Aparentemente, uma nova ameaça econômica paira sobre a Europa. Seu nome é “inflação muito baixa”, e a zona do euro está evidentemente sob o grande risco de sucumbir a esta ameaça.
“Um longo período de baixa inflação — ou até mesmo de deflação, que é quando os preços caem persistentemente — amedronta os Bancos Centrais”, explica o The Wall Street Journal, “pois ela [baixa inflação] pode afetar o crescimento e fazer com que seja mais difícil para governos, empresas e consumidores arcar com o serviço de suas dívidas”.
A inflação de preços oficial divulgada pelo Banco Central Europeu (BCE) foi de 0,7% em abril, ou seja, ainda está positiva. Não há nenhuma deflação de preços, mas é fato que o número é muito baixo.
Como pode uma baixa inflação afetar o crescimento econômico é algo que não está muito claro para mim. Em outras épocas, o termo “inflação muito baixa” era também sinônimo de “estabilidade de preços” e costumava invocar conotações positivas. Mas aqueles eram tempos economicamente mais sensatos, quando não se pensava que estabilidade de preços representava um risco à saúde de uma economia.
Por que houve esta repentina mudança de mentalidade é algo ainda não muito óbvio. O que é certo é que não há nenhuma evidência empírica — tão estimada por comentaristas e palpiteiros — que sustente a afirmação de que inflação baixa, ou até mesmo deflação, esteja correlacionada com recessões ou depressões (que o digam suíços e alemães), muito embora tal elo sempre seja assumido, implícita ou até mesmo explicitamente, pela imprensa.
Durante as primeiras décadas do século XX, os EUA vivenciaram vários anos de baixa inflação, e até mesmo de deflação, que não foram de recessão. No século XIX, em todos os países do mundo que estavam rapidamente se industrializando, uma “inflação muito baixa” ou até mesmo uma deflação persistente eram a norma, e tal deflação era frequentemente acompanhada de taxas de crescimento econômico que, hoje, seriam invejáveis para os países do G-8.
Pensando bem, qualquer economia capitalista decente, com sua constante tendência de aumento na produtividade, deveria apresentar uma persistente deflação de preços. Em uma economia de mercado, todos os indivíduos trabalham de modo a produzir bens e serviços de maneira cada vez mais eficiente. Nesse cenário, em que a oferta de bens e serviços aumenta constantemente, o preço de cada bem e serviço teria de cair com o passar do tempo. Qualquer comportamento diferente desse seria incompreensível. Afinal, oferta e produtividade estão sempre aumentando, o que faz com que os bens e serviços se tornem mais acessíveis e mais baratos.
O único fator que pode desorganizar essa relação é se a quantidade de dinheiro na economia crescer a uma taxa maior do que o aumento da produtividade e da oferta.
“Urgente! Consumidores apavorados com os preços estáveis!”
A pergunta, portanto, é: de acordo com essa nova categoria de pensamento, partir de qual valor uma “inflação razoavelmente baixa” se transforma em “inflação muito baixa” e, com isso, se torna um perigo iminente? Tomando-se por base os pronunciamentos do Banco Central da Inglaterra (BOE) e do Banco Central Europeu (BCE), a demarcação está em algum valor entre 0,7% (que apavora o BCE) e 1,6% (que apavora o BOE).
O argumento frequentemente utilizado é o de que uma inflação baixa, ou uma deflação, faz com que as pessoas adiem suas compras ou posterguem todo o seu consumo. Segundo essa lógica, se um consumidor da zona do euro espera que um bem, que hoje custa €1.000, irá custar €1.007 daqui a um ano, tal expectativa de encarecimento não será o suficiente para estimulá-lo a sair correndo de casa para comprar esse bem nesse exato momento. Daí a economia estar deprimida.
Já os britânicos, ao que tudo indica, agem da maneira oposta: se eles esperam que um bem que hoje custa £1.000 irá custar £1.016 daqui a um ano, tal expectativa é tão pungente que é capaz de fazer com que eles saiam correndo de suas casas para consumir mais no presente. Com efeito, os britânicos estão tão propensos a acreditar nesse aumento de preços, que já voltaram a se endividar acentuadamente e já estão aceitando juros consideráveis para comprar em todas as lojas. “Os britânicos estão se re-alavancando”, relata o The Guardian. “O crédito para o consumo aumentou £1,1 bilhão apenas em março. A dívida total no cartão de crédito foi de £56,9 bilhões em março. A taxa de juros média para empréstimos no cartão de crédito está em 16,86%”. A Grã-Bretanha, como enfatiza a reportagem, é a nação mais endividada do mundo.
