Traficantes de drogas nos Estados Unidos estão migrando para novos mercados com a ajuda de fábricas chinesas. Seu novo alvo é a falsificação de medicamentos e suas vítimas são os mais vulneráveis: pacientes com câncer, idosos, crianças hospitalizadas e pessoas que, de outra forma, não podem pagar por medicação.
As organizações criminosas estão sendo atraídas pela sedução do novo mercado que apresenta menos risco legal e lucros mais elevados do que os conseguidos com as drogas ilícitas. As empresas chinesas, por sua vez, estão operam com pouca supervisão e fora do alcance da lei norte-americana ou internacional.
“Não só as empresas químicas chinesas vendem materiais precursores aos cartéis mexicanos e drogas sintéticas diretamente para os mercados europeu e norte-americano via internet, mas também estão ativamente envolvidas na produção de fármacos clonados”, disse Robert Bunker, professor-adjunto no Instituto de Estudos Estratégicos do Colégio de Guerra do Exército dos EUA, num e-mail.
Casos de contrabandistas de medicamentos falsos são cada vez mais comuns. No início de outubro, três moradores do Texas foram indiciados por supostamente tentarem contrabandear pelo menos 30 carregamentos de medicamentos falsificados – cerca de 100 mil comprimidos – para os Estados Unidos a partir de China.
Os contrabandistas teriam dito à alfândega norte-americana que as caixas eram “presentes” e “brinquedos”. No interior, no entanto, havia versões falsificadas de medicamentos, incluindo Xanax, Valium, Sibutramina, Cialis, Viagra e Ambien. Os recipientes dos medicamentos tinham etiquetas falsas, de forma que os compradores não perceberiam a diferença.
“Essa acusação contra os três moradores do leste do Texas é um caso evidente das forças obscuras da globalização em ação”, disse Bunker.
O mercado de produtos farmacêuticos falsificados está crescendo, com vendas calculadas entre 23 e 24 bilhões de dólares por ano, segundo a MarketWatch, que registra que cerca de 8% dos medicamentos são contrabandeados ilegalmente ou comprados por norte-americanos.
“Temos visto algumas dessas organizações que costumavam atuar no tráfico de cocaína ou maconha, por exemplo, voltando-se atualmente para isso, que é dinheiro rápido e fácil”, explica Bruce Foucart, agente especial responsável pela aplicação da lei na área da Imigração e Alfândega.
“A questão fundamental é que as pessoas acreditam que sabem o que estão comprando, mas elas não sabem o que estão obtendo”, disse Foucart.
Um sistema corrupto
O problema crescente, referente a medicamentos falsificados, recebeu toda uma subseção no relatório de 2014 da Comissão Econômica e de Segurança EUA-China.
O relatório anual sobre as ameaças provenientes da China e as recomendações ao Congresso advertem que as empresas farmacêuticas chinesas estão operando com baixa regulamentação e poucas inspeções e estão pirateando medicamentos dos Estados Unidos numa competição sem escrúpulos.
Embora funcionários chineses tenham dito que o problema foi removido, evidências mostram que o problema apenas cresce, segundo o relatório.
“A China é a maior fabricante de medicamentos falsificados no mundo”, disse Roger Bate, um especialista em falsificação de remédios e pesquisador visitante do Instituto Empresarial Norte-americano, segundo o relatório, que registra que 79% dos produtos farmacêuticos falsificados apreendidos nos Estados Unidos durante 2008 eram provenientes da China.
Parte do problema decorre da enorme e crescente indústria de medicamentos chinesa. A China tem cerca de 4 mil fabricantes, 400 mil farmácias e lojas varejistas, além de 29 mil empresas envolvidas no transporte de produtos médicos.
“Dado que a maioria dos fornecedores na China vende para outras empresas distribuidoras, ao invés de diretamente ao consumidor, elas facilmente escapam do controle dos reguladores”, informa o relatório.
Em acréscimo ao problema, a Inspeção Sanitária (FDA) dos EUA tem apenas três inspetores de fármacos em toda a China e apenas dois atuam em tempo integral. O problema decorre de que o regime chinês nega a concessão de vistos adicionais para os inspetores da FDA.
Na China, o Partido Comunista Chinês também pouco contribui para manter as empresas farmacêuticas sob fiscalização. O relatório afirma que “a competência da China para regular seus produtores é dificultada pela luta burocrática interna entre eles [departamentos de controle de medicamentos chineses] e outras agências do governo central, bem como a excessiva descentralização das responsabilidades de regulamentação, que são delegadas aos governos locais.”
A falta de fiscalização dá origem a muitos problemas. Algumas fábricas chinesas etiquetam erradamente seus produtos, afirma o relatório, como “Made in India”, ao invés de “Made in China”, para evitar a detecção.
