O desenvolvimento econômico de longo prazo é a questão mais central dos nossos dias. Se é verdade que os leitores deste artigo têm facilmente a sua disposição tecnologias avançadas de comunicação e informação que lhes permitem saber, em tempo real, o que se passa do outro lado do planeta, não é menos certo que, em sua jornada diária ao trabalho, cruzarão com semelhantes em estado de penúria e outros que vivem quase na idade da pedra. Aqueles entre nós que tiveram o privilégio de conhecer outros países, especialmente os que foram tanto a sociedades afluentes como pobres, certamente hão de ter-se questionado acerca dos fundamentos da desigualdade entre indivíduos de uma mesma nacionalidade e entre países diferentes.
Por que alguns indivíduos prosperam e outros perecem? Por que, em diferentes países, determinadas comunidades culturalmente homogêneas – os imigrantes japoneses, chineses, judeus, italianos e alemães, entre tantas outras – são, na média, mais prósperas do que outras, como imigrantes de diferentes regiões da África e da América Latina? E por que, em qualquer momento da história, é possível verificar que há países que se tornam mais ricos enquanto outros permanecem estacionados ou empobrecem?
A resposta a essas questões nos obriga a considerar alguns elementos do que eu chamarei de economia política do desenvolvimento. A economia política é um ramo das ciências sociais que busca compreender variações na performance econômica dos países e comunidades por meio de um modelo de análise das interações humanas assentado em três elementos estruturantes: as instituições (regras formais e informais que restringem as escolhas individuais), as ideias (valores sobre o que é certo, desejável, provável e justo, que orientam essas mesmas escolhas) e os interesses (considerações sobre ganhos ou perdas materiais envolvidas em cada uma das alternativas de ação).
A economia política do desenvolvimento parte de uma premissa muito importante: os indivíduos são os únicos agentes da vida social e, por isso, são a única unidade de análise aceitável para a explicação de processos sociais. Neste sentido, grupos estruturados, tais como igrejas, empresas, sindicatos, partidos e agências governamentais ou não-governamentais existem apenas na medida em que alguns indivíduos trabalham para organizar uma ação coletiva, movidos por alguma consideração normativa (ideal) ou por seu autointeresse. Classes, por outro lado, são meros resíduos estatísticos, conjuntos de indivíduos arbitrariamente aglomerados de acordo com algum critério analítico inorgânico, e são desprovidas de capacidade para agir em nome dos interesses que, supõem os analistas, seus membros compartilhariam.
Assim sendo, a performance de uma sociedade qualquer é o somatório das performances de seus membros. Mas a performance desses membros deriva das interações – econômicas (contratos) e de outra natureza – que eles estabelecem com variados parceiros, de dentro e de fora do país. O desenvolvimento é, por isso mesmo, produto da interação humana mas não da vontade ou das escolhas deliberadas de um indivíduo ou grupo específico.
Como disse antes, essas interações se processam sob o jugo das regras formais (o quadro legal) e informais (padrões de conduta socialmente compartilhados e sancionados, que muitos chamam de cultura) e por considerações individuais, de cunho material (interesses) ou subjetivo (ideias). É justamente por isso que precisamos entender porque desejar e professar a necessidade de desenvolvimento não são suficientes para que se lhe obtenha.
Cabe, agora, definir o que é desenvolvimento. Essa me parece uma questão essencial para se compreender os casos de êxito e de fracasso de países e comunidades ao longo da história. Há duas conceituações possíveis para o termo, e elas derivam de ideias distintas sobre o que é certo e justo, por um lado, e sobre como funciona a economia, por outro. Além disso, uma vez que uma comunidade (ou governo) assume uma dessas concepções como correta, desprezando a outra, escolhas fundamentais tenderão a ser feitas as quais determinarão as chances de prosperidade de todos os seus membros (cidadãos).
A primeira definição, liberal, diz que desenvolvimento é a melhoria substancial, sustentável e progressiva das condições de bem-estar de todos os membros de uma determinada sociedade. Defende-se que tal performance deve resultar do próprio esforço dos indivíduos (cada um é responsável por seu próprio destino), mas aceita-se alguma dose de discriminação positiva temporária em favor dos menos capacitados entre eles. A crença dos liberais é que a motivação individual é o fator mais eficaz para promover a prosperidade e deve ser maximizada por meio da sujeição de todos a uma lógica em que prevalecem a fortuna (sorte) e a virtú (mérito individual) como vetores do progresso material. Motivados a prosperar sob o quadro legal vigente, a maioria dos indivíduos trabalharia mais e melhor, especializar-se-ia e aproveitaria as oportunidades de comércio para tirar proveito de suas características particulares e investiria seus recursos escassos para capacitar-se com vistas a obter mais renda (e bem-estar) no futuro – tudo isso sob informação imperfeita. A prosperidade individual fomentaria a prosperidade do conjunto e o papel deste, por meio do Estado, seria promover melhorias nas instituições de modo a favorecer essa engrenagem. Ninguém escolhe o que cada um vai produzir, muito menos com quem e a que preço transacionará seus ativos. Não há setores ou produtos estratégicos e a lei não discrimina qualquer cidadão ou empresa, nem sequer os estrangeiros. Não há garantias de sucesso para ninguém e nem de que o processo de crescimento será linear ou estável. A desigualdade é aceita como um fato e a mobilidade social e econômica é vista como algo natural, senão positivo.
