Crise na Síria distancia Rússia e EUA

04/08/2012 03:00 Atualizado: 04/08/2012 03:00

Rebeldes sírios em cima de um tanque do governo capturado dois dias antes na aldeia de Anadan, cerca de 6 quilômetros a noroeste de Aleppo, em 1º de agosto. (Ahmad Gharabli/AFP/Getty Images)Colaboração entre EUA e Rússia interessa a todos (menos Assad)

A última resolução da ONU patrocinada pelas potências ocidentais (Estados Unidos, Inglaterra e França) e destinada a aumentar a pressão sobre Assad e forçá-lo a abdicar foi mais uma vez foi rejeitada pela Rússia e pela China, tornando-se claro que todos os esforços diplomáticos chegaram a um beco sem saída.

Se a Rússia, o principal defensor do regime de Assad (e o país que vetou três resoluções consecutivas da ONU para pressionarem Assad), ainda acredita que Assad pode sobreviver e o apoiará até o amargo fim, Moscou está cometendo um erro colossal.

Por outro lado, se os Estados Unidos continuam a emitir condenações ineficazes uma após a outra e procuram cobertura por trás de planos políticos vazios para derrubar Assad, eles acabarão numa posição não muito melhor do que a Rússia.

A verdade é que nem a Rússia nem os Estado Unidos acreditam que o regime de Assad pode sobreviver. Assim, eles devem agora concordar numa maneira de encontrar uma solução que se assente em diplomacia coerciva aceitável para ambos e que preserve seus interesses.

Assad condenado

Na verdade, há muitos fatos irrefutáveis que sugerem fortemente que Assad está condenado.

A violência em curso está aumentando e, gradualmente, inclinando a balança em favor dos rebeldes. O notável sucesso dos rebeldes sírios, que mataram quatro altos oficiais encarregados da execução da repressão brutal de Assad, aumentou drasticamente o nível de incerteza e desmoralizou muitos dos principais comandantes de Assad.

O número de desertores, altos oficiais, incluindo o embaixador da Síria para o Iraque, Nawaf al-Fares, e o brigadeiro-general Manaf Tlass, floresceu e está se tornando cada vez mais difícil para Assad encontrar pessoas que ele possa confiar em sua reserva cada vez menor de fiéis.

Empolgados por seus sucessos em atacar a base do poder de Assad, os rebeldes têm feito grandes progressos na sua capacidade de organizar e planejar formas de infligir baixas cada vez maiores em seu exército e milícias regulares melhor treinados e equipados.

Finalmente, as falhas de todos os esforços diplomáticos têm forçado as potências ocidentais, junto com a Turquia e a Liga Árabe, a buscar soluções alternativas fora do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) através da canalização de maiores suprimentos e armamentos mais sofisticados, equipamentos de comunicação, inteligência e outras disposições necessários às forças rebeldes.

Interesses russos e norte-americanos

Independente de quão importante sejam essas medidas em ajudar os rebeldes, eles infelizmente continuam a ser insuficientes para pender a balança dramaticamente em favor da oposição e garantir o fim rápido do regime de Assad.

Embora todas estas razões (e outras) tornem impossível para Assad sobreviver, o presidente Putin da Rússia não é tão ingênuo para pensar que a revolta da Síria seja uma aberração e está provavelmente ciente de que isto é parte e parcela da Primavera Árabe.

A revolta da juventude árabe na Síria que foi testemunha da queda de Mubarak do Egito, de Kadhafi da Líbia, de Saleh no Iêmen e de Ben Ali na Tunísia, não está mais disposta a viver em submissão, humilhação e desesperança. Não há um quadro político, independente de seus idealizadores, que terá sucesso a menos que atenda a suas aspirações.

Putin sabe que, independente de quantas armas mais ele forneça a Assad e por quanto tempo ele possa adiar o inevitável, no final, o regime de Assad está condenado.

Preocupado com deterioração da posição doméstica de Assad, Putin, que agora é visto como cúmplice do massacre procurará conter o dano mais cedo ou mais tarde, uma vez que o Kremlin é certamente guiado por interesses maiores da Rússia na região.

O presidente Obama também entende que os Estados Unidos perderão ainda mais sua credibilidade e influência restantes se continuar a se proteger por trás de esforços diplomáticos abortivos e se envolver em retórica vazia que visa sem esperança acabar com o conflito (apesar da campanha de reeleição) quando centenas de sírios são mortos diariamente.

Na verdade, a relutância em permitir interferência externa à crise que eclodiu levará esta até as portas da Rússia e dos Estados Unidos.

Colaboração necessária

É claro que a Rússia tentará proteger seus interesses no Oriente Médio, que transcendem a Síria e se estendem ao Crescente Xiita, do Golfo Pérsico ao Mediterrâneo, e vê a crise deteriorante em Damasco com alarme sabendo que perseverar em sua política atual é autodestrutivo.

Também está claro que os Estados Unidos ter participação importante na região e que eventos que se desdobram na Síria podem prejudicar seriamente o interesse estratégico global dos EUA. Embora os EUA, em virtude de suas extensas alianças no Médio Oriente, estejam em posição superior, a Rússia ainda pode impedir que os EUA e seus aliados façam as coisas da sua maneira, como tem sido claramente demonstrado até agora.

