A culpa é sempre do usuário

07/02/2014 16:11 Atualizado: 07/02/2014 16:11

São Paulo está sob ameaça de um racionamento de água. A Sabesp diz que a culpa é do usuário que desperdiça água, que faz “gato” e por aí vai. Nesta semana, o metrô paulistano teve (mais uma vez) problemas, e pessoas ficaram presas por mais de meia hora dentro de um túnel sem ar condicionado, o que resultou em pânico, saídas de emergências acionadas, pessoas andando pelos trilhos e um colapso generalizado que durou cerca de 5 horas. O Secretário Estadual de Transportes e o Governador Geraldo Alckmin disseram que a culpa foi dos usuários “vândalos”. Nenhuma das autoridades assumiu qualquer parcela de erro. O inferno são sempre os outros.

No fundo (e nem tão no fundo assim), o cidadão não passa de um cliente pentelho, um inimigo, pra esse jeitinho empresarial de lidar com a “coisa pública”. Mas o que era o último grito da moda administrativa nos anos 1990 esfacelou-se com a crise de 2008, na qual bancos e instituições financeiras quase levaram o mundo à bancarrota e mesmo assim não foram punidos. Ninguém mais aguenta esse tratamento diferenciado de lucros e benefícios para poucos e prejuízos para muitos.

A Sabesp, por exemplo, gastou os tubos com publicidade pedindo que os usuários economizassem, mas em nenhum momento se prontificou a resolver a absurda perda de 25% da água entre os reservatórios e as residências. Também não é mencionado que a produção de água está no limite da demanda e que, portanto, qualquer problema coloca o sistema em crise (sem falar que na periferia de São Paulo, a falta de água já é realidade). Mas a culpa é da tiazinha que lava sua calçada, do maninho que lava o carro no domingo.

Já o caso do metrô e trens é ainda mais complexo. Promotores públicos estimam que o “propinoduto tucano” tenha desviado cerca de R$ 875 milhões dos cofres estaduais (pouco mais de 6 “mensalões”), mas os valores dos contratos com as multinacionais Alstom e Siemens, empresas que atuam nos metrôs e trens de São Paulo há 20 anos, chegam a quase 40 bilhões. Existem muitas denúncias que comprovam que durante os governos de Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin houve um esquema de corrupção que fraudou licitações, e que desviou dinheiro público para aquisição e reforma de trens, e na construção e expansão das linhas metroferroviárias em São Paulo.

Desde 2011, o Sindicato dos Metroviários vem alertando a direção do Metrô e ao Ministério Público sobre problemas recorrentes, principalmente nas frotas que foram reformadas com valores superfaturados. “Sempre dissemos que, ao não resolvê-los, a empresa estava trabalhando com a sorte, apostando na sorte. E que, se isso ocorresse no pico da tarde, com as pessoas voltando para suas casas, ia causar tumultos. (…) Nossa preocupação é que isso pode acontecer novamente, e o governo pode não ter tanta sorte. Estamos à beira de uma tragédia”, afirmou Altino de Melo Prazeres Jr., presidente do sindicato.

E diante de tudo isso e de tantas testemunhas do caos de terça, 4 de fevereiro , o que diz o Governador Geraldo Alstom, ooops, Alckmin? Que o que aconteceu foi “sabotagem” e que uma das soluções é aumentar o policiamento (?!). A culpa é do usuário, esse fracote que não aguenta meia horinha dentro de um metrô de portas fechadas sem ar condicionado.

Melhorar mesmo? Melhorar mesmo? Melhorar nada.

Esse conteúdo foi originalmente publicado no site Anonymous Brasil