A segunda definição de desenvolvimento, nacionalista, assume que este significa, antes de tudo, o controle nacional (estatal ou privado) sobre setores econômicos considerados estratégicos, de acordo com alguma classificação arbitrária. A arbitrariedade do modelo começa mesmo pela discriminação contra bens produzidos no exterior, a que se atribui uma carga negativa, mesmo quando (e principalmente se) melhores e mais baratos do que os similares nacionais. Discriminar produtores, bens e setores e estimular a produção no país em detrimento da estrangeira precisa partir do estabelecimento de critérios objetivos para avaliar e julgar os impactos da produção nacional de coisas diferentes, mas não há informação perfeita à disposição dos governantes e nem estes são social ou politicamente neutros em relação aos diferentes indivíduos e grupos que serão (positiva e negativamente) afetados por suas decisões. Além disso, a escassez de recursos públicos impõe a necessidade de deixar de estimular a produção doméstica do que se julga menos estratégico para incentivar o que se deseja produzir internamente – o que raramente é enfatizado pelos nacionalistas. Entre os instrumentos utilizados pelos governantes que acreditam nessa concepção de desenvolvimento destacam-se restrições às liberdades individuais para importar (tecnologias, insumos e bens finais), definir preços e salários, escolher fornecedores, especializar-se, entre tantas outras. Restrições às liberdades para tirar proveito das trocas livres [gains from trade] geram, em consequência, queda da produtividade, das exportações, da acumulação de capital, do poder de compra dos salários e da arrecadação do governo; e elevação do déficit público, da inflação (e, com ela, a apreciação cambial) e do endividamento externo.
Das concepções distintas sobre o que é o desenvolvimento derivam, assim, estratégias igualmente contrastantes de intervenção do Estado para sua promoção, sendo umas garantidoras das liberdades individuais e outras que as restringem em nome de algum propósito coletivo. Nenhuma surpresa que, até hoje, os nacionalistas (autoentitulados desenvolvimentistas) enfatizem mais a necessidade de planejamento governamental do que a de controle da sociedade sobre os governantes.
A prevalência de uma concepção de desenvolvimento provoca a emergência de padrões específicos de interação entre governantes e governados, entre empresas e entre estas e os governos, e mesmo entre governo e oposição. O jogo político sob um arcabouço liberal tende a se dar ao largo do que é amplamente reconhecido como fundamento essencial do processo de desenvolvimento: a ampliação das liberdades individuais, a prioridade orçamentária concedida às políticas voltadas à promoção das capacidades dos indivíduos economicamente mais frágeis, o igual tratamento de todos perante a lei e as políticas públicas. Já sob a vigência de um projeto nacionalista, o jogo é pela generalização do tratamento privilegiado inicialmente dado aos setores arbitrariamente considerados estratégicos o que, sendo por definição impossível (se todos são estratégicos, ninguém o é na realidade), só piora os efeitos da discriminação sobre a produtividade e sobre o orçamento.
Em síntese, temos que entender a construção das bases propícias ao desenvolvimento econômico como um processo político complexo, necessariamente demorado, e sem garantias de sucesso, empreendido por indivíduos autônomos que estão submetidos a um quadro institucional específico e que têm interesses materiais e valores subjetivos particulares e raramente compatíveis. Em particular nesse aspecto normativo, aquilo que professam os governantes em termos do conceito de desenvolvimento — as metas e os instrumentos para promovê-las — afetará a própria natureza desse jogo político, restringindo ainda mais as chances de êxito. Em toda a história do mundo, não há um só exemplo de país que tenha prosperado de forma sustentada adotando o nacionalismo econômico como bandeira e guia para as intervenções do Estado na economia. A despeito disso, em nosso país, o nacionalismo encontra solo fértil em todos os partidos e na sociedade em geral. Por isso mesmo, ficamos cada vez mais para trás, mesmo quando andamos para a frente (ou, o que é mais recorrente, para os lados).
Carlos Pio é doutor em Ciência Política, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, professor-titular do Instituto Rio Branco e autor do livro “Relações Internacionais – economia política e globalização” (Brasília, Funag/Ibri, 2001)
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Ordem Livre