A Rússia, porém, também sabe que sem colaborar com os Estados Unidos sobre o futuro da Síria, Moscou terá pouco a dizer em conceber ou influenciar a nova ordem política eventual que emergirá das cinzas de uma violência prolongada e repleta de caos, vingança e retaliação. Os islamitas se beneficiarão mais e mais extremismo emergirá.

Portanto, o tempo chegou para os dois poderes, em parceria com o Conselho Nacional da Síria (CNS), a Liga Árabe e a Turquia, colaborarem totalmente na busca de um resultado que preservará boa parte de seus respectivos interesses e ao mesmo tempo evitará que a crise “fuja do controle”, como recentemente proclamado pelo secretário de Defesa norte-americano Panetta.

Na verdade, nem a Rússia nem os Estados Unidos (embora ambos abordem o conflito de ângulos diferentes) podem permitir que a crise destrua o país ocasionando dezenas de milhares de vítimas sem sacrificarem severamente seus interesses imediatos e de longo prazo

Firmando um acordo

Deve-se notar que em mais de uma ocasião, o ministro das Relações Exteriores russo Sergei Lavrov afirmou que a Rússia não está casada com o presidente Assad e não se oporia a uma solução para acabar com a crise em circunstâncias não especificadas. A perspectiva, se não a certeza de uma plena guerra civil (a Cruz Vermelha já declarou a crise como uma guerra civil), agora pode ter criado as circunstâncias para os Estados Unidos e a Rússia forjarem uma estratégia de remover Assad apoiando os esforços do CNS em direção ao mesmo objetivo.

Como dito acima, Putin sabe que continuar a apoiar Assad até o amargo fim é um proposição fracassada e perder a Síria será um golpe severo para os interesses estratégicos maiores da Rússia na região.

Se Putin puder chegar a um acordo com os Estados Unidos e o CNS que preserve os interesses da Rússia na Síria e negociar com os Estados Unidos sobre questões bilaterais de importância crítica para a Rússia, Putin pode muito bem estar preparado para sacrificar Assad. Uma vez que Assad, através de canais privados russos, seja informado que está prestes a perder o apoio de Moscou, ele pode então optar por uma passagem segura para outro país e evitar o destino de Kadhafi.

Se Assad se recusar a atender ao apelo da Rússia, para salvar as aparências, a Rússia poderia então expressar abertamente suas preocupações de que a crise na Síria está realmente ficando fora de controle e comprometendo a estabilidade da região. Para esse fim, a Rússia estaria disposta a patrocinar uma resolução do CSNU em nome da Liga Árabe ao abrigo do Capítulo VII que autoriza a imposição de sanções e o uso potencial da força caso Assad se recuse a deixar o poder.

A resolução também deve autorizar o fornecimento de equipamento militar para deter tanques e caças, fornecer apoio logístico à oposição e permitir que os rebeldes mantenham uma grande faixa de território no norte e no sul.

Isto fornecerá santuário para o esperado aumento maciço de refugiados e estabelecerá uma plataforma para o Exército Sírio Livre realizar grandes operações contra o regime.

Para este fim, os Estados Unidos e a Rússia ajudariam então o CNS a organizar e apresentar uma agenda unificada que integre todos os grupos sociais e seitas religiosas na Síria, particularmente o curdos, cristãos e as minorias Alawite.

A colaboração de necessidade entre a Rússia e os Estados Unidos evitará um resultado horrível do qual ambos os países sofrerão um revés humilhante.

Governo transitório

É imperativo que o CNS esteja preparado para assumir o aparato do governo quando Assad sair, estabelecendo um governo transitório composto por figuras que devem incluir alguns daqueles que recentemente escaparam da Síria.

Uma vez que o CNS apresente uma frente unida, o apoio que ele recebe do Ocidente (e da Rússia) deveria depender de um período transitório de três a cinco anos antes que eleições acontecessem.

Desta forma, novos partidos políticos (seculares) terão uma chance muito melhor para se organizar e preparar plataformas políticas abrangentes, reduzindo substancialmente as chances de os islamitas capturarem o poder, algo que nem a Rússia, os Estados Unidos ou o CNS querem.

Além disso, os Estados Unidos e a Rússia devem estar preparados para patrocinar uma segunda resolução da ONU que autorizaria a criação de uma força de paz idealmente composta por um mínimo de 10 a 15 mil soldados de países árabes.

De preferência, esta força deve ficar sob o comando conjunto da Arábia Saudita e do Egito, com consultores externos do Ocidente e da Rússia para fornecer apoio logístico e técnico. Essa força deve ter o mandato para tomar medidas de manutenção da paz, se necessário, para que possa operar de forma eficaz na Síria.

Considerando as várias questões conflitantes entre todos os envolvidos, cujos interesses serão afetados pelo resultado da crise na Síria, esta abordagem pode muito bem ser vista como absurda. Mas deixar a crise seguir seu próprio curso, fará todos serem perdedores e o Oriente Médio mergulhará num futuro terrivelmente imprevisível.

Alon Ben-Meir é um professor de relações internacionais do Centro para Assuntos Globais na NYU. Ele leciona cursos de negociação internacional e estudos do Oriente Médio. alon@alonben-meir.com