A crise econômica crônica da China

03/03/2017 07:00 Atualizado: 21/03/2017 17:28

Durante os anos do boom, os analistas apenas tiveram que adivinhar se a economia chinesa estaria crescendo 10% ou 12%. No entanto, à medida que mais detalhes sobre o vício da dívida crônica da China emergiram no início desta década, alguns analistas começaram a prever uma crise financeira completa e, mais recentemente, uma forte desvalorização da moeda chinesa.

Fraser Howie, um especialista em China, nunca foi um fã do regime chinês ou de seu modelo de crescimento impulsionado pela impressão de moeda. Mas ele entende que a China tem muitas ferramentas à sua disposição para evitar uma crise no estilo do Lehman Brothers e, portanto, tem uma visão mais matizada da economia chinesa, uma variante do ciclo de boom-recessão-depressão-recuperação.

Howie é coautor de três livros sobre o sistema financeiro chinês, incluindo “Red Capitalism”, nomeado livro do ano em 2011 pela revista The Economist. Com mais de 20 anos de vida na Ásia, ele tem negociado, analisado e escrito sobre os mercados financeiros asiáticos.

O Epoch Times conversou com Howie sobre uma China que se parecerá mais com o Japão na década de 1990 do que com os Estados Unidos em 2008.

Epoch Times: É iminente uma crise financeira chinesa?

Fraser Howie: Algumas pessoas se perguntam por que ainda não desmoronou. Tem sido ruim por algum tempo. Mas a economia pode continuar ruim por muito tempo sem que haja colapso. A capacidade [do regime chinês] de realizar truques de contabilidade e mover dinheiro de um bolso para o outro pode continuar por um longo tempo.

Em primeiro lugar, não há muito de bom acontecendo. Não há qualquer evidência de reforma a caminho. Não há evidência de abraçar o mercado; não há indicação [do regime chinês] reduzindo seu envolvimento na economia.

Uma das coisas essenciais para a China é a vontade [do regime chinês] de recuar e reduzir seu envolvimento com os negócios. Não vejo qualquer evidência disso. A primazia do Estado permanece a mesma na economia.

Mas mesmo no lado ruim, é um ambiente ainda benigno. Houve alguma recuperação na atividade econômica no ano passado e os preços das commodities ganharam força. Então, nesse sentido, não é um ambiente otimista, embora também não haja pânico.

Mas isso não significa que algo foi resolvido. Eles apenas evitaram o pior cenário possível.

Epoch Times: Quais são alguns dos pontos de estresse?

Sr. Howie: Há muito estresse em alguns mercados de títulos ilíquidos e no mercado interbancário, bem como na moeda. O que me espanta é a estupidez de manter números alvo arbitrários para a moeda ou reservas cambiais.

Deveria ser possível negociar satisfatoriamente com uma relação de sete yuan por dólar sem que houvesse problema. Mas o Banco Popular da China (PBOC) tem sido muito relutante em permitir que a moeda seja negociada livremente em toda a banda comercial.

Então, criou-se uma expectativa e inclusive medo da moeda ultrapassar o valor de sete yuan. Isso levou o PBOC a redigir alguns números que vieram diretamente das empresas de dados de mercado antes da virada do ano e dizer que a moeda não era negociada por sete [yuan por dólar]. Isto é ridículo.

O que é tão importante sobre o valor sete? A moeda está enfraquecendo, sabemos que está enfraquecendo. Os turistas nos aeroportos já estão defrontando-se com sete ou pior. Apenas o mercado institucional está negociando abaixo.

Eles apegam-se a esses números que se tornam psicologicamente importantes, mas não são economicamente irrelevantes. Os 3 trilhões de dólares em reserva de moeda estrangeira são outro exemplo. Três trilhões é um número grande, mas 2,8 trilhões também é.

Isso cria enorme pânico e preocupação sobre se os números serão ultrapassados ou não. A China tem de se afastar dessa ancoragem. Eles estão começando lentamente com o PIB; e estão agora falando sobre uma série de números.

