O anúncio feito há algumas semanas de que o governo italiano fará coincidir qualquer divulgação de novas medidas de combate ao terrorismo com transmissões sobre artes e cultura, parece ter ido e vindo sem muitos comentários. Isso é uma pena, porque a iniciativa é muito valiosa, tanto por sua originalidade como pela justificativa que está por trás dela.
O dinheiro, pouco mais de um bilhão de euros, vai se concentrar em iniciativas culturais e nos bairros de imigrantes nos grandes centros urbanos. Além disso, a todos os adultos no país será dado um cupom de 500 euros para gastar em atividades culturais, como concertos e produções teatrais. A iniciativa está voltada para os centros demográficos e geográficos do sentimento antiocidental dentro da sociedade italiana.
O primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, justificou sua decisão afirmando: “O que aconteceu em Paris marcou uma etapa na batalha cultural que estamos vivendo. Eles imaginam terror, nós respondemos com cultura. Eles destroem estátuas, nós louvamos a arte. Eles destroem livros, nós vivemos em um país de bibliotecas.”
Seu argumento faz alusão a um meme muito conhecido na internet que cita a resposta do maior líder militar britânico de todos os tempos, Winston Churchill, a uma proposta de que os fundos para arte deviam ser eliminados em favor do esforço de guerra contra a Alemanha nazista. A resposta de Churchill foi: “Então por que estamos lutando?”
Leia também:
• Bem-vindo à revolução do sistema monetário!
• Rapaz encontra carta de chinês pedindo socorro dentro de um par de meias
Esta citação é falsa, mas o fato de que continua circulando nas mídias sociais sugere que, para muitos de nós, ela expressa um sentimento que, no entanto, temos como verdade. Quando isso acontece, é a nossa cultura, não a nossa tecnologia, economia ou nossa capacidade militar que define, inspira e nos une, embora essenciais, com outros aspectos da nossa sociedade em nossa vida diária.
Devemos ser cautelosos, ao mesmo tempo, quanto à presunção de que investir em arte é, portanto, uma panaceia dos males sociais modernos. Como Norman Lebrecht escreveu recentemente na revista Standpoint, a música, por exemplo, “pode realçar as realizações de vida e confortar-nos em nossas perdas, mas não cura os ferimentos no coração da sociedade”. Ou, como afirma o personagem do romance “Retrato de uma senhora”, de Henry James, “há momentos na vida em que até Schubert não tem nada a dizer”.
Na realidade, a contemplação dos trabalhos dos grandes mestres da cultura ocidental pode talvez nunca nos responder a questão de como viver uma vida melhor. Da mesma forma, um grande amor pela música, ou pela literatura, ou por grandes pinturas, não nos faz muito melhores, nem a confissão pública da virtude religiosa, ou a posse de um elevado QI.
Este foi um ponto particularmente poderoso de Steven Spielberg em seu filme de 1993 “A Lista de Schindler”. Em meio a uma recriação cinematográfica do horror da destruição do gueto de Varsóvia, o filme tem uma cena onde um oficial uniformizado da SS nazista descobre um velho piano em uma casa que acaba de invadir. O oficial calmamente senta-se e começa a tocar.
Ao ouvir casualmente o som, um soldado pergunta ao outro: “É Bach?”
“Não, Mozart”, vem a resposta. Todo o tempo, no entanto, o massacre cometido pelos compatriotas de Mozart e Bach continuou ao redor.
Leia também:
• Blatter sabia sobre subornos a Havelange, afirma BBC
• Coreia do Norte ameaça explodir bomba de hidrogênio, mais letal que bomba nuclear
Uma apreciação dos melhores exemplares da cultura ocidental, portanto, não garante a nossa segurança contra os bárbaros, nem nos impede de voltar à barbárie.
O que ela pode fazer, no entanto, é expandir a nossa imaginação e, portanto, nossos horizontes políticos, ou a nossa capacidade de aceitar novas ideias e sensibilidades. O ex-primeiro-ministro australiano Paul Keating, por exemplo, acredita que formas particulares de música clássica, a arquitetura neoclássica e a filosofia política, estavam profundamente ligados por um chamado implícito a uma vida melhor. Para ele, sugerem não somente a arte do possível, como uma arte das possibilidades.
O contato com a grande arte nos estimula a reconhecer que o que normalmente podemos ver, ouvir e sentir não é tudo o que há no mundo.
Desta forma, o gesto do primeiro-ministro italiano certamente não é vazio ou fútil. Na experiência de viver no Ocidente, ele tenta lembrar-nos (bem como tenta demonstrá-lo àqueles que vivendo entre nós poderiam escolher odiar-nos), que eles não precisam ficar restritos apenas ao contato com alimentos gordurosos, refrigerantes e jeans gastos. Isso não precisa ser inevitavelmente acompanhado de sentimentos de alienação comuns em nossos centros urbanos.
Em um momento de novas ameaças para a segurança nacional, talvez precisemos que nos lembrem justamente o que estamos lutando para preservar. A defesa duradoura da nossa sociedade civil pode, em última instância, depender disso.
Peter Tregear é músico e estudioso nascido na Austrália, atualmente vivendo em Londres, onde ensina música na Royal Holloway University de Londres
Leia também:
• McDonald’s investiga plágio em Cuba
• Ativistas formam tribunal para ‘processar’ Monsanto por crimes contra a humanidade