Definindo o rentismo ou rent-seeking

10/06/2014 07:00 Atualizado: 09/06/2014 19:52

Nossos leitores se deparam frequentemente com referências ao termo rentismo, ou rent-seeking. Geralmente, a partir do contexto, fica claro que ele se refere a algo indesejado, mas de que se trata exatamente?

Renda é uma idéia antiga em economia. Na corrente principal da economia, ela se refere a um pagamento, feito ao dono de um fator de produção, acima de seu “custo de oportunidade”, ou seja, o que ele faturaria com o segundo uso mais lucrativo. No caso da terra, por exemplo, qualquer pagamento ao proprietário de um terreno além do custo de, digamos, sua limpeza e nivelamento, ou por suas “permanentes e indestrutíveis qualidades”, era tradicionalmente considerado renda.

Algumas pessoas como Henry George, um crítico social do século XIX, acreditam que esses pagamentos eram um desperdício porque (1) eles poderiam ter sido gastos na produção de bens, como casas e alimentos, ao invés de serem utilizados apenas para a transferência de propriedade de um bem já existente de uma pessoa para outra, e (2) eles não fazem nada para aumentar a oferta do fator fixo. Será que isso significa que a busca de renda é algo ruim por ser um desperdício? Não. Não nesse caso.

Vamos examinar o primeiro argumento. Um pagamento de renda puro, por um fator fixo como a terra, seja ele pago em parcelas ao longo do tempo ou de uma vez, não apenas transfere um produto de uma pessoa para outra. O que a renda ajuda a fazer é encorajar a transferência da propriedade da terra de um uso menos lucrativo para um uso mais lucrativo – por exemplo, de conjuntos habitacionais para a agricultura, caso o cultivo proporcione lucros mais altos que a construção de casas naquele espaço. Nesse caso, a transferência e, consequentemente, o pagamento de renda, fazem parte do processo que aumenta a riqueza.

Agora, é importante compreendermos que produção em economia não tem, necessariamente, algo a ver com a transformação física ou o movimento das coisas, mas com a criação de valor, que é subjetiva por natureza. Por exemplo, se João e Maria, sem usar a força ou a fraude, comercializam a propriedade de uma maçã e de uma laranja, ambos esperam necessariamente obter vantagens subjetivas como resultado disso (do contrário, pelo menos um deles não concordaria com a comercialização) já que cada um estará abrindo mão de algo que ele ou ela valoriza menos por algo que ele ou ela valorize mais. O ganho líquido de valor subjetivo que cada um sentirá constitui uma riqueza recentemente criada. Em sociedades desenvolvidas, essa é a forma pela qual a maior parte da riqueza é produzida – pelo livre mercado.

Da mesma forma, os consumidores de alimentos geram para o proprietário da terra um excedente maior sobre o custo do que os potenciais consumidores das moradias que poderiam ter sido construídas naquele espaço. A renda é um pagamento fixo ao proprietário pelo uso da terra de uma forma mais valorizada, com base na concordância de pagamento.

Como alguém pode saber que uso teria maior valor? Ninguém pode saber ao certo, mas o empreendedor-proprietário da terra tem um forte incentivo para tomar a decisão correta sobre quem deveria ter prioridade no uso dela, os consumidores de alimentos ou de apartamentos, já que para ele está em jogo a obtenção do lucro ao fazer a escolha certa – ou sua perda, caso faça a escolha errada. Os recursos que os empreendedores gastam buscando a renda, caso melhorem suas chances de tomarem decisões que aumentem a riqueza, não são desperdiçados.

O segundo argumento diz que as rendas não aumentam a oferta de terra. Entretanto, os economistas pensam dinamicamente (pelo menos, deveriam pensar), e isso significa levar em conta o que acontece ao longo do tempo, enquanto o misterioso futuro se transforma no parcialmente conhecido presente. A partir dessa perspectiva é possível ver a renda que uma extensão de terra garante a seu proprietário como algo que poderia muito bem induzir outros empreendedores que buscam o lucro a investirem na limpeza e na ocupação de mais terra, quando a área disponível se tornar escassa. Ou seja, a renda serve como incentivo para se produzir mais espaço no qual os trabalhos mais valorizados possam acontecer.

Então, seja do ponto de vista da alocação eficiente do espaço disponível ou da criação de novos espaços, a renda ajuda na criação de riquezas.

Definindo o “rentismo” ou “rent-seeking”

Então, de onde vem a má conotação do “rentismo” ou “rent-seeking”?

Gordon Tullock, um dos pioneiros na teorização do “rent-seeking”, definiu-o como “o uso de recursos com o propósito de gerar renda econômica para as pessoas, sendo que essas próprias rendas provêm de alguma atividade que tem um valor social negativo.”

Nós já vimos como as rendas geradas no livre mercado têm “valor social” positivo, concordando que a criação de riqueza é uma coisa boa. Dessa forma, nenhuma conotação negativa uniria o livre mercado ao “rent-seeking”, ou seja, ao gasto de recursos para se obter renda sobre a terra ou qualquer outra renda adquirida privadamente. Tullock está se referindo àquelas atividades que destróem a riqueza. No entanto, as pessoas às vezes se sentem desconfortáveis com o livre mercado porque são incapazes de diferenciar a busca do lucro do “rent-seeking”.

De acordo com o princípio da ação humana que Ludwig Von Mises usou como o ponto de partida da economia, o homem age com o propósito de melhorar de vida, segundo a sua percepção. Uma das lições mais importantes ensinadas por Mises, e mais tarde pelos adeptos da escola da Escolha Pública de economia política, que seguiram os passos de Tullock e James Buchanan, é que, embora o princípio da ação humana seja universal, as ações particularmente escolhidas e suas conseqüências dependem de modo crucial das “regras do jogo”.

Se as regras dizem que a forma aceitável de melhorar a sua situação é fornecer um produto ou serviço pelo qual os consumidores pagariam mais do que o custo de oportunidade dos recursos utilizados, será isso o que você tenderá a fazer. Nesse caso, se você estiver certo, e se conseguir tirar da competição seus rivais que lutam pelos mesmo dinheiro daqueles consumidores, suas ações terão acrescentado riqueza à sociedade. Isso é a busca pelo lucro.

Por outro lado, se as regras dizem que é tolerável o uso de meios políticos – a autoridade governamental para se iniciar a agressão violenta ou a fraude – para se obter renda e evitar que outros compitam com você, ou mesmo a apropriação da riqueza de outros, as pessoas tenderão naturalmente a gastar recursos na tentativa de terem acesso a esses meios. Isso é o “rent-seeking”.

Mas, diferentemente da busca pelo lucro, o “rent-seeking” não cria riqueza, apenas a transfere de uma parte à outra. Não importa se quem adquire renda por meios políticos possa melhorar de situação. Os outros, seus potenciais competidores e, principalmente, os seus consumidores, serão claramente prejudicados.

Esses últimos pagarão preços mais altos por uma menor qualidade, ou terão menos escolhas, já que os meios políticos são bastante eficientes no desencorajamento de empreendedores rivais. Os resultados do “rent-seeking” também asfixiam o processo competitivo das descobertas. Assim, os consumidores passam a ter menos chances de conhecer métodos mais eficientes ou fornecedores melhores.

Dessa forma, os recursos que os “rent-seekers” competitivos gastam em sua busca pelas rendas criadas politicamente são, de fato, desperdiçados, já que são utilizados para se produzir um resultado pelo qual nenhum valor é gerado. Na verdade, o “rent-seeking” desse tipo destrói riquezas.

O “rent-seeking” versus o estado de direito

Até agora vimos que o “rent-seeking” é indesejável por ser um desperdício. Além disso, ele geralmente adquire a forma de restrições sobre a competição ou sobre o uso dos direitos de propriedade, já que o desejo de se obter renda através do poder político distorce a operação dos processos mercadológicos. Essas distorções, especialmente quando se chocam com as taxas de juros e os preços de bens e serviços, dificultam o trabalho de consumidores e produtores no planejamento para o futuro incerto, aumentando as suas chances de erro.

Mas um problema ainda mais sério a respeito das normas sociais é que o “rent-seeking” tende, através do tempo, a encorajar um número crescente de pessoas a se envolver nessa atividade, tentando adquirir poder político – seja para obter vantagens sobre os menos poderosos, ou como contrapartida ao poder político e as vantagens possuídas por outros. Com isso, inicia-se uma dinâmica preocupante que ao longo do tempo erode progressivamente o respeito ao estado de direito, ao governo limitado e à propriedade privada.

O estado de direito limita o governo por leis que são determinadas e promulgadas a priori, e que não são moldadas para beneficiar ou causar danos a nenhuma pessoa ou nenhum grupo em particular. Por exemplo, uma lei que proíba qualquer pessoa de se envolver com propaganda fraudulenta está de acordo com o estado de direito, enquanto outra que garanta o privilégio do monopólio a uma firma ou sindicato não está. Como a propriedade privada, o estado de direito serve para proteger indivíduos contra intervenções governamentais arbitrárias e, como tal, é um dos pilares da liberdade individual, do governo limitado e do livre mercado.

As regras do jogo que geram o “rent-seeking” são violações claras do estado de direito, pois privilegiam arbitrariamente alguns à custa de outros. Esse fato, por sua vez, dá às pessoas um incentivo para gastarem recursos para se associarem aos vencedores ou se distanciarem dos perdedores. O desejo de obtenção de rendas geradas politicamente é um motivador fundamental para as quebras intervencionistas do estado de direito. Ao mesmo tempo, o “rent-seeking” tende a prevalecer à medida que os cidadãos permitam a violação do estado de direito. Um sistema político econômico que observasse rigorosamente o estado de direito eliminaria, necessariamente, o “rent-seeking”.

A diferença entre a busca pelo lucro e o “rent-seeking” é parecida com aquela entre o comércio pacífico e o assalto a mão armada. Ambos demandam tempo e energia. Porém, um cria riqueza enquanto outro a destrói; um encoraja a cooperação pacífica, outro a enfraquece.

Sanford Ikeda é economista da Universidade do Estado de Nova York

Instituto Ordem Livre