Está claro que o tema da pobreza no mundo é o grande convidado de Davos. Quando se discute a pobreza, hoje em dia, os primeiros a pôr a cabeça do lado de fora são os que lucram com ela: os socialistas de todos os matizes.
Dilma se fez presente, tentando convencer os investidores internacionais que há bom clima para eles colocarem por aqui o seu prezado dinheiro. Mais uma performance eleitoreira da presidente, em função do que os petistas e coligados sempre acham essencial: ganhar as próximas eleições. Pouco estão se lixando com os pobres do planeta. Tampouco se preocupam com os ricos e com os critérios que eles empregam para investirem a sua dinheirama.
Certamente, na América Latina, os países da Aliança do Pacífico, México, Colômbia, Peru e Chile têm mais coisas a oferecer aos investidores, a começar pela segurança jurídica de que não serão mudadas as regras do jogo. Clima muito diferente daquele que oferecem os países da “área bolivariana” das Américas (Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador, Argentina, Nicarágua, Brasil). Se pudessem, todos se juntariam no Mercosul (que de “merco” não tem quase nada, tendo sido banido o mercado, e de “sul” só resta o nome, pois está tentando se confundir com a “Alba” do finado Chávez).
A sorte dos pobres do mundo de hoje será assinalada pelo capitalismo. Falo em “sorte” no sentido de redenção das cadeias da pobreza. Foi assim no século XX e não será diferente no XXI. Claro que quando falo em capitalismo refiro-me à produção capitalista aberta ao livre mercado pensada pelos liberais, desde John Locke até os tempos atuais. Capitalismo não liberal é um contrassenso, que produz riqueza para alguns. O verdadeiro capitalismo produz riquezas para todos, graças à mediação dos mercados e da liberdade de empreendimento.
Como tudo na vida, para resgatar a originalidade do capitalismo liberal, devemos nos remontar até as fontes clássicas do mesmo. As principais: Locke, Adam Smith, Benjamin Constant de Rebecque, Tocqueville, os Patriarcas da Independência americana, os doutrinários franceses. Esses são os clássicos. No século XX, menciono duas fontes importantes: Raymond Aron e os pensadores econômicos da Escola Austríaca.
Na tradição luso-brasileira, os clássicos do liberalismo são: Silvestre Pinheiro Ferreira, Paulino Soares de Sousa (Visconde de Uruguai), Rui Barbosa, Assis Brasil e Gaspar da Silveira Martins. Seria difícil elaborar uma lista que englobe todos os pensadores liberais destacados do século passado. Mas arrisco o meu palpite: pensadores liberais clássicos no século XX, no meu entender, são: Miguel Reale, Roque Spencer Maciel de Barros, Antônio Paim, Eugênio Gudin, Ubiratan Macedo, José Guilherme Merquior, Meira Penna, Roberto Campos, Og Leme. Sobre o legado deles, a nova geração liberal que leciona nas universidades e nas instituições de ensino médio, e que desponta nas redes sociais, está, certamente, modificando o panorama político brasileiro.
Capitalismo liberal é a solução para o problema da pobreza. Isso desde as mais remotas origens, com John Locke. Acaba de ser publicado na França o breve ensaio dedicado pelo filósofo à problemática mencionada, sob o título de: Que faire des pauvres? [O que fazer com os pobres? – tradução do inglês de Laurent Bury, apresentação de Serge Milano, Paris: Presses Universitaires de France, 2013, 63 pp.] É a versão do pequeno ensaio lockeano intitulado: On the Poor Law and Working Schools (1697), que constituiu uma memória dirigida ao rei acerca do problema da pobreza no Reino Unido e de como superá-la. Recordemos que Locke ocupava, nesse tempo, o alto cargo de Comissário Real do Comércio e das Colônias e que o seu escrito constituía uma análise muito direta, endereçada ao Rei, acerca de como tirar os pobres da sua situação de penúria.
A fórmula? A questão da pobreza, considerava Locke, deveria ser resolvida pelo sistema produtivo, ou seja, pelas forças econômicas mediante a produção de riquezas, de um lado, e de outro, mediante a prática dos deveres por parte de todos os cidadãos. Locke não duvidava em afirmar, no contexto da sua visão jusnaturalista, o seguinte:
“Penso que cada um, em função da vida na qual a Providência o colocou, é obrigado a trabalhar pelo bem de todos, sem o que não tem direito a comer.”
O filósofo deixava claro, também, que “cada um deve ter alimento, bebida, roupas e calefação”. De graça não: trabalhando. Locke era um calvinista e acreditava que a solução para os problemas de sobrevivência humana viriam pela via do trabalho.
Segundo o filósofo inglês, é dever de todos trabalhar. Dos pobres e dos ricos. Estes, mediante os seus empreendimentos, são obrigados a melhor geri-los de forma a oferecerem fontes de trabalho suficientes. Uma vida de nababo não pode ser admitida para os proprietários que acumularam riquezas. Se as acumularam, devem torná-las produtivas oferecendo empregos.
Convenhamos que essa é a versão capitalista que vingou nos Estados Unidos. Um exemplo entre tantos: o miliardário dono da Microsoft, Bill Gates, que depois de ter se convertido no homem mais rico do mundo, devolve aos americanos e à humanidade em geral, em prestação de serviços humanitários e culturais, o enorme patrimônio que conseguiu acumular graças ao seu gênio e o seu trabalho. Não deixou por fora os seus filhos: deu, a cada um deles, um milhão de dólares para que o façam frutificar. Não lhes cortou as asas da livre iniciativa dando-lhes dinheiro demais. Deu-lhes o necessário para se tornarem empreendedores. Lembra-nos esse caso a parábola evangélica dos talentos.
E que pensava Locke daqueles que se acolhem sem mais à caridade pública, ou seja, às verbas do Estado, para sobreviverem (diríamos hoje, à bolsa família)? Educação para o trabalho neles, pregava o pensador liberal! As Working-Schools deveriam preparar esses cidadãos carcomidos pelo assistencialismo, a fim de que, tanto eles quanto os seus descendentes, se integrassem ao mercado de trabalho. E quem financiava e administrava as Working-Schools? Essa era incumbência, pensava Locke, da nobreza fundiária. Esses cidadãos deveriam ser estimulados a se prepararem para o trabalho e a viverem dele, nas vagas oferecidas pela nobreza dona das terras. Somente assim ganhariam de novo a dignidade que o assistencialismo estatal lhes tinha arrebatado.
No foro de Davos, as Nações Unidas apresentaram dados alarmantes acerca da concentração de riquezas no mundo. E o Papa Francisco chamou a atenção para as desigualdades entre os seres humanos e entre as nações, clamando por iniciativas que efetivamente tirassem os pobres da sua penúria. Os jornais noticiam que os grandes capitalistas da China simplesmente levam para fora as suas riquezas, a fim de garantir o bom nível econômico das suas famílias. Capitalismo de Estado (eu prefiro dizer: capitalismo num contexto patrimonialista como o chinês ou o brasileiro) dá nisso: enriquecimento para poucos.
As lições de Locke e os exemplos bem-sucedidos dos capitalistas americanos abertos à filantropia e à criação de novas formas de riqueza estão aí, para assinalar o caminho que o mundo de hoje pode seguir. Caminho que está iluminado pelo capitalismo liberal.
Ricardo Vélez-Rodríguez é professor de Filosofia da Universidade Federal de Juiz de For a (UFJF), professor-emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército e coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa” e do Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos
Esta matéria foi originalmente publicada pelo blogue Rocinante