A internet oculta, conhecida como Darknet (internet das sombras) ou Deepweb (rede profunda), é um lugar onde até a vida humana tem um preço: 10 mil dólares. É onde assassinos de aluguel anunciam sua frieza e falta de empatia com o ser humano e onde traficantes vendem drogas abertamente. Também é possível ver criminosos virtuais vendendo os cartões de crédito roubados. É um lugar onde o comércio de escravos humanos nunca terminou e onde os terroristas arrecadam dinheiro. Neste lugar, a aplicação da lei tem grandes problemas para ter impacto significativo.
No entanto, tudo isso pode mudar em breve. Como as organizações terroristas e as redes criminosas se esconderam na Darknet, as autoridades policiais dos EUA, as agências de inteligência e as empresas de segurança privada estão mudando seu foco para esta parte obscura da internet.
Estes sites não aparecem nos buscadores comuns como o Google, então o Pentágono e a NASA estão desenvolvendo tecnologia para pesquisá-los e indexá-los (achar e colocar em índice para acesso). As agências de inteligência também estão de olho na Darknet para combater o terrorismo, a polícia para combater o tráfico de drogas e as empresas de segurança cibernética estão voltando suas atenções para combater diretamente o crime virtual.
O momento não poderia ser mais importante. Assim como a internet dá acesso aos negócios legítimos para o mercado global, a Darknet fornece aos criminosos o acesso ao mercado negro.
Organizações terroristas, incluindo ISIS, estão usando a Darknet para angariar doações, recrutar soldados e, supostamente, para planejar ataques. Os criminosos virtuais lucram na Darknet comercializando cartões de crédito e contas bancárias roubadas.
A Rede Profunda (Deep Web)
A internet possui dois lados: o que nós estamos acostumados é chamado em inglês de “Clearnet” (internet limpa) ou surface net (internet da superfície) que é a web que está indexada e que pode ser acessada através dos sites de pesquisa como Google, Yahoo e Bing, o que representa apenas 4% do uso atual da internet. É realmente o topo do iceberg.
O outro lado da internet é chamado de Deep Web. Esta é a parte da internet que está fora do alcance dos sites de busca. Ela abrange cerca de 96% de toda a internet que existe.
“A Deep Web, literalmente, se refere a todo o conteúdo não indexado online. “É como o código que os bancos e os governos utilizam e que não precisam ser indexados”, disse Alex Winter, diretor do documentário “Deep Web”, que foi ao ar na rede de TV Epix em 31 de maio.
A maior parte do conteúdo na Deep Web é um código técnico pouco interessante. Winter disse que olhar para a maior parte dela “é como olhar embaixo do capô de seu carro.”
Dentro da Deep Web, no entanto, existe outro espaço chamado de Darknet. Ela foi criada pela Marinha dos EUA que queriam manter um espaço online para conduzir negócios de segurança nacional que não podiam se tornar públicos.
A Darknet só pode ser acessada utilizando-se ferramentas especializadas, como um navegador da Web chamado “The Onion Router” (TOR), criado pelo Laboratório de Pesquisa Naval dos Estados Unidos em meados dos anos 90. O TOR funciona mascarando a identidade de um usuário fazendo oscilar o local da conexão.
Como está fora da internet regulamentada e opera em anonimato, a Darknet atrai o bom e o mau. Alguns ativistas e dissidentes políticos usam essa rede como fórum mais seguro, onde podem discutir contornando a censura.
No entanto, essa privacidade, que é uma das características da Darknet, também a torna um local seguro para as pessoas que traficam drogas, armas, propriedade intelectual roubada, falsificação de documentos e outros bens ilegais.
Uma luz na escuridão
A polícia enfrenta um problema fundamental no combate ao crime na Darknet: ninguém realmente conhece todos os sites que existem na Deep Web. Há um punhado de mercados e sites que são semi-públicos, ainda há muitos que só existem dentro de pequenas redes pessoais e, outros que, conforme a situação, aparecem e desaparecem.
O Pentágono está desenvolvendo um software para procurar e indexar esta parte da internet definida como ausente na pesquisa do Google. Este é o alcance do novo programa do governo.
