Importante analisar como o governo reeleito transitou nesta primeira semana depois da vitória apertada nas urnas. Em algumas entrevistas a presidente pregou a necessidade de união e diálogo com a oposição, já que nas eleições, pela campanha beligerante e de baixo nível, sem propostas e com muitos ataques pessoais, o saldo acabou sendo um país dividido ao meio. Tratou também de anunciar que mudanças serão necessárias na política econômica, numa guinada inevitável para a ortodoxia, ou seja, ajustes mais pragmáticos e menos pirotécnicos.
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Em paralelo a isto, a central de boatos seguiu com força total, com vários nomes para a Fazenda “ventilados”, testando a aceitação (ou não) do mercado. Lula ofereceu um “pacote” de possíveis ministros da Fazenda, como Luiz Carlos Trabuco do Bradesco, Henrique Meirelles e Nelson Barbosa. Destes, o único que continua ganhando espaço é Barbosa, já que os dois primeiros não parecem gozar da simpatia da presidente. Outros nomes surgiram, “correndo por fora”, como Aloizio Mercadante da Casa Civil, Murilo Ferreira da Vale, e Otaviano Canuto do Banco Mundial. Mercadante não prosperou, tanto pela desconfiança do mercado como pela preferência em continuar na Casa Civil. Os dois outros até surgiram como possibilidade, até porque aumentaram os boatos de que a presidente poderia vir com “uma surpresa, um nome novo”.
Mesmo com todos estes, achamos Nelson Barbosa, ex-secretário de Política Econômica no governo Lula, o mais indicado para o cargo. Junta-se a ele, Alexandre Tombini continuando no BACEN (com mudanças na diretoria), Miriam Melchior no Planejamento, e na Indústria e Comércio, Josué Gomes, filho de José Alencar e hoje presidente da Coteminas.
Sobre as opiniões do possível ministro da Fazenda, alguns paper recentes indicam sua preocupação com alguns desafios para o próximo quadriênio, o gerenciamento das políticas cambial e monetária e da fiscal, um dos nós do governo nos últimos anos.
Para piorar, em setembro o déficit primário foi a R$ 25,5 bilhões, reflexo de uma arrecadação fraca, pela economia real totalmente parada e as desonerações, e despesas crescendo com a proximidade das eleições. No ano passamos a ter déficit de R$ 15,3 bilhões, bem aquém do registrado no mesmo período de 2013 (superávit de R$ 45 bilhões). Em 12 meses, o saldo até continuou positivo, R$ 31,1 bilhões, 0,61% do PIB, mas bem aquém da meta do ano, de R$ 99 bilhões, 1,9% do PIB. Esta não será alcançada, obrigando o governo a enviar ao Congresso, pela Lei das Diretrizes Orçamentárias (LDO), uma nova meta. Não descartamos o saldo primário negativo em 2014. E o pior é que em 2015 não dá para vislumbrar muita coisa diferente. Continuaremos crescendo pouco, impactando nas receitas e as despesas possuem pouco espaço para maiores cortes.
Barbosa, num paper apresentado na FGV de São Paulo, inclusive, trabalha com o esforço fiscal de longo prazo em torno de 2,0% a 2,5%, mas para depois de 2015. Este, aliás, é um ponto. Este ano de 2015 já parece perdido, devido aos fortes ajustes necessários. O saldo previsto é de 1% do PIB.
Para recolocar a economia brasileira no prumo, com crescimento maior, equilibrado e com mais investimentos, um forte ajuste será necessário no curto e médio prazos. Com isto, há dúvidas quando este ciclo de crescimento se materializará, se em 2016 ou em 2017. Se tudo que o governo fizer for correto, poderemos voltar a crescer em 2016, mas os sinais da presidente são muito contraditórios na área econômica, o que pode ser um perigo pelos ruídos gerados para o mercado.
Um sinal positivo nesta semana veio do Bacen, anunciando um ajuste de 0,25 ponto percentual na taxa de juros, de 11,0% para 11,25%, surpresa para quase todos. A inflação teima em se manter flutuando no teto da meta e a depreciação cambial neste período pré-eleições foi intensa, chegando a 10% desde o início de setembro. Para piorar, tudo indica que teremos um reajuste da gasolina a qualquer momento, em torno de 4%. Com isto, podem ocorrer mais ajustes da taxa de juros, talvez em dezembro e mais dois ou três (por enquanto) em 2015, com a taxa indo a 12% ou mais, caso a inflação acelere. Devemos observar aqui um dilema do BACEN, pois se elevar ainda mais a taxa de juros derruba a economia no curto prazo, mas se manter no patamar atual, ou reduzir a taxa, tende a sancionar novos reajustes de preço. Ressaltemos que em 2015 novas rodadas de reajustes dos preços administrados, represados nos últimos anos, são previstas.
