aparente desconexão.

O comentarista Heng He estabeleceu algumas razões para o fenômeno de construções de edifícios oficiais caros.

“Em primeiro lugar, os quadros se sentem confortáveis em prédios luxuosos”, observou ele. “Segundo, eles são um símbolo da autoridade e do poder do regime. Quando o PCC tomou o poder na China, ele construiu monumentos para mostrar sua autoridade.”

Heng He disse que se quadros de alto escalão quisessem impedir quadros inferiores dessas atividades, eles poderiam. “É muito simples: apenas não lhes conceda o dinheiro.”

Mas, em parte como consequência da forma como o PCC distribui o poder para impulsionar a economia, as autoridades locais têm amplo poder para decidir como criar crescimento econômico, desde que aumentem os números do PIB, disse Heng He.

“O modelo econômico do PCC para a China tem duas grandes áreas: exportação e construção de capital comandados pelo governo”, disse Heng He. “Edifícios oficiais são um dos projetos que fazem parte da construção de capital, o que pode aumentar o PIB. E eles são considerados uma conquista política por quadros locais do PCC.”