O programa é chamado Memex e está sendo desenvolvido pelo departamento de pesquisa e desenvolvimento do Pentágono, pela “Defense Advanced Research Projects Agency“ (Agência de Projetos de Defesa de Pesquisa Avançada-DARPA), bem como pelo Laboratório de Propulsão a Jato da NASA e 16 outras organizações. Quando o programa for concluído, há planos de liberá-lo ao público com código aberto.
Seu primeiro alvo, de acordo com a DARPA, seria o combate ao tráfico humano. O site da DARPA afirma que “fóruns, chats, propagandas, anúncios de emprego, serviços ocultos” e outros conteúdos “continuam a permitir uma crescente indústria de escravidão moderna.”
Há partes da Darknet que contêm coisas mais horríveis do que se possa imaginar. O mercado de pedofilia é galopante, com sites pornográficos dedicados ao abuso sexual de crianças, com violência extrema oferecida para o entretenimento.
Há serviços de turismo de órgãos, onde pessoas podem ser assassinadas para que seus órgãos possam ser utilizados em transplantes e há uma infinidade de outros mercados que têm como objetivo a venda de armas de fogo ilegais, passaportes falsos, dinheiro falsificado, serviços de hackers e todos os tipos de drogas imagináveis.
Ao indexar os lugares invisíveis onde o tráfico de pessoas ocorre na internet, a DARPA acredita que o Memex “permitirá novas oportunidades para descobrir e derrotar as empresas do tráfico.”
Os desenvolvimentos na DARPA, no entanto, são apenas parte de um esforço conjunto para trazer a lei e a justiça à Deep Web.
Em 2013, o FBI prendeu Ross Ulbricht por criar e operar um site da Darknet chamado Silk Road (Rota da Seda), que na época era um dos principais mercados negros de drogas.
Algum tempo depois, estima-se que 50% dos sites da Darknet desapareceram, quando autoridades irlandesas prenderam Eric Eoin Marques, mais conhecido como “o chefão da pornografia infantil” que dirigia o serviço de hospedagem Freedom Hosting Service, que armazenava sites da Darknet.
Combatendo o Crime Virtual
O Pentágono e as agências policiais não são os únicos que estão de olho para trazer a ordem para a Darknet. Diante de um número crescente de roubos virtuais, empresas privadas dos EUA também estão desenvolvendo sistemas que lhes permitam rastrear e recuperar os dados que foram roubados através de ataques virtuais e vendidos na Darknet.
O co-fundador da empresa de segurança da Darknet DBI relatou que o mercado para o crime virtual na Darknet é enorme e crescente. Devido à natureza de seu trabalho a fonte pediu anonimato.
Nos mercados da Darknet, cartões de crédito são agrupados de acordo com a empresa de onde foram roubados e possuem nomes de código como “Arnold Schwarzenegger”, para mascarar ainda mais seu conteúdo. Entre eles, estão cartões de crédito roubados nos ataques cibernéticos a grandes empresas de mídia norte-americanas.
Nos sites do mercado negro, você pode simplesmente escolher os cartões roubados que você quer. Aqueles roubados recentemente custam cerca de 14 dólares cada e os mais velhos custam entre 4 e 8 dólares.
Quando se trata de aplicar a lei na Darknet, a fonte relata que é importante notar que por trás de cada cartão de crédito roubado está uma vítima que teve sua identidade roubada e que por trás de cada roubo há alguém a ser encontrado e, para isso, é necessário algo mais do que estão fazendo, é preciso ir fundo na Darknet.
Ao entrar nas salas de bate papo, disse a fonte, os agentes podem obter dicas de quando os criminosos virtuais anunciarão os planos para atacar determinadas empresas. Assim, os agentes podem entrar em contato com as empresas e oferecer seus serviços para impedir o potencial ataque. Mas os resultados variam.
“A parte mais difícil do nosso negócio está em fazer as empresas nos ouvirem”, disse a fonte.