Falando da política cambial, Barbosa defende que o “controle da inflação não pode depender da apreciação cambial, pois uma taxa de câmbio real estável e competitiva é essencial para a diversificação produtiva da economia e elevação sustentável do salário real”. Isto significa que ele deve começar a desmontar a estratégia de vendas no swap, em conjunto com o Bacen, por achar que a taxa de câmbio deve se ajustar as condições econômicas, internas e externas. Neste ano, por enquanto, acreditamos que a taxa de câmbio deve ficar em torno entre R$ 2,45 e R$ 2,50 e deslizar a algo entre R$ 2,55 e R$ 2,65 no ano que vem.
Voltando ao tema fiscal, acreditamos que, primeiro, Barbosa deve começar a desarmar os créditos do Tesouro para o BNDES e os bancos públicos, com redução de custos de 0,6% do PIB. Esta redução, na sua visão, teria o mesmo efeito de elevar o superávit primário, reduzindo então a velocidade de elevação da dívida líquida do setor público. Esta fechou 2013 em torno de 33,6%, mas em setembro deste ano foi a 35,9% do PIB.
Neste debate sobre o desafio fiscal, inclusive, muitos acham que o ajuste de 2015 terá que ser feito pelo lado das despesas, já que com a economia crescendo pouco, a arrecadação terá mais um ano sofrível. O problema é que 73% das receitas primárias da União já estão carimbadas, comprometidas com pessoal, encargos, programas sociais, Seguro desemprego. Soma-se a isto, o reajuste do salário mínimo, numa fórmula baseada no PIB de dois anos anteriores e inflação, que também precisa ser repensada. Em dez anos, o ganho chegou a 73,3%. Em 2015, deve ocorrer uma alteração nesta fórmula de cálculo. Muitos defendem também sua desvinculação da Previdência, neste ano com déficit estimado acima de R$ 50 bilhões.
Sobre as políticas anticíclicas do governo também existem controvérsias. Muitos cogitam da retirada das isenções de IPI para bens duráveis e o retorno do CIDE, pelo fim da zeragem, o que deve gerar um reforço de caixa de R$ 1 bilhão mensais ou algo em torno R$ 13 bilhões no ano.
Outra proposta seria acabar com as desonerações sobre folha de pagamento. Para Marcos Mendes, assessor do Senado, estas não resolvem o problema de competitividade da indústria, pela simples troca de tributos sobre valor adicionado (contribuição na folha) por cumulativos, como a alíquota sobre o faturamento. Esta medida, no entanto, não deve ser alterada, sendo uma das bandeiras do atual governo. As desonerações representaram perdas previstas em torno de R$ 24 bilhões na arrecadação anual.
Por fim, Nelson Barbosa, em seu trabalho “O desafio macroeconômico 2015-18”, reafirma que a meta fiscal traçada, superávit primário de 2,0% a 2,5% do PIB, será alcançada gradualmente e sem aumento de carga fiscal. Como já dito acima, deve vir com o contingenciamento de despesas, resgate do CIDE e do IPI, redução do crédito financeiro do BNDES, elevação da taxa de financiamento do BNDES para projetos de longo prazo, a TJLP, dentre outras medidas aventadas.
A verdade é que sem um ajuste fiscal “violento”, o governo não encontrará espaço para gerar poupança para os investimentos, nem estimular o consumo. Neste caso, o desajuste fiscal acabará pressionando a inflação e o juro em elevação, como ficou demonstrado na decisão do BACEN na semana passada. Finalizando, a recuperação da credibilidade fiscal, com políticas sérias e transparentes, é a única alternativa possível para o País voltar à normalidade nos próximos anos. Sem esta, e mantidas as maquiagens fiscais, continuaremos de lado, sem perspectivas.
Julio Hegedus Netto é economista-chefe da Lopes Filho & Associados, empresa de consultoria na área de mercado financeiro e de capitais. É bacharel em ciências econômicas pela Universidade Cândido Mendes (UCAM), tem mestrado em política economica pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestrado em estratégia empresarial pela UCAM. É professor de economia da UCAM.