Deixem viver as comunidades alternativas

06/06/2014 12:50 Atualizado: 06/06/2014 13:40

Quando nos encontramos nesse fim de semana, minha amiga havia acabado de filmar um mini-documentário sobre uma comunidade judaica coletivista localizada em algum prédio do Upper West Side em Nova York. Contou-me sobre como os residentes de vinte e poucos anos tentavam dividir todos os seus bens pessoais. Revezavam-se nas compras semanais feitas em comum. Enquanto filmava, na hora do lanche, alguém abriu um coco que foi passado de boca em boca para que todos tomassem um gole da água.

Talvez você ache legal viver numa comunidade onde todos sejam co-proprietários dos bens de consumo. Talvez não. Mas o importante é que você não precisa decidir se esses garotos judeus devem viver dessa forma ou de outra. Não importa o que você acha, eles continuarão dividindo seus cocos. Assim como não importa a mentalidade hippie desses garotos, você pode continuar desfrutando da sua água de coco na sua privacidade.

O liberalismo se distingue de qualquer ideologia pela sua pluralidade ideológica, algo que imagino espantar qualquer um que comece a descobrir a filosofia liberal. Em uma sociedade liberal, você pode viver em uma comunidade coletivista. Em uma sociedade coletivista, você não pode viver em uma comunidade liberal.

Uma sociedade plural é aquela em que, porque não são obrigadas a seguir um projeto comum, diferentes pessoas e famílias podem buscar a realização de diferentes projetos em comum. A estabilidade e a paz das democracias liberais estão menos no fato de serem democráticas (no sentido de se manter eleições abertas), e mais no fato de serem liberais. Uma democracia majoritária não-liberal tende ao conflito e à opressão porque as pessoas têm respostas diferentes à questão ética do que é uma boa vida. A mera possibilidade da implementação de um singularismo politico desencadeará uma contenda generalizada.

A tolerância política também pode ser defendida como uma exteriorização de humildade, do constante reconhecimento de que podemos estar errados em nossa resposta à questão do que é uma boa vida. É melhor, portanto, que cada um responda pela sua própria vida, e não pela do seu vizinho. Na verdade, é melhor até que respondamos no presente, porque o amadurecimento futuro pode nos trazer novas respostas.

Colocado de outra forma, a questão da justiça distributiva não precisa ter uma única e compulsória resposta. Os utilitaristas não conseguem estabelecer uma escala de valores objetiva em que o projeto de vida de uma freira seja comparável ao projeto de vida de um CEO paulista. Você pode achar que um é mais nobre, o outro mais útil, mas comparar suas atividades parece-me fútil porque nossos projetos de vida não são meramente quantificáveis.

Algumas comunidades podem distribuir seus bens entre seus membros de acordo com mérito, necessidade, inteligência etc. e arcar com as deficiências de cada escolha. Mas, a partir do momento em que se coloca um padrão distributivo como fundamento de uma sociedade, nenhum outro é possível. Uma família só pode fazer uma distribuição interna de acordo com a necessidade de seus membros porque não precisa incluir todas as demais famílias em sua distribuição.

Uma sociedade plural requer uma boa dose de liberdade para que experimentos possam ocorrer sem implicar no desmoronamento social. Por isso as comunidades alternativas foram um fenômeno americano e não soviético. É possível haver várias formas de singularismo social. É possível haver apenas uma forma de pluralismo social, no slogan de Robert Nozick: “de cada um segundo o que escolhe, a cada um segundo o que lhe é escolhido”.

Diogo G. R. Costa é professor de relações internacionais no Ibmec-MG e Presidente do Instituto Ordem Livre

Instituto Ordem Livre