Os chefes das grandes empresas somente agora perceberam a importância da segurança cibernética, e muitos deles nem sequer ouviram falar dos crimes na Darknet. No entanto, a fonte acredita que isso está mudando rapidamente.
A fonte deu um exemplo: um tempo atrás havia uma conversa na Darknet sobre criminosos virtuais que planejavam atacar um banco e roubar milhões de dólares. A empresa da fonte ligou para o banco passando as informações, mas eles recusaram assistência.
“No dia seguinte, o banco ligou e disse que foi invadido e que precisava da nossa ajuda”. Mais de 800 mil registros tinham sidos roubados.
Como testemunho do valor da Darknet para a segurança virtual, a fonte disse que sua empresa foi capaz de “entrar na Darknet, localizar todos os registros roubados e levá-los de volta sem danos para a instituição bancária. E o mais importante é que não houve vítimas.”
O Moderno Crime Organizado
A fonte ainda relata: seja o tráfico de seres humanos, a venda de órgãos humanos, financiamento do terrorismo ou lavagem de dinheiro, a Darknet é um lugar onde está ocorrendo um ”novo e anônimo crime organizado.”
Grande parte do crime organizado na Darknet é constituído por países que sofrem conflitos políticos e estão quebrados socioeconomicamente. Os governos desses países, muitas vezes, fecham os olhos para o crime organizado ”porque é dinheiro que retorna para o sistema do país.”
Existe uma relação conhecida entre os Estados falidos e o crime organizado. A estratégia da Casa Branca para combater estas redes transnacionais, lançada em julho de 2011, estabelece que grupos criminosos organizados ameaçam os interesses dos EUA por “tirar vantagem dos Estados falidos ou das terras contestadas.”
Enquanto se aproveitam dos Estados falidos, afirma o relatório, os grupos criminosos desestabilizam ainda mais estas nações através da formação de alianças com funcionários corruptos do governo e às vezes até mesmo negociam sua entrada nas agências de inteligência do país.
Grupos do crime organizado recorrem frequentemente à internet para realizar uma “fraude sofisticada”. Diz o relatório: quando as organizações criminosas, que operam a partir dos Estados falidos, começarem a utilizar a internet para o crime, há o risco da transferência de armas para terroristas ou do uso da internet para expandir o narcotráfico e as redes de contrabando de armas e pessoas”.
A fonte observou, no entanto, que há, também, abundância de crimes na Darknet que não são relacionados com quadrilhas de criminosos ou com governos corruptos. “No fim das contas é muitas vezes apenas questão de dinheiro e, em algumas ocasiões, por motivos pessoais”. “Mas essa não é a nossa preocupação, nossa preocupação é impedir que aja vítimas.”
Como o crime migrou para a internet, a polícia e muitas empresas de prevenção de crimes virtuais ainda são inexperientes quando se trata de navegar na Darknet.
Alex Winter, diretor da Deep Web, disse que, na era da internet, este é um problema que a polícia precisará resolver em breve.
A abordagem no combate ao crime online é semelhante ao que aconteceu no passado, durante a era de ouro dos piratas em meados e fim do ano 1600. A pirataria era um produto do colonialismo. Como o comércio marítimo cresceu muito rápido, a justiça custou a tomar providências, então os piratas prosperaram.
A era dos piratas chegou ao fim quando os países começaram a se concentrar menos em parar os piratas e mais em cortar seu acesso a bases em terra, onde os bens roubados poderiam ser vendidos.
Darknet é para o crime online o que as bases terrestres foram para os piratas. A luta contra o crime online vai inevitavelmente se mover em direção aos mercados negros encontrados nas partes mais profundas da internet.
Em relação à inevitável mudança de aplicação da lei para a Darknet, Winter disse que “as implicações são enormes” e que isso vai levantar a questão de “como a justiça vai julgar os casos na era digital”.
“Embora as mudanças sejam enormes e impactantes, ainda são um embrião”, disse Winter, observando que com a entrada da justiça na internet e seus efeitos sobre o crime, sobre os negócios e as agências de justiça, “ainda vai levar um longo tempo antes que a poeira possa baixar. “