Já é lugar comum culpar a “desigualdade social” causada pela excessiva concentração de renda por boa parte dos problemas concernentes à realidade brasileira. Nas últimas eleições presidenciais, a visão ginicêntrica¹ da sociedade foi mais bem representada pelo candidato Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL. Ainda que os outros três candidatos também fizessem referência constante a essa “mazela”, foi o socialista quem realmente abraçou a tese ao extremo.
Para ele e tantos outros, a violência, a corrupção, o desemprego, o déficit educacional, as violações de direitos humanos e a degradação ambiental seriam resultado evidente da excessiva concentração de renda no país. Essa visão parece ser respaldada pelas notícias de constante crescimento do PIB brasileiro, que colocam o país na posição de 8ª economia do mundo. Ora, se existem apenas sete países “mais ricos” que o Brasil em todo o mundo e, ainda assim, temos uma parcela significativa da população vivendo em condições de penúria extrema (26% abaixo da linha da pobreza), o grande obstáculo a impedir que o Brasil se torne um país justo, livre, seguro, educado e próspero só pode ser a má distribuição de renda.
Correto? Não.
Em primeiro lugar, a ideia de que contar com um PIB vultoso faz do Brasil um país rico é um engodo. Como portador do 8° maior PIB, o Brasil encontra-se, na verdade, mal posicionado proporcionalmente, já que conta com a 5ª maior população do planeta. Saliente-se, ainda, o fato de o PIB ser uma equação dada a grosseiras distorções (a principal delas é não distinguir as transações econômicas que beneficiam a saúde da economia do país daquelas que apenas a enfraquecem). Temos, portanto, o PIB per capita como indicador mais razoável da pujança econômica de um país. De acordo com essa medida, o Brasil encontra-se na posição número 76. Ou seja, no hipotético (e utópico) cenário em que toda a riqueza do país fosse distribuída igualmente (Gini igual a zero) entre cada um de seus habitantes (ignorando-se, é claro, os custos administrativos e de transação envolvidos no processo), o Brasil ainda seria um país relativamente pobre, atrás de países como Panamá, Botswana, Gabão, Cazaquistão, Irã e Costa Rica. Não somos ainda um país rico, portanto.
Além disso, a mentalidade que vê na redistribuição de renda um meio para pôr fim às mazelas sociais se baseia na equivocada concepção de que os processos econômicos pelos quais se cria riqueza estariam inseridos em um “jogo de soma zero”. Se alguns têm “demais”, isso só pode ser consequência de alguns terem “de menos”, e vice-versa. Tal visão – segundo a qual para um ator obter mais, o outro deve perder – ignora o fato de “riqueza” não ser algo fixo e imutável. Em um sistema capitalista (que é o que temos no Brasil, apesar da ampla, nociva e indevida intervenção estatal), as empresas e os indivíduos têm o incentivo para estarem sempre buscando inovações que aumentem sua produtividade, o que torna possível a obtenção de mais bens e serviços com a mesma quantidade de recursos disponíveis anteriormente. Diz-se que a distância entre ricos e pobres no Brasil aumentou de alguns anos para cá. Ricos teriam ficado mais ricos, mas é dado incontestável que a parcela mais pobre da população também passou a ter mais. Se a riqueza disponível em um país fosse um montante fixo, isso seria impossível.
Ao se analisarem exemplos históricos, fica claro que foi nos países em que se desfrutou de maior liberdade econômica que as pessoas pobres encontraram melhores oportunidades e alcançaram padrão de vida superior (exemplos são Estados Unidos, Inglaterra, Chile, Cingapura, Austrália, etc.). Já naqueles cujos governos buscaram reprimir e regular as tentativas dos indivíduos de cooperarem voluntariamente, buscando o melhor para si e para suas famílias, o que se viu foi atraso, baixo dinamismo econômico e social e pobreza quase endêmica (como exemplos, a ampla maioria dos países africanos e latino-americanos). Uma sociedade que coloca a igualdade à frente da liberdade não alcançará nenhuma das duas, ao passo que uma sociedade que prioriza a liberdade terá um nível mais alto de ambas, como ensinava Milton Friedman.
No Brasil e em outros países ainda subdesenvolvidos², entretanto, o fetiche de “igualdade social” busca, indiferente às distintas aptidões e preferências presentes na sociedade, a aterradora utopia de uma supostamente desejável igualdade material em detrimento da liberdade. Seus propagandeadores são criativos nas diferentes denominações de tais utopias, mas o resultado acaba sendo sempre o mesmo: a imposição da igualdade na pobreza.
Dois caminhos afiguram-se no horizonte do Brasil do século XXI: a prosperidade e a justiça, por meio da liberdade; ou a mediocridade e o caos social, por meio da servidão.
¹ Referência ao coeficiente de Gini, criado pelo estatístico italiano Corrado Gini, usado para se medir os níveis de concentração de renda em diferentes países
² A opção pelo termo anteriormente utilizado pela literatura política e econômica para designar os países hoje tidos como “em desenvolvimento” é proposital, dada a situação de involução econômica de alguns dos países que se enquadrariam nessa categoria, como por exemplo, Zimbábue e Venezuela
Fabio Ostermann é cientista político e diretor de relações institucionais do Instituto Liberal