Todos os dias, a democracia brasileira é destruída lentamente pela violência. Seja ela praticada pelo Estado, polícia, bandidos, “black blocs”, políticos omissos e corruptos ou cidadão comum, quando perde a razão e não mede as consequências de seus atos. Ela já se tornou parte da cultura de nossa sociedade, o que lembra a “banalidade do mal” descrita por Hannah Arendt em sua obra “Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal”. A questão, para a autora, era como o cidadão comum poderia se transformar em algo abominável, sem razão ou justificativa alguma.
A mais nova tragédia, a morte do jornalista/cinegrafista da TV Bandeirantes Santiago Andrade, demonstra a beira do abismo onde pode estar o Brasil. A “banalidade do mal” de Hannah Arendt é cada vez mais compreensível na lógica perversa de uma sociedade que não busca mais o bem e que aceita os políticos e governos que tem. Não existe pacifismo em mobilizações ou passeatas onde os manifestantes portam rojões. Tampouco onde pessoas ditas ativistas afirmam para jornalistas, na porta da delegacia, “vocês serão os próximos”. O que podemos esperar disso?
Todos os dias somos assolados por tragédias, bombardeados por imagens que destroem a razão e sofremos com a violência e o descaso político. Todos os dias perdemos os mais puros sentidos da civilidade humana e pagamos fortunas em tributos, sem podermos contar com um Estado no mesmo nível. Será que o Brasil está indo rumo ao abismo?
Em 2007 o sociólogo e filósofo francês Edgar Morin publicou o livro “Rumo ao Abismo?” Em um ensaio provocativo sobre o destino da humanidade, Morin aborda, por meio de uma visão social pura e completa, a lógica de caminhos e descaminhos que a humanidade percorreu, percorre e percorrerá para o bem e principalmente para o mal. A alegria do Brasil já não existe mais. O país tropical, que em fevereiro tem carnaval, não é mais o mesmo. A sociedade brasileira está perdendo a razão, a paciência, a sensibilidade e a alegria. O noticiário, hoje, deixa Jack Estripador no chinelo.
A maior violência contra a sociedade brasileira, no entanto, não está nas mãos dos bandidos, mas na omissão do Estado e políticos. Tudo o que envolve o Estado e políticos parece um jogo para angariar votos. A violência é a consequência do jeito nefasto de se fazer política no Brasil. E nós, cidadãos, somos culpados. Somos egoístas, não pensamos como nação. Não cobramos um projeto para o país.
O Estado e os políticos são omissos, sim. Omissos em promover educação de qualidade, segurança, defesa, leis mais rigorosas, investimentos em infraestrutura, saúde e saneamento básico. Mas não em buscar votos e assassinar reputações. Voltaire, em sua obra “O preço da justiça”, afirmou que “não é de hoje que se diz que a justiça é frequentemente injusta”. “Excesso de direito, excesso de injustiça” (“Summus jus, summa injuria”) é um dos provérbios mais antigos.
O brasileiro é categórico: a justiça aqui é injusta. As normas, leis, procedimentos, ritos e todo aparato da segurança pública geram injustiças. O jovem criminoso não é um produto do sistema, mas da sociedade. A mesma sociedade que não quer buscar um projeto de país, estudar, trabalhar mas viver sob o custeio do Estado.
Será que a classe política está percebendo o abismo? Ou só está preocupada com as próximas eleições? A imagem internacional do país não está boa. Teremos Copa do Mundo de Futebol, mas é provável que tenhamos também mais violência. O Brasil precisa mudar de rumo e, para isso, precisa dispor de um projeto de país. Ou será que o futuro para o Brasil já chegou, a exemplo do que afirma Domenico de Masi em seu livro “O Futuro Chegou” ? Será que seremos um modelo, com todo o desgaste americano e europeu? Se continuar a violência, com certeza, não.
Estamos culpando e cobrando as pessoas erradas. Os verdadeiros culpados estão nas urnas. Espero que a sociedade não se omita mais.
Fábio Pereira Ribeiro é especialista em inteligência estratégica e política internacional, desenvolve negócios nas áreas de educação e inteligência na África, Ásia e Estados Unidos. Já ministrou palestras no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e na Universidade Columbia. É articulista do blog “Brasil no Mundo” na revista “Exame”, no “Diário da Rússia”, no “Jornal da Orla”, no jornal “A Tribuna” e na revista “Voto”
Esse conteúdo foi originalmente publicado no portal do Instituto Millenium