Muitas outras empresas químicas chinesas operam no ‘mercado negro’, uma prática comum entre as fábricas da China. Segundo o relatório, os produtores da indústria química chinesa, que são licenciadas para fornecer ingredientes para empresas estrangeiras, fabricam os produtos encomendados por outras empresas durante o dia e produzem os mesmos produtos à noite para negociarem no mercado paralelo.
Produtos mortais
O efeito combinado de má supervisão, práticas de negócios corruptas e o fascínio provocado por um mercado rentável, já está afetando os consumidores dos EUA, às vezes com resultado mortal.
Pelo menos 81 norte-americanos morreram entre janeiro de 2007 e maio de 2008 devido à heparina contaminada, um agente para afinar o sangue. A heparina foi vendida por uma empresa norte-americana; no entanto, uma investigação descobriu que uma empresa chinesa, por meio de sua cadeia de suprimentos, havia trocado intencionalmente um ingrediente por um substituto falsificado, com o intuito de cortar custos.
O caso da heparina “teve um enorme impacto sobre o produto nos Estados Unidos”, disse Eric Yeh, professor de ciência farmacêutica na Universidade de Long Island, numa entrevista por telefone.
Alterar ingredientes em produtos farmacêuticos é um empreendimento arriscado. Eric Yeh afirmou: “Mesmo uma diferença de um miligrama pode ter um efeito enorme.”
O referido professor disse ainda que, mesmo que os consumidores estejam comprando medicamentos legais de empresas aprovadas, mas que estejam passando por fontes de fora dos Estados Unidos – como o Canadá ou México – os produtos podem diferir muito um do outro.
“Cada país tem regras diferentes, de modo que o processo de fabricação pode não ser o mesmo”, disse ele, observando que isso pode afetar a dosagem.
O problema é ainda maior com a falsificação de medicamentos que muitas vezes têm ingredientes substituídos por alternativas mais baratas. “Eles podem não ter quaisquer ingredientes ativos”, disse Yeh. “E, na pior das hipóteses, podem até utilizar elementos prejudiciais.”
Investigações bloqueadas
A China é a principal fonte de ingredientes da indústria farmacêutica nos Estados Unidos, motivo pelo qual a falta de fiscalização na China está colocando em risco todo o mercado de medicamentos nos EUA, mas também com enormes consequências para o mercado internacional.
Segundo o relatório da Comissão de Avaliação de Segurança, 70% dos executivos da indústria farmacêutica disseram em 2007 que a China era sua principal fonte de ingredientes e aquele país continua a ser a principal fonte de importações norte-americanas de vitaminas, antibióticos e analgésicos sem prescrição médica, como o ibuprofeno, o acetaminofeno e a aspirina.
O Partido Comunista Chinês, entretanto, tem impedido as tentativas dos EUA no sentido de garantir a segurança de seus medicamentos e ingredientes.
O Congresso norte-americano tentou corrigir o problema do mercado de falsificados para produtos farmacêuticos editando uma lei provisória – a Lei de Segurança e Inovação da FDA (2012) – para ajudar a monitorar a segurança dos medicamentos, ainda que com pouco efeito devido às restrições do regime chinês sobre os inspetores.
Quando os profissionais da FDA tentaram inspecionar fábricas chinesas após o caso da heparina venenosa, segundo o relatório da Comissão Revisora de Segurança sobre a China (órgão encarregado pela revisão e segurança de produtos oriundos da China), o regime chinês “negou o acesso a dois grandes produtores primários”.
“As autoridades chinesas reconheceram que a heparina produzida na China continha ingredientes nocivos, mas nunca admitiu que a droga contaminada tivesse causado as mortes” relacionadas a sua ingestão, afirma o relatório.
E acrescenta que, embora a empresa norte-americana Baxter, tenha sofrido centenas de ações judiciais, “exportadores de heparina parecem ter se recuperado rapidamente do escândalo”.
Os casos tampouco se detêm na heparina. Drogas adulteradas comuns são ‘produtos de estilo de vida’, como Viagra e pílulas de emagrecimento. De acordo com o relatório, um médico da área de emergências no Texas quase morreu em 2009 após tomar comprimidos chineses falsificados para perda de peso, que ele comprou pelo eBay.
Quando a FDA investigou os comprimidos emagrecedores contaminados, eles apontaram o cidadão chinês Zhou Shengyang, que vendia esses fármacos nos Estados Unidos usando um intermediário. O relatório afirma que ele ganhou milhões de dólares vendendo medicamentos falsificados, produzidos numa pequena fábrica no Sudoeste da China.
Zhou Shengyang também fazia viagens frequentes aos Estados Unidos, quando ele comprava medicamentos para usar como modelos para suas falsificações produzidas na China.
O professor Robert Bunker afirmou, referindo-se ao esquema chinês para a produção de medicamentos falsificados: “Essas práticas nefastas apenas são toleradas naquele país devido ao conluio entre as elites chinesas do Partido Comunista e grupos criminosos organizados que mutuamente lucram com esse relacionamento tenebroso.”