Depois da tempestade, vem o silêncio

02/09/2013 14:50 Atualizado: 02/09/2013 14:50
O jornalista Eleno Mendonça (Instituto Millenium)
O jornalista Eleno Mendonça (Instituto Millenium)

De uns tempos para cá, todo mundo se mostra especialista em formar imagem, administrar reputações, gerenciar crises. As manifestações de protesto recentes mostraram, praticamente para governos de todas as esferas, que ninguém está absolutamente imune nem a críticas nem a contrariedades de uma população que tem, digamos, motivos de sobra para justificar a presença nas ruas. Diante dessas situações, o que me chama mais a atenção é a recomendação de alguns “especialistas”. Invariavelmente, por falta de experiência, de respostas condizentes ou pela ausência de um currículo que ateste a contrariedade às denúncias, o silêncio da autoridade é apontado como o antídoto a todo problema de imagem. Sumir do mapa passou a ser a principal recomendação de consultores e marqueteiros.

É isso de fato que deve ser feito? Penso que não. Se eu votasse ou tivesse admiração por um político e se se aventasse na mídia ou por meio de manifestações que ele andou errado, gostaria muito de vê-lo em público mostrando o contrário. Afinal de contas, no jornalismo e na vida não fomos ensinados a agir sempre com transparência, com ética? Pois bem, se há um problema, uma nesga de dúvida que seja e que paire sobre a cabeça deste ou daquele, até por ser figura pública, cabe sim à exaustão explicar tudo, tim-tim por tim-tim.

Mas o que temos assistido, de forma incompreensível, é mais ou menos assim: o atingido em vez de vir a público e se defender, some do mapa e manipula seus asseclas a buscar, escarafunchar tudo até encontrar algo contra seus opositores. A ordem é fazer o foco mudar de lado. É o contraponto que tem como estratégia em vez da defesa a tentativa de incriminar alguém.

A lógica é relativamente simples, e baseia-se no fato de que um escândalo bem trabalhado sempre encobre outro, que não há mal que dure para sempre. Com essa forma de agir, coisas pequenas, proporcionalmente, falando ou até inexistentes, assumem um tamanho descomunal e, sim, acabam por atingir e afetar a imagem de pessoas que nem sempre têm, vamos dizer, “culpa no cartório”. É também um pouco da filosofia que tem como intenção mostrar que todos são iguais e que não existem honestos, do popularmente chamado “farinha do mesmo saco”.

Nesse aspecto, a mídia tem grande culpa. Os ajustes feitos nos veículos de modo geral para reduzir custos produziram grandes cortes de pessoal e levaram as equipes a cobrirem muito menos do que deveriam. A capacidade de cobertura de escândalos e denúncias, com deslocamento de pessoal suficiente, tempo e recursos condizentes, foi muito prejudicada. Assim, sob o medo de levar furo, acaba-se muitas vezes dando dimensão desmedida a fatos que em outros tempos não mereceriam nem pé de página.

Essa nova estrutura corrobora com a máxima de que um escândalo encobre outro, haja vista a quantidade de repórteres disponíveis. Isso não acontece apenas no campo da política, mas em todas as áreas. Um caso rumoroso fica na mídia até que outro igualmente trágico ou potencialmente midiático surja. Como é impossível acompanhar tudo com equipes pequenas, alguma coisa sempre vai escapar e com isso o rumo do noticiário se modifica, deixando leitores, ouvintes e telespectadores com a sensação de que o caso fora esquecido, deixado prá lá ou que não apresentou novidades.

É exatamente com isso que contam os políticos. Vi, por exemplo, com espanto a justificativa de manifestações em São Paulo “em solidariedade ao que estava acontecendo no Rio”. Isso é argumento? Ora, isso mostra mais que tudo o caráter político eleitoreiro dessas manifestações. Vi também protestos serem marcados para o dia 14 de agosto, justamente o dia de início do julgamento dos recursos do mensalão. Tenham certeza de que não há nisso nenhuma coincidência. Fica então claro que há manipulações e uso das máquinas partidárias, uso das forças que brigam até dentro de um mesmo partido, uso político dos fatos e a maldita estratégia do não diga nada, suma do mapa que essa onda vai passar.

Esses ataques ou forma de agir não poupa ninguém, mas tem sempre como alvo preferencial aquele ou aquela que está à frente das pesquisas e, sobretudo, se ainda estiver com a vestal imagem de que não mete a mão em cumbuca.

A recomendação do silêncio, pior que tudo, muitas vezes dá efeito positivo, ainda que temporário, e fica parecendo que a estratégia estava de fato correta. Muitas vezes as pesquisas de opinião, que aprovam ou reprovam este ou aquele governante, até ajudam nessa constatação, na medida em que nesse período se verifica a recuperação de pontos perdidos de popularidade.

É a glória para o gênio que recomendou o nada a declarar. Como recomendar não fazer nada é mais fácil que gastar neurônios numa estratégia ampla de defesa, o procedimento passa a ser copiado e os gênios se reproduzem, à custa da verdade e da boa informação pública.

O grande problema de tudo isso é que nenhuma denúncia real se perde no tempo. Um dia essa verdade irá emergir, ser retomada, seja pelos caminhos da Justiça, seja pela tenacidade dos movimentos populares verdadeiros e bem intencionados, seja pela denúncia de partes prejudicadas. Esse caminho é inevitável. É quando a estratégia traçada do silêncio cai por terra e o efeito final, por pior que pudesse ser, acaba atingindo o alvo pela segunda vez, afetando ainda mais a imagem e produzindo um efeito multiplicador.

Mais do que se fez para mostrar que o mensalão não passava de estratégia da oposição, que estava sendo investigado, que não precisava de investigações etc. etc., de que intriga da oposição. Mas nada, nada interrompeu o caminho natural das apurações, pois os fatos eram mais fortes que as versões. Ficou provado o envolvimento de políticos importantes, o desvio de dinheiro público, compra de votos, corrupção, formação de quadrilha. Tudo isso a despeito das inúmeras tentativas de mudar o rumo da história e do silêncio dos envolvidos esse tempo todo.

A demora do processo fez apenas piorar a imagem por repetidas reportagens falando do tema, durante um período no qual aconteceram centenas de outros casos, igualmente escabrosos do ponto de vista da ética e bons costumes. Para mim, não seria preciso nem se efetivar a punição definida em juízo. A maior pena já foi atribuída aos envolvidos. Quando a pessoa é publicamente identificada como culpada, quando se vê cerceada do convívio de amigos e familiares, quando tem de encarar todos os dias filhos e amigos com o mesmo semblante de suspeito, já é para mim a pior das penas.

É por tudo isso que a transparência e a verdade devem prevalecer, não podem ser substituídas pelo silêncio. Pode-se até tentar mostrar, sob a forma de defesa, justificativas, argumentações que busquem explicar fatos e formas de agir, que tentem contrapor às denúncias, sejam elas quais forem, mas não se pode querer mudar a trajetória da história, nem falsear as evidências.

Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Millenium