Graças a todas essas políticas de “estímulo” implementadas pelos Bancos Centrais, em que os juros estão em quase zero, os poupadores desses países não estão recebendo absolutamente nenhuma recompensa por seus sacrifícios. E agora a imprensa quer que, além dos juros zero, a estabilidade de preços seja abolida. Ou seja, a combinação almejada é a de juros zero e alta inflação de preços.
De fato, não é muito divertido ser um poupador nos dias atuais — e ainda não encontrei argumentos que expliquem que tais políticas farão as pessoas mais felizes no longo prazo.
A teoria desconhecida
Esse argumento de que preços declinantes fazem as pessoas postergar o consumo não apenas não possui nenhuma base teórica, como também nunca foi observado na prática. E por um simples motivo: algo chamado de preferência temporal.
O ser humano sempre irá preferir ter um bem hoje a ter esse mesmo bem apenas no futuro distante. Isso é o básico da teoria da preferência temporal. Logo, sempre que possível, elas preferem consumir no presente. Além de você não poder postergar sua demanda por alimentos, roupas, moradia e alguns outros bens, há também o fato de que você não necessariamente irá adiar sua aquisição de um bem hoje só porque ele estará mais barato daqui a três ou quatro anos. Por quê?
Porque mesmo comprando-o hoje a um preço maior, você sabe que seu poder de compra será maior no futuro. E isso muda tudo. Se você vive em um ambiente em que os preços estão caindo continuamente, você sabe que seu poder de compra futuro será maior que o atual. Mesmo sabendo que um carro estará $3.000 mais barato daqui a dois anos, você ainda assim irá comprá-lo hoje, pois sabe que daqui a dois anos seu dinheiro estará valendo mais. Não obstante seu gasto de hoje, você terá maior poder de compra para aquisições futuras. É justamente o fato de você saber que terá maior poder de compra no futuro o que não irá restringir seu consumo presente.
Ao contrário até: é bem possível que o consumo presente possa aumentar. Afinal, se você sabe que ano que vem seu poder de compra será maior, então você pode gastar mais hoje.
No que mais, caso este raciocínio da postergação do consumo fosse válido, absolutamente nenhum produto eletrônico (que apresenta deflação de preços ano após ano) jamais teria sido comprado na história da humanidade. Absolutamente nenhum celular, nenhum iPhone, nenhum iPad, nenhum iPod, nenhum laptop, nenhuma câmera fotográfica, nenhuma televisão teriam sido vendidos no mundo.
O Japão
O melhor exemplo da insensatez econômica que vem acossando o mundo ocorreu no Japão. A nova política adotada pelo primeiro-ministro Shinzo Abe — chamada de Abenomics — supostamente deveria revigorar a economia por meio da, entre outras coisas, desvalorização da moeda e um subsequente aumento nos preços. No entanto, após um ano de Abenomics, os preços subiram e o consumo caiu (duh!).
Como se queixou um corretor no Financial Times: “As coisas realmente não são tão diretas quanto parecem. …. Um aumento nos impostos sobre valor agregado elevou a inflação de preços no Japão para 2,9% em abril, o maior valor em 22 anos. Isso reduziu o poder de compra da população e piorou a qualidade de vida de vários idosos que vivem com uma pensão fixa”.
Os defensores de uma política monetária frouxa sempre dizem que uma moeda fraca irá estimular as exportações. O problema é que, no caso do Japão, um iene fraco encarece o preço da energia, uma vez que o país depende totalmente da importação de energia.
Ou seja: antes, dizia-se que os japoneses não consumiam o suficiente porque os preços não estavam subindo rápido o bastante; agora, diz-se que eles não estão consumindo o suficiente porque os preços de fato estão subindo.
Conclusão
Se realmente fosse possível aprimorar uma economia por meio de uma política monetária frouxa e de uma desvalorização da moeda, então Argentina, Venezuela e Zimbábue seriam hoje os países mais ricos do mundo. A Argentina, aliás, realmente era um dos países mais ricos do mundo no início do século XX, mas isso foi antes de seus vários incompetentes governos desvalorizarem sua moeda.
Nenhum país jamais se tornou mais próspero ao desvalorizar sua moeda e espoliar seus poupadores. E essa é uma realidade que não pode ser alterada.
Detlev Schlichter é formado em administração e economia. Trabalhou 19 anos no mercado financeiro, como corretor de derivativos e, mais tarde, como gerente de portfolio
Tradução de Leandro Roque
Instituto Ludwig von Mises Brasil