Epoch Times: Quais são os pontos positivos?

Sr. Howie: A boa notícia sobre a economia chinesa é que ela continua confusa, evitando o pior resultado. Isso não quer dizer que não haverá um cenário pior ou que as coisas serão ótimas, mas perdura um cenário confuso que vai se arrastando.

Enquanto avançamos em 2017, uma coisa que se destaca sobre tudo mais é Donald Trump, e depois, internamente, vem a política na China, onde eles selecionarão os novos membros do Politburo ainda este ano.

É um período antes da tempestade. Há muita razão para pensar que veremos mais volatilidade ainda este ano.

Um tipo especial de crise

Epoch Times: O que você quer dizer com volatilidade?

Sr. Howie: Alguns investidores há anos atrás estavam empenhados em me pressionar para dizer que haverá um colapso bancário na China. Então, se você acha que um banco precisa ruir como o Lehman Brothers para ocorrer uma crise na China, eu não vejo que isso acontecer.

O Partido Comunista Chinês ficou horrorizado em 2008 com a quebra do Lehman Brothers; eles inclusive questionaram a credibilidade do governo dos EUA. Se essa é sua definição de uma crise, isso não acorrerá.

Isso não quer dizer que uma crise não ocorrerá de outra forma. Mesmo segundo números oficiais, o crescimento desde o ponto alto em 2008 foi reduzido pela metade e a dívida dobrou. Isso parece uma crise em alguns aspectos. Mas não é uma crise aguda; é uma crise crônica e de longo prazo.

Eu sempre comparo essa situação com fumantes. Mesmo as pessoas que fumam e têm dietas ruins podem viver até 70 ou mais. Eles não são muito ativos ou dinâmicos, têm pele ruim, não têm muito sangue fluindo para as extremidades, e frequentemente desenvolvem diabetes. Há muitos efeitos colaterais.

Assim, a China passou por seus anos de adolescência cheia de abusos e maturidade precoce. Muitas drogas, muito álcool, muita licenciosidade, todos os vícios habituais e pouco exercício físico.

Eles puderam fazer isso porque tinham muita folga em sua economia, como uma força de trabalho crescente e um ambiente global que os apoiava.

Agora algumas coisas mudaram domesticamente, e outras tantas mudaram internacionalmente, e obviamente o estilo de vida de sua juventude não é mais viável.

Eles não tem mais a economia global lhes atendendo, não há mais uma crescente população jovem. Em vez disso, há uma população em envelhecimento e uma força de trabalho encolhendo. E todo o capital e riqueza que foi produzido nos anos de crescimento não foi bem investido, então você não pode viver com isso nos anos mais magros.

Além disso, a comunidade internacional não informou essa jovem China que levava uma vida desregrada sobre as consequências; ninguém lhe disse que as coisas ficariam mais duras, que sua saúde sofreria. Eles só lhes disseram o que eles queriam ouvir: você pode crescer indefinidamente.

Haverá uma crise aguda? Não será uma crise como a do Lehman; será mais como a crise no Japão. As semelhanças são evidentes: um grande país incapaz de fazer reforma, mais interessado em adiar e negar do que em assumir a dívida, fechar empresas, e coisas do tipo.

Epoch Times: Algumas pessoas dizem que porque a China tem um PIB per capita menor do que o do Japão no auge do seu boom, a China tem mais espaço para crescer e evitar uma crise crônica, através de mais investimento em infraestrutura.

Sr. Howie: Com esse tipo de raciocínio, a Somália deve ser a melhor oportunidade de investimento do planeta. Eles têm um PIB per capita realmente baixo e nenhuma infraestrutura. Então perceba todo esse potencial de crescimento e desenvolvimento.

A China não conseguiu se reequilibrar. Eles ainda dependem demais do investimento em ativos fixos e do crescimento da indústria antiga. Sim, tem havido aumento nos serviços e na internet e tecnologia, como o Alibaba. Mas muito disso é apenas substitucional; eles estão comprando online em vez de ir às lojas.