Quando um educador chinês visitou um amigo recentemente, ele foi informado de que a transição de poder na China não será fácil. O amigo citou uma análise baseada num livro de Alexis de Tocqueville publicado em 1856 após a Revolução Francesa. Mas a identidade do amigo, um alto oficial do PCC, faz tal revelação explosiva.
Parece que uma leitura do trabalho de um historiador francês falecido levantou algumas questões sérias e assustadoras e apontou semelhanças entre a China atual e a França antes de 1789.
New-Way Monthly, um jornal baseado em Hong Kong, informou que em fevereiro, o presidente da Universidade de Yanjing em Pequim, Hua Sheng, escreveu sobre este microblogue, “[Eu] fui ver um ex-chefe meu, que recomendou que eu lesse ‘O Antigo Regime e a Revolução’ de Alexis de Tocqueville. Meu amigo acredita que para um país grande e importante como a China, seja a partir de uma perspectiva histórica ou de influências externas, uma transição para o mundo moderno [desenvolvido] não será fácil. O povo chinês ainda não pagou as despesas.”
De acordo com o artigo, o mencionado “ex-chefe” de Hua Sheng é o membro central do Politburo do Partido Comunista Chinês (PCC) e vice-primeiro-ministro Wang Qishan.
Na década de 1980, o estudioso da economia Hua Sheng trabalhou sob as ordens de Wang Qishan e eles participaram de reuniões juntos.
Wang Qishan graduou-se no departamento de história da Universidade Noroeste da China, em seguida, trabalhou no Instituto de História Moderna da Academia Chinesa de Ciências Sociais. Wang era famoso dentro da comunidade intelectual em 1980 antes de se tornar um político.
O jornal japonês Yomiuri Shimbun informou em 16 de maio que a lista dos 10 possíveis candidatos a integrarem o Comitê Permanente do Politburo do PCC já foi decidida e que o vice-primeiro-ministro Wang Qishan é um dos candidatos recém-adicionados.
Há também analistas que acreditam que Wang poderia entrar no Comitê Permanente do Politburo durante o 18º Congresso Nacional deste ano e em seguida substituir Wu Bangguo como o presidente do Congresso Nacional em março do próximo ano.
Alerta de Alexis de Tocqueville
O historiador do século XVIII, Alexis de Tocqueville, é conhecido por seus livros ‘A Democracia na América’ (publicado em dois volumes, 1835 e 1840) e ‘O Antigo Regime e a Revolução’ (publicado em 1856). Ambos os livros sugerem que revoluções violentas e em grande escala não acorrem necessariamente em períodos de pobreza, mas em períodos de desenvolvimento econômico em que há grandes discrepâncias de riqueza. Durante tais períodos, os conflitos de classe são os mais graves e há maior probabilidade das pessoas das classes mais baixas transformarem sua raiva e ressentimento em guerra.
Fontes disseram que Wang Qishan está preocupado com a “idade de ouro da China”. Ele se preocupa com a classe superficial e míope dos novos-ricos, mas também se preocupa com os cidadãos comuns equivocados e ingênuos. Wang expressou abertamente estas preocupações muitas vezes.
Em setembro de 2011, Wang Qishan visitou a Grã-Bretanha. Enquanto almoçava com estudiosos chineses em economia e finanças da Universidade de Oxford, Wang discutiu muitas questões chinesas e globais. O decano de Estudos Chineses Contemporâneos da Universidade de Nottingham, Yao Shujie, registrou os detalhes desta discussão de almoço em seu microblogue.
Segundo Yao, alguns estudiosos levantaram a questão de como a China pode continuar a se desenvolver, o que causou um debate acalorado.
Wang Qishan disse que Deng Xiaoping acreditava que a China precisaria de várias gerações, ou até mesmo várias dezenas de gerações, para recuperar o atraso em relação ao Ocidente.
“A República Popular da China têm apenas 62 anos e o desenvolvimento econômico apenas 33 anos. Podemos de repente nos tornar o melhor país do mundo? Difícil. Podemos não ter sofrido o bastante, pagado o custo necessário. Para simplificar, o caminho à frente ainda é muito longo”, disse Wang, segundo o microblogue de Yao.
Ao descrever a sociedade francesa antes da Revolução Francesa, de Tocqueville parece ter transcendido o tempo, porque muito do que ele menciona também pode ser aplicado à China de hoje. Por exemplo: “Quando os homens já não estão ligados por laços antigos, eles estão muito propensos a colocarem todos os seus pensamentos no interesse pessoal e limitarem-se a uma individualidade estreita em que a virtude pública é sufocada. […] Daí, as paixões dominantes tornam-se um desejo por riqueza a todo o custo […] O despotismo só pode oferecer segredo e escuridão, que a ganância requer para ficar à vontade e que animam os homens a enfrentarem a desonra para satisfazerem ganhos fraudulentos.”
Ele descreveu a mentalidade gerada por uma falta de liberdade política como, “O que parecia ser o amor para o país passa a ser mero ódio de um déspota.”
Em relação ao rápido aumento da riqueza, de Tocqueville advertiu muito seriamente, “Por um lado, o desejo da nação pela riqueza cresce explosivamente a cada dia, por outro lado, o governo continua a incitar o desejo, mas também continua a obstruir. Acender essa paixão, mas depois extingui-la novamente, acelera sua própria morte.”
Suas palavras também poderiam facilmente explicar o aperto asfixiante ao poder do PCC quando ele observou que o governo francês pré-1789 “apenas cedeu ao desejo instintivo de cada governo de reunir todas as rédeas do poder em suas próprias mãos”.
Não apenas uma opinião solitária
O jurista chinês He Bing também tem preocupações semelhantes às de de Tocqueville.
“Falando da situação atual na China, por um lado, uma grande quantidade da riqueza privada é tomada para uso público; por outro lado, uma grande quantidade da riqueza pública é transferida para contas privadas; riqueza nacional e riqueza privada estão estreitamente ligadas entre si, a um grau nunca visto na história. Medidas administrativas nacionais não permanecem mais no domínio público, mas afetam diretamente a riqueza privada de centenas de milhões de pessoas”, blogou ele.
“A ascensão e queda do mercado de ações afeta diretamente a felicidade de dezenas de milhares de famílias. O preço da habitação, como uma montanha-russa, agita os nervos de centenas de milhões de pessoas. Quando as políticas governamentais não são boas, as pessoas se reúnem para expressarem suas queixas. Pessoas que costumavam serem submissas são agora como lenha seca perto do fogo exposto, prestes a explodir em chamas num instante.”
Embora a história chinesa seja muito, muito mais longa do que a francesa, pode-se dizer que “plus ça change, plus c’est la même chose”, ou seja, “Quanto mais as coisas mudam, mais elas permanecem